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Revista Portuguesa de Saúde Pública
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Inicio Revista Portuguesa de Saúde Pública A Segurança do doente para além do erro médico ou do erro clínico
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Vol. Tematico. Issue 10.
Pages 1-2 (November 2010)
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Vol. Tematico. Issue 10.
Pages 1-2 (November 2010)
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A Segurança do doente para além do erro médico ou do erro clínico
Patient safety beyond the medical or clinical error
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António Sousa Uvaa, Paulo Sousab, Florentino Serranheiraa
a Grupo de Disciplinas de Saúde Ambiental e Ocupacional da Escola Nacional de Saúde Pública — Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal. Centro de Investigação e Estudos em Saúde Pública (CIESP), Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Universidade Nova de Lisboa (UNL); CMDT- Laboratório Associado, Universidade Nova de Lisboa.
b Grupo de Disciplinas de Estratégias de Acção em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública — Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal. Centro de Investigação e Estudos em Saúde Pública (CIESP), Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Universidade Nova de Lisboa (UNL); CMDT- Laboratório Associado, Universidade Nova de Lisboa.
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A segurança do doente (patient safety) tem ocupado, nos últimos vinte anos, as preocupações de quem se dedica aos aspectos da qualidade em saúde, ainda que centradas essencialmente numa perspectiva do erro ("erro médico" ou, se se preferir, "erro clínico"). Seria espectável que tais preocupações já tivessem sido antes despertadas, por exemplo, pela frequência e importância das infecções nosocomiais em doentes internados em hospitais, cuja prevalência justifica, há muitos anos, respostas hospitalares organizadas para a sua prevenção.

Quais serão então as razões de tal desvalorização nas organizações de saúde? E porque é tão valorizado e mediatizado o erro medicamentoso e o erro médico?

Poderão ensaiar-se muitas respostas às questões colocadas mas talvez tal "miopia" de enfoque se relacione com a tradicional sobrevalorização (negativa) dos denominados factores humanos no seio de qualquer organização e a (complementar) subvalorização dos factores organizacionais e sistémicos, apesar de tudo, bem mais complexos que os primeiros. Repare-se, por exemplo, em matéria de acidentes rodoviários ou acidentes de trabalho a abordagem prevalente da sua análise que tende quase sempre em, maniqueistamente, subdividir as suas causas em (i) humanas e (ii) materiais. Claro que, quase sempre, os resultados dessa análise são reportados às causas/falhas "humanas".

A esse propósito os trabalhos de Leape e outros autores nos Estados Unidos da América, que metaforizaram a "dimensão" do problema com exemplos dramáticos de aviação civil comercial, destacaram de forma inequívoca a elevada complexidade das circunstâncias específicas dos sistemas em que tal ocorre e que, na maior parte dos casos, revela má ou inadequada concepção ou não integraram as reais características, capacidades e limitações do homem ("factor humano").

No contexto da prestação de cuidados de saúde em hospitais também se observa uma elevada complexidade, nem sempre valorizada pelas organizações. Daí que não seja surpreendente que as taxas de incidência de eventos adversos em hospitais atinjam valores que variam entre os 4 % e os 16 % (com consequente impacte clínico, económico e social), sendo que desses a maior parte (50 % a 70 %) são considerados preveníveis.

Apesar disso, a abordagem mais frequente dos aspectos relacionados com a segurança do doente continua circunscrita a uma perspectiva de acontecimento (ou evento) "acidental", leia-se inesperado e atípico, em que, no essencial, as variáveis individuais se interpretam como decisivas para a sua ocorrência. Mesmo nessa perspectiva o paradigma da prestação de cuidados de saúde ainda assenta muito no modelo da "perfeição", em que o erro não é admissível e que, quando existente, implica a consequente "culpa". Trata-se de um modelo analítico, infelizmente, mais explicativo das condições de ocorrência desses acontecimentos (eventos adversos) do que da sua prevenção, que deveria ser a prioridade em matéria de gestão desses riscos.

Conhecendo-se os resultados, em muitos países, da frequência desses acontecimentos em cifras tão assinaláveis seria, com certeza, mais eficaz investir na concepção de todos os elementos do sistema de prestação, incluindo: i) a "arquitectura/design hospitalar"; ii) os "suportes à prestação de cuidados" e iii) o desenvolvimento, aplicação e avaliação de soluções inovadoras, com o objectivo de diminuir ou evitar esses acontecimentos indesejados (eventos adversos).

Só se previne o que se conhece! As potenciais medidas correctivas/preventivas têm que se "espaldar" em eficientes sistemas de avaliação de risco que não se circunscrevem a aspectos de natureza clínica. Refira-se, por exemplo, a frequência e gravidade das quedas de doentes que, pelo menos em termos teóricos, deveriam ser totalmente evitáveis e que continuam a ter uma grande importância em matéria de segurança do doente.

Exige-se por isso o desenvolvimento de uma cultura de qualidade que deve fazer parte da cultura da organização e em que a concepção dos sistemas de trabalho deve ter presente que os profissionais de saúde são parte integrante. De facto, a prestação de cuidados de saúde comporta riscos que importa conhecer para os anular, ou pelos menos, diminuir (risk control ou risk management).

A segurança do doente não está só dependente de eventuais características individuais, por exemplo relacionadas com a experiência profissional dos prestadores, mas também de aspectos organizacionais e técnicos, como os respectivos climas organizacionais e ambientais de trabalho que se observam na realidade da prestação de cuidados de saúde. Os intervenientes nesse sistema devem estar conscientes disso e desenvolver os "instrumentos" necessários para "pilotar" (imagem bem adequada para a presente situação) esse sistema de prestação que deve, indiscutivelmente, ter o doente (e sua família) no centro.

Assim, a perspectiva redutora da abordagem dos aspectos de segurança do doente centrada no erro (erro médico ou erro clínico) é, em si mesma, limitadora de todo o processo de prestação de cuidados de saúde. No essencial, são apenas valorizadas as situações negativas, não se aprendendo com todos os momentos de prática clínica em que, por exemplo, os prestadores "evitaram o erro iminente". Desta forma é necessário re-inventar o paradigma da prestação de cuidados de saúde, destacando as questões que contribuem para a diminuição do risco e para a melhoria da segurança do doente, de uma forma sistémica e integrada.

O presente número temático pretende ser um contributo para colocar/reforçar o tema da segurança do doente na agenda das políticas e das práticas de saúde em Portugal. Para tal convidámos um leque de autores que aliam uma forte componente académica a uma vasta e reconhecida experiência no "terreno", nas suas diferentes áreas de "especialidade".

A abrir este número temático, António Vaz Carneiro apresenta-nos um artigo onde destaca a importância da evidência científica em segurança do doente. Em seguida um conjunto de quatro artigos (Maria João Lage; José Fragata; Elaine Pina e colaboradores e Divaldo Lyra e colaboradores) que incidem sobre as áreas consideradas "clássicas", na segurança do doente, respectivamente, Erro clínico; Erros e eventos adversos relacionados com cirurgia; Infecções associadas aos cuidados de saúde (IACS); e o Erro medicamentoso. O segundo conjunto de artigos integra quatro temas conexos à segurança do doente, nomeadamente: Comunicação em saúde e a segurança do doente (Margarida Santos e colaboradores); Ergonomia hospitalar e segurança do doente (Florentino Serranheira e colaboradores); Impacto económico dos eventos adversos (Sílvia Porto e colaboradores); e Perspectivas do direito da saúde em segurança do doente com base na experiência norte-americana (Paula Lobato Faria). A terminar, Paulo Sousa e colaboradores apresentam-nos um artigo onde se evidencia a importância da investigação em segurança do doente, bem como o desenvolvimento, aplicação e avaliação de soluções inovadoras, numa perspectiva de investigação/acção.

A par com a edição deste número temático, a criação do Mestrado em Segurança do Doente (a 1ª edição 2010-2012 teve início em Outubro 2010) e os projectos de investigação (principalmente, o estudo piloto de avaliação da incidência de eventos adversos em hospitais) que a ENSP vem desenvolvendo, constituem um sólido contexto de desenvolvimento desta área temática, enquanto verdadeiro "problema" de Saúde Pública.


*Autor para correspondência. Correio electrónico: asuva@ensp.unl.pt (A. Sousa)

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