Buscar en
Educación Química
Toda la web
Inicio Educación Química Casos investigativos de caráter sociocientífico: aplicação no ensino superio...
Información de la revista
Vol. 24. Núm. S2.
Páginas 522-528 (Noviembre 2013)
Compartir
Compartir
Descargar PDF
Más opciones de artículo
Visitas
2019
Vol. 24. Núm. S2.
Páginas 522-528 (Noviembre 2013)
Open Access
Casos investigativos de caráter sociocientífico: aplicação no ensino superior de Química
Socio-scientific case studies: application in undergraduate chemistry teaching
Visitas
2019
Luciana Passos Sá1, Ana Cláudia Kasseboehmer2, Salete Linhares Queiroz2
1 Universidade Federal de São Carlos, Brasil
2 Universidade de São Paulo, Brasil
Este artículo ha recibido

Under a Creative Commons license
Información del artículo
Resumen
Texto completo
Bibliografía
Descargar PDF
Estadísticas
Tablas (5)
Quadro 1. Caso Reciclagem de Materiais. Fonte de inspiração: reportagem Embalagem Livre de Óleo Lubrificante (Revista Pesquisa fapesp, n. 111, p. 62, maio/2005).
Quadro 2. Análise da natureza dos argumentos considerados por G1, G2 e G3 no debate sobre o caso Reciclagem de Materiais.
Quadro 3. Análise das fontes de evidências explicitadas nos argumentos dos grupos G1, G2 e G3 no debate sobre o caso Reciclagem de Materiais.
Quadro 4. Análise das estratégias de aprendizagem cognitivas elaboradas pelos grupos G1, G2 e G3 no debate sobre o caso Reciclagem de Materiais.
Quadro 5. Análise das estratégias de aprendizagem para as categorias metacognitiva, afetiva e social elaboradas pelos grupos G1, G2 e G3 no debate sobre o caso Reciclagem de Materiais.
Mostrar másMostrar menos
Abstract

Several educators have called for the discussion of socio-scientific issues in classroom because of its potential to develop students’ argumentation skills. This study explores the nature of the arguments used by undergraduate chemistry students in decision making on a socio-scientific issue. The whole activity was based on case studies that use realistic narratives and involve an authentic portrayal of a person in a complex situation constructed for particular pedagogical purposes. The study also reported how students address to incorporate sources of evidence and learning strategies while they argue.

Keywords:
case studies
socio-scientific issues
argumentation
chemistry teaching
Resumen

Varios investigadores promueven la discusión de asuntos socio-científicos en el aula, dado el potencial que tienen para desarrollar habilidades argumentativas en los estudiantes. Este estudio explora la naturaleza de los argumentos utilizados por estudiantes de la licenciatura de química en la toma de decisiones de un asunto socio-científico. Toda la actividad se basó en estudios de caso, mediante el uso de narrativas realistas que involucran una presentación auténtica de una persona en una situación compleja construida así por un propósito pedagógico particular. El estudio también informa cómo los estudiantes, mientras argumentan, llegan a incorporar alguna fuente de prueba y sus estrategias de aprendizaje.

Palabras clave:
estudios de caso
asuntos socio-científi-cos
argumentación
enseñanza de la química
Texto completo
Introdução

De acordo com Simonneaux (2008), questões sociocientífi-cas, normalmente referenciadas pela sigla SSI (oriunda do inglês Socioscientific Issues), são definidas como questões controversas em que competem diferentes visões e que têm implicações em um ou mais dos seguintes campos: Biologia, Sociologia, Ética, Política, Economia e Ambiente. A natureza controversa das SSI está relacionada com o grau de incerteza nelas envolvido. Segundo o autor, há uma diversidade de objetivos inerentes a propostas com abordagem SSI, dentre eles destacam-se: aprendizagem de conteúdo científico; educação para a cidadania; tomada de decisão; capacidade de argumentação; e melhor compreensão a respeito da natureza da Ciência. Professores e pesquisadores priorizam um ou vários desses objetivos e, com base nisso, determinam a fundamentação teórica e a metodologia a ser empregada para o alcance dos mesmos.

Nessa perspectiva, no presente trabalho descrevemos uma proposta de ensino na qual foi oferecida aos alunos a oportunidade de lidar com questões sociocientíficas no contexto de uma disciplina ministrada em um curso superior de Química. Esta foi elaborada tendo em vista o fomento às práticas argumentativas. Para tanto, os alunos participaram de debates nos quais apresentaram soluções para casos investigativos e argumentaram a favor de uma delas.

Pesquisas oriundas de diferentes países, que discutem aspectos relacionados à argumentação na Educação em Ciências têm sido frequentes nos anos recentes (Kuhn, 2010; Berland e Reiser, 2011; Sá, Francisco e Queiroz, 2007; Erduran e Jimenez-Aleixandre, 2008), sendo digna de nota a pu-blicação do número especial Argumentación en el Salón de Clase, na seção De Aniversario desta revista, em 2009. A seção conta com seis contribuições de pesquisas provenientes de diferentes países, duas delas desenvolvidas no Brasil (Sá e Queiroz, 2009; Martins, 2009). Estas sinalizam que os modos dialógicos de interação serão elementos essenciais do processo de ensino-aprendizagem no século XXI e que os professores necessitam estar preparados para fomentá-los na sala de aula.

Percurso Metodológico

A proposta foi aplicada em disciplina de Comunicação Científica, oferecida a alunos de graduação em química da Universidade de São Paulo, Brasil. Esta não trata de conteúdos específicos de Química e tem como principal objetivo desenvolver no aluno habilidades comunicativas orais com ênfase em aspectos formais de preparação e organização de apresentações acadêmicas individuais, tais como seminários e palestras. Os objetivos da disciplina estão em sintonia com alguns dos aspectos contemplados na proposta, cujas etapas são apresentadas a seguir.

Produção e distribuição dos casos investigativos - a turma, constituída por 58 estudantes, foi dividida em catorze grupos, sendo doze de quatro alunos e dois de cinco alunos. Cinco casos distintos foram produzidos e distribuídos entre os grupos, sendo eles: Doença Misteriosa em Artesãos, Reciclagem de Materiais, Praga do Feijão, Ameaça aos Cacaueiros e Praga do Carrapato. Os casos, que são narrativas sobre dilemas vivenciados por indivíduos que necessitam tomar decisões ou buscar soluções para os problemas enfrentados (Herreid, 1998), foram distribuídos de tal modo que cada um deles foi estudado por três grupos diferentes. A produção dos casos foi essencial para o funcionamento da proposta. Para tanto, nos pautamos em reportagens publicadas na revista de divulgação científica Pesquisa fapesp1 e nas recomendações de Herreid (1998). O autor destaca que um bom caso deve abarcar as seguintes características: narra uma história; inclui diálogos; é curto; é atual; desperta o interesse pela questão; produz empatia com os personagens centrais; é relevante ao leitor; provoca um conflito; força uma decisão; tem utilidade pedagógica; e possibilita generalizações.

Apresentação de componentes do argumento - após a distribuição dos casos foram apresentados aos alunos os componentes do argumento na perspectiva do Modelo de Toulmin (2001). Esta apresentação teve como objetivo auxiliá-los na elaboração de argumentações consistentes na resolução dos casos que lhes haviam sido destinados.

Aplicação do “Guia para Análise e Resolução de Casos” -concluída a apresentação do Modelo de Toulmin (2001), os alunos, seguindo recomendações elencadas no referido Guia, procederam a um levantamento de ideias sobre o que “se sabia” e o que “ainda se precisava saber” sobre o caso recebido. Depois dessa discussão inicial foi solicitado aos alunos que pesquisassem individualmente, nas diversas fontes de informação, sobre o assunto envolvido no caso. O material localizado foi trazido nos próximos encontros, que ocorreram em sala de aula.

Resolução de questões concernentes ao caso - com o auxílio do material pesquisado, os alunos solucionaram em sala de aula questões que foram formuladas visando facilitar o processo de busca coletiva por possíveis alternativas de solução para o caso e de tomada de decisão sobre qual deveria ser a solução adotada. Por exemplo: Como o problema apresentado no caso encontra-se vinculado a questões sociais, econômicas, ambientais e éticas?; Faça um julgamento da gravidade do problema descrito no caso e justifique a resposta; Apresente as vantagens e desvantagens da opção escolhida para resolução do problema, em relação a outras possíveis soluções.

Produção coletiva do “Diário do Caso” e produção individual de texto - as informações obtidas bem como as reflexões sobre o andamento do processo de resolução do caso foram registradas pelo grupo em um “Diário do Caso”. Um texto sobre o assunto envolvido no caso, com formato e linguagem direcionada a alunos do Ensino Médio, foi também produzido pelos alunos.

Apresentações orais e debates - a resolução dos casos foi apresentada por cada grupo em aproximadamente vinte minutos. Cada sessão de apresentação dos casos reuniu três grupos que haviam solucionado casos idênticos. Após a realização das exposições orais, que foram apoiadas em projeção de slides, um debate foi promovido entre os três grupos responsáveis pela resolução do mesmo caso.

Neste manuscrito analisamos a natureza dos argumentos produzidos no debate ocorrido entre os membros dos três grupos, aqui denominados G1, G2 e G3, que solucionaram o caso Reciclagem de Materiais (Quadro 1), assim como as fontes de evidências e estratégias de aprendizado empregadas. O debate foi filmado em DVD e as falas dos alunos foram transcritas, de modo a preservar ao máximo as suas características originais, e posteriormente analisadas. Consideramos como unidade de análise cada turno de conversação, ou seja, cada vez que a palavra é tomada no debate por um determinado sujeito falante. A partir da leitura das transcrições dos vídeos identificamos nos debates fragmentos de fala indicadores de argumentação. Estes foram analisados de acordo com os referenciais teóricos descritos sucintamente a seguir. Cabe ainda destacar que os nomes atribuídos aos alunos são fictícios.

Quadro 1.

Caso Reciclagem de Materiais. Fonte de inspiração: reportagem Embalagem Livre de Óleo Lubrificante (Revista Pesquisa fapesp, n. 111, p. 62, maio/2005).

RECICLAGEM DE MATERIAIS 
As embalagens plásticas de óleo lubrificante usadas em motores automotivos são produzidas em polietileno de alta densidade (PEAD) e se tornaram um problema para os recicladores. Os locais de troca de óleo (postos de gasolina, centros de troca, concessionárias de veículos etc.) descartam diariamente para o meio ambiente frascos plásticos contaminados com óleo lubrificante e aditivos. O óleo residual, contido nesses frascos, aumenta o índice de fluidez do plástico, dificultando o processo de reciclagem e prejudicando a qualidade dos artefatos reciclados produzidos, devido à deformidade e presença de odor de óleo.Hélio é proprietário de uma pequena empresa de reciclagem de plásticos em Campinas, São Paulo. Ele, assim como muitos outros recicladores, enfrenta um dilema: o que fazer com resíduos sólidos tais como aqueles contidos nas embalagens de lubrificantes?Certo domingo, Hélio recebeu a visita de um primo. Sérgio é estudante do curso de Química da Universidade de São Paulo (USP) e foi passar alguns dias na sua casa. Na segunda-feira, Hélio levou Sérgio para conhecer a empresa de reciclagem.Depois de conhecer todo o local, Sérgio faz algumas perguntas a Hélio:
  • Hélio, como vocês fazem para separar o óleo das embalagens plásticas?

  • Atualmente nós usamos detergente e água para extrair o óleo. O problema é o elevado custo, pois o efluente não pode ser despejado em esgotos e rios sem passar por um tratamento adequado e isso tem me causado alguns prejuízos.

  • E não existem outras técnicas mais viáveis para fazer esta separação?

  • Não sei. Devido à falta de tempo, não tenho me atualizado sobre o assunto. Mas gostaria muito de encontrar alternativas mais viáveis economicamente e que não causassem nenhum dano ao meio ambiente.

  • Não tenho certeza, mas acredito que já deve ter sido desenvolvida uma melhor tecnologia para a remoção do óleo dessas embalagens, assim como para o tratamento dos efluentes gerados no processo de reciclagem, que, pelo o que sei, é outro problema.

  • Eu desconheço qualquer inovação nesse sentido. Mas, se você puder me ajudar a encontrar uma melhor solução para o problema, ficarei muito grato e o meio ambiente também.

  • Na quinta-feira volto para casa e irei procurar alguns amigos da faculdade. Eles fazem estágio em uma empresa de reciclagem de plásticos em São Paulo e acredito que poderão nos ajudar.

  • Muito obrigado, Sérgio. Ficarei aqui aguardando notícias.

Vocês são amigos de Sérgio e irão ajudá-lo a encontrar alternativas mais viáveis para a empresa de Hélio, do ponto de vista econômico e ambiental
Análise da Natureza dos Argumentos, Fontes de Evidências e Estratégias de Aprendizagem Presentes no Debate: Referenciais Teóricos

No caso em foco, o proprietário de uma pequena empresa enfrenta problemas relacionados ao tratamento dos resíduos gerados no processo de reciclagem. A técnica até então empregada na empresa para remover resíduos de óleo lubrificante de embalagens plásticas é a de limpeza com água e detergente, o que remete a questões sociocientíficas, como a preservação do meio ambiente e os custos envolvidos no processo de reciclagem. Para resolver o caso os alunos buscaram métodos não agressivos ao meio ambiente e viáveis economicamente e, no debate, argumentaram a favor de alguns deles.

O debate foi analisado em três diferentes perspectivas. A primeira diz respeito à natureza dos argumentos adotados pelos alunos. Assim como realizado por Patronis, Potari e Spiliotopoulou (1999), classificamos os argumentos de acordo com a sua natureza ambiental, científica, econômica, ética ou social. A segunda perspectiva relaciona-se às fontes de evidências empregadas pelos alunos. Assim como realizado por Kim e Song (2005), avaliamos se possuíam caráter de evidência pessoal e/ou de evidência de autoridade.

Em uma terceira perspectiva, o debate foi analisado segundo as estratégias de aprendizagem. Pesquisadores de diferentes áreas apresentam distintas classificações para essas estratégias, dentre as quais se destacam as estratégias cognitivas, metacognitivas, sociais e afetivas. De acordo com Dembo (1994), as estratégias cognitivas operam diretamente sobre o material a ser aprendido, auxiliando o estudante a melhor processar a informação, enquanto que as estratégias metacognitivas são procedimentos que o indivíduo emprega para planejar, monitorar e regular o seu próprio pensamento e ação. Paiva (1998) define as estratégias sociais como aquelas que promovem a interação e a cooperação de uns com os outros; e as estratégias afetivas como aquelas que envolvem o controle das emoções, atitudes, valores e motivação.

Resultados e Discussão

Foi possível verificar que o caso Reciclagem de Materiais propiciou rico debate entre os estudantes, tendo sido registrados 159 turnos de conversação. As soluções apresentadas pelos grupos para a remoção do óleo das embalagens e para o tratamento dos efluentes gerados no processo de reciclagem foram as seguintes:

G1 - para a retirada do óleo das embalagens, três métodos foram encontrados: extração com hexano, lavagem com água e detergente e uso de uma mistura dos ácidos sulfúrico, nítrico e clorídrico. Este último foi indicado como a melhor alternativa, enquanto os primeiros foram descartados devido à toxicidade e alto custo do solvente orgânico e do poder poluente da mistura água e detergente. Com relação ao resíduo, foi descartada a alternativa de tratamento por processo biológico, cujos resultados demonstraram eficiência muito aquém das obtidas por processo físico-químico (pré-filtração, coagulação, floculação, decantação e filtração) e apontado o cloreto férrico como melhor coagulante para o referido processo.

G2 - também foram apresentados três métodos para a retirada do óleo das embalagens, dois idênticos aos elencados pelo G1: extração com hexano (rejeitado pelos mesmos motivos mencionados por G1) e lavagem com água e detergente. No entanto, diferentemente do G1, o G2 não descartou o segundo método. Em contraponto, sugeriu manter o processo já utilizado na empresa de Sérgio e propôs a incorporação de um processo de reuso da água de lavagem pela quebra da emulsão da água com o detergente a partir de uma solução de etanol com KOH. Um terceiro método, denominado extrusão em cascata, foi também descartado por não ser eficiente na remoção do óleo e interferir na qualidade do plástico reciclado.

G3 - assim como o G2, o G3 descartou os métodos de extrusão em cascata e de lavagem com solvente orgânico. Como sugestão para baratear o processo de lavagem com detergente, propôs a utilização do mineral vermiculita, que, quando aquecido, tornase hidrofóbico e absorve mais de 90% do óleo, se adicionado a uma emulsão de água e óleo. Suas propriedades de superfície, somadas aos elevados valores de área superficial específica e porosidade fazem da vermiculita um material adequado para o uso como adsorvente ou como carreador.

Análise da natureza dos argumentos

O Quadro 2 ilustra alguns dos argumentos empregados pelos três grupos no debate. No turno 8, por exemplo, Clara (G2), pergunta ao G1 sobre a ação do cloreto férrico em relação ao óleo das embalagens. A pergunta é respondida por Pedro (G1), no turno 9, que indica o que ocorrerá na reação. Já no turno 63, Bianca (G1) apresenta uma comparação, do ponto de vista ambiental e também econômico, sobre as vantagens do método que utiliza ácido em relação aos que usam hexano e detergente.

Quadro 2.

Análise da natureza dos argumentos considerados por G1, G2 e G3 no debate sobre o caso Reciclagem de Materiais.

Turno/Aluno (grupo)  Natureza do Argumento  Enunciados 
8/Clara (G2)9/Pedro (G1)  Científica  Eu não entendi. Quando adicionar o cloreto férrico no óleo, esses flocos fazem o que com o óleo?O negócio é o seguinte: você vai jogar o cloreto férrico, ele vai reagir com a água e vai produzir Fe(OH)3. Esse Fe(OH)3 vai juntar, forma esse precipitado. Ele vai pegar as impurezas do óleo, entendeu? Vai pegar o óleo sujo e teoricamente deixar ele limpo
63/Bianca (G1)120/não visualizada (G1)121/Clara (G2)122/Renato (G2)  Ambiental e EconômicaSocialAmbientalSocial  Ela (técnica com ácido) é mais barata que o uso do hexano e mais cara que o uso do detergente. Mas como ela é mais eficaz, mais prática, polui menos, não precisa de outros investimentos maiores como a do detergente, então por ela ter assim maior custo benefício é que a gente pegou esse método, entendeu?Só uma coisinha: parece tão óbvio que a reciclagem melhora a qualidade de vida das pessoas…Então, é porque a reciclagem vai diminuir a poluição ambiental, entendeu? Consequentemente vai melhorar a qualidade de vida da população.E também vai gerar emprego, e se gerar emprego vai melhorar a qualidade de vida

No turno 120, por exemplo, uma aluna (não identificada na gravação do vídeo, integrante de G1) faz um comentário de natureza social, relacionado aos benefícios proporcionados pela reciclagem à qualidade de vida da população. O comentário é seguido de colocações de natureza ambiental e social por integrantes do G2.

Foi possível verificar que a busca por solução para o caso suscitou a pesquisa e a reflexão sobre as temáticas “reciclagem de embalagens plásticas” e “descarte de óleo”. Os estudantes argumentaram com base em aspectos sociais (como a geração de emprego e melhoria de qualidade de vida) e econômicos (como a viabilidade dos processos quanto ao custo, bem como a economia gerada com o reaproveitamento de matéria-prima dos plásticos e da água de lavagem das embalagens). Foram ainda desencadeadas discussões sobre questões ambientais – impactos que o descarte indevido provoca, além do estudo da viabilidade das alternativas pesquisadas quando se empregam reagentes como o hexano. O debate também propiciou a construção de argumentos de caráter científico, sendo alguns vinculados às transformações físicas e químicas pertinentes aos diferentes métodos pesquisados.

Análise das fontes de evidências

O Quadro 3 exemplifica as fontes de evidências mencionadas no debate como forma de garantir confiabilidade às informações fornecidas. Tanto evidências de autoridade quanto de cunho pessoal foram identificadas.

Quadro 3.

Análise das fontes de evidências explicitadas nos argumentos dos grupos G1, G2 e G3 no debate sobre o caso Reciclagem de Materiais.

Turno/ Aluno (grupo)  Enunciados  Evidência pessoal ou de autoridade  Fonte de evidência 
40/Pedro (G1)  Então, a gente não fez teste, mas esse tratamento… tem uma indústria em Campinas que faz esse tratamento óleo (…)Autoridade  Instituição 
42/Míriam (G1)  (…) a gente consultou na tese do laboratório de resíduos aqui da USP. E a gente confiou na tese dela, já que ela faz na práticaAutoridade  Tese e Instituição 
119/Clara (G2)  A gente foi atrás de várias pessoas, da Suzana, da Marta. Aí eu fui no laboratório do Roberto e falei com o Eduardo, que é monitor. Aí eu conversei com ele, contei pra ele (sobre o caso). Eu nem sabia e ele disse: no laboratório a gente faz isso, vem que a gente vê se dá certo, você traz uma embalagem. Eu levei, aí a gente fez, deu certoPessoal e de Autoridade  Experiência e Especialista 
112/Clara (G2)  É uma solução muito forte, tira qualquer óleo. Aí a gente fez no laboratório, tudo certinho…  Pessoal  Experiência 

Quanto às fontes de evidências de autoridade, no turno 40, por exemplo, Pedro (G1), responde à pergunta de Lucas (G3), sobre a existência de testes para verificar a retirada do óleo das embalagens recicladas. O grupo argumenta não haver realizado testes, mas menciona que a técnica com o uso de ácidos é empregada por determinada indústria e, portanto, pode ser considerada válida. Nessa mesma perspectiva, no turno 42, Míriam (G1) ressalta a credibilidade atribuída por seu grupo à tese de doutorado desenvolvida na USP, cujo conteúdo subsidiou a escolha da solução para o caso.

O emprego de evidências pessoais na elaboração dos argumentos foi observado no turno 119, por exemplo, quando Clara (G2), além de recorrer ao contato do grupo com alguns especialistas que tratam do assunto (evidência de autoridade), também menciona que o método sugerido havia sido previamente testado pelo grupo. No turno 112, a aluna novamente ressalta a experiência do grupo quanto à utilização do método.

Como indicado por Kim e Song (2005), a evidência pessoal associa-se a argumentos oriundos de conhecimentos ou experiências próprios, como faz Clara (G2) ao se remeter às práticas de laboratório realizadas pelo grupo para solucionar o caso. Também de acordo com os autores, as evidências de autoridade podem ser utilizadas como estratégia para contornar um questionamento para o qual o conhecimento pessoal não é suficiente para responder. Nesse contexto encaixa-se a resposta de Pedro (G1) ao procurar fortalecer a proposta do seu grupo referindo-se a uma indústria que utiliza o procedimento escolhido.

Análise das estratégias de aprendizagem

No que concerne às estratégias de aprendizagem, as seguintes categorias foram delineadas: cognitiva, metacognitiva, afetiva e social (Dembo, 1994; Paiva, 1998). O Quadro 4 apresenta exemplos de enunciados referentes à categoria estratégia cognitiva, relacionados às seguintes ações: elaboração, questionamento, formulação de hipótese, comparação e apresentação de prós e contras.

Quadro 4.

Análise das estratégias de aprendizagem cognitivas elaboradas pelos grupos G1, G2 e G3 no debate sobre o caso Reciclagem de Materiais.

Turno/Aluno (grupo)  Enunciados 
4/Lucas (G3)7/Pedro (G1)  A gente queria saber o tempo que demora pra decantar, depois de jogar o ácido…Elaboração: (…) Se for em larga escala assim, isso aqui deve ter o quê? (mostra ilustração do slide) deve ter uns 200 litros, demorou uma hora mais ou menos. O mais difícil é ajustar o pH, você conseguiu ajustar o pH, deixou bem ácido, deixou um tempo lá pra decantar. É rápido também, você vai levar tipo umas três horas pra fazer o processo… 
51/Michele (G3)52/Míriam (G1)  Questionamento: (…) vocês falavam dos galões com ácido, depois vocês jogam os resíduos fora, e esses galões, eles não ficam com resíduos de ácido que podem prejudicar no material que for feito pelo plástico reciclado? Tipo, quando você lava com detergente pra tirar o óleo, você tem que lavar com água pra tirar todo o detergente e pôr pra secar. Porque se tiver água ou detergente lá, na hora que você for fazer o produto, aquilo pode atrapalhar na hora de você refazer o plástico, depois que moer e derreter. Eu quero saber se o ácido, porque vocês não falaram de nenhuma parte pra tirar o ácido, eu quero saber se esse ácido que pode ficar lá não pode atrapalhar.Hipótese: Neutraliza, analisa, eu acho que não é uma coisa difícil de fazer. A gente pensou assim: vocês falaram de moer o plástico, a gente pensou em tentar limpá-lo e reutilizá-lo pra não ter que… 
63/Bianca (G1)  Comparação: Ela é mais barata que o uso do hexano e mais cara que o uso do detergente. Mas como ela é mais eficaz, mais prática, polui menos, não precisa de outros investimentos maiores como a do detergente, então por ela ter assim maior custo benefício é que a gente pegou esse método, entendeu? 
87/Míriam (G1)  Apresentação de prós e contras: (…) você vai fazer um investimento, mas vai ter lucro porque pode reutilizar essa água normalmente. 

A elaboração – definida como estratégia cognitiva na qual se observa que o sujeito estabelece conexões entre o material novo a ser aprendido e o material antigo e familiar (Dembo, 1994; Paiva, 1998) – foi fortemente evidenciada no debate, isso considerando como conhecimento antigo e familiar aqueles conceitos básicos inerentes ao curso de Química (determinação de pH, métodos de separação, dentre outros). Por exemplo, no turno 4, para responder ao questionamento de Lucas (G3), sobre o tempo de decantação no processo de tratamento de óleo, Pedro (G1), no turno 7, explica em linhas gerais como se dá o processo e, para tanto, fala com propriedade sobre ajuste do pH, acidez e decantação.

No turno 51, Michele (G3) faz um questionamento ao G1 sobre a ação dos resíduos dos ácidos usados no tratamento dos plásticos. O questionamento é respondido por Míriam (G1), no turno 52, com a hipótese de que não seria difícil encontrar uma solução para esse problema. No turno 63, Bianca (G1) apresenta uma comparação, do ponto de vista econômico e ambiental, do uso de ácidos em relação ao emprego do hexano e do detergente no tratamento do óleo. No turno 87, Míriam (G1) apresenta um argumento no qual são evidenciadas vantagens e desvantagens (prós e contras) em relação à solução proposta por seu grupo, visto que a mesma necessitaria de investimento em uma estação de tratamento de água.

Como explica Paiva (1998), as estratégias cognitivas ocorrem para a compreensão de novos significados. Nesse sentido, diferentes foram os tipos de enunciados produzidos pelos estudantes durante o debate como, por exemplo, o questionamento ao outro, o levantamento de hipóteses e a comparação de diferentes perspectivas. Essa interação dialógica obtida com a aplicação dos casos permite, portanto, o desenvolvimento de importantes habilidades.

O Quadro 5 apresenta exemplos de enunciados para as categorias: estratégia metacognitiva, estratégia afetiva e estratégia social. No que diz respeito à primeira, foram identificados o emprego do monitoramento e da avaliação. No turno 68, por exemplo, Clara (G2) ressalta o que o grupo pensou durante o processo de resolução do caso e as ações que deveriam ser tomadas levando em consideração as condições apresentadas no caso. No turno 112, ocorre, também no argumento de Clara, a avaliação do grupo em relação à solução apontada para resolução do caso.

Quadro 5.

Análise das estratégias de aprendizagem para as categorias metacognitiva, afetiva e social elaboradas pelos grupos G1, G2 e G3 no debate sobre o caso Reciclagem de Materiais.

Estratégia de prendizagem  Turno/Aluno (grupo)  Enunciados 
Metacognitiva68/Clara (G2)  Monitoramento: A gente pensou assim: como o Hélio trabalha com uma empresa de reciclagem, a gente acha que ele vai produzir outros materiais a partir do reciclado. Então a gente pensou que tem todo o equipamento pra moer… 
112/Clara (G2)  Avaliação: É uma solução muito forte, tira qualquer óleo. Aí a gente fez no laboratório, tudo certinho… 
Afetiva135/Clara (G2)136/Natalia (G3)137/Lucas (G3)  Quando você põe a vermiculita lá na água ela absorve o óleo né? O quê que é liberado no meio ambiente? É a vermiculita com o óleo?Não, a vermiculita ela pode ser reutilizada. Na verdade pra reutilizar você usa o hexano (…). Você lava, o óleo vai ser mandado pra refinaria… por isso que é mais barato, porque a quantidade que você compra, você reutiliza.Solidariedade: Na verdade, tudo você reutiliza, a água e o detergente, a vermiculita, o óleo vai pra refinaria e pode ser aproveitado. 
40/Pedro (G1)  Exemplificação: Então, a gente não fez teste, mas esse tratamento… tem uma indústria em Campinas que faz esse tratamento com o óleo, eu não lembro qual que é. E é assim, eles pegam os três ácidos, jogam dentro da embalagem, chacoalha, tira o óleo e joga pra tratamento e tal e reaproveita a embalagem. Não é certo que tira 100%, que a embalagem volta ao normal, provavelmente não volta. Não é provado cientificamente que tem 100% de aproveitamento da embalagem, mas pelo o que eu vi assim, chega pelo menos em uns 90%. E quando ao PEAD ele tem uma grande capacidade com negócio de produtos químicos, resistência e tal (…). Depois você não precisa usar o ácido PA, você pode diluir um pouco e tratar. 
Social  96/não visualizada (G1)97/Renato (G2)  Desafio: (…) o sulfato de alumínio ele é proibido nos EUA por ser tóxico. Vai ser bom usar o sulfato de alumínio?Exemplificação: Mas é utilizado pela SABESP. 

Já com relação à estratégia afetiva, a única encontrada foi do tipo solidariedade. Nessa perspectiva, no turno 137, por exemplo, Lucas (G3) complementa a resposta da colega do mesmo grupo para o questionamento colocado por Clara (G2) a respeito dos resíduos liberados pela utilização da vermiculita.

Finalmente, quanto às estratégias sociais, estas se relacionam às ações de exemplificação e desafio. No turno 40, por exemplo, Pedro (G1) tenta mostrar a viabilidade do tratamento indicado por seu grupo por meio da exemplificação de como o mesmo tem sido empregado com êxito na indústria. No turno 96, uma aluna do G1, não visualizada na gravação, lança um desafio ao G2, sobre os riscos relacionados ao emprego do sulfato de alumínio, visto que nos Estados Unidos o seu uso é proibido. O desafio é respondido por Renato (G2), no turno 97, quando exemplifica que a medida é utilizada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP), órgão que tem como objetivo prestar serviços de saneamento, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente.

Os trechos presentes no Quadro 5 corroboram os apontamentos de Duschl e Osborne (2002) do aspecto colaborativo e social da argumentação de forma que a discussão ocorre com vistas à resolução do problema e não em busca de um vencedor. Nesse sentido, tanto as falas de solidarie-dade quanto de desafio, por exemplo, ocorrem para integrar ou buscar novas ideias para alcançar o objetivo do grupo.

Considerações Finais

O trabalho relatado neste manuscrito vem se juntar ao repertório de propostas didáticas voltadas à participação ativa dos estudantes nas aulas de Química (Sá e Queiroz, 2009). Nesse contexto, a sua aplicação, além de favorecer a ocorrência de debates prolongados, na perspectiva colaborativa e social, como indicam Duschl e Osborne (2002), permitiu aos alunos a tomada de decisões a partir, por exemplo, do levantamento de hipóteses, justificação de pontos de vista, apresentação de prós e contras sobre determinadas situações. Ações estas de fundamental importância para o exercício da cidadania e que costumam estar pouco presentes nos ambientes de ensino de Química. Para tanto, argumentos de diferentes natureza foram construídos pelos alunos, com base em evidências de cunho pessoal ou respaldadas por fontes de autoridade.

Por fim, é também importante destacar o potencial da proposta para a aprendizagem de conteúdos tanto científicos como sociocientíficos. De acordo com Simonneaux (2008), o conhecimento pode ser desenvolvido pela ocorrência de trocas verbais em situações de debates, e, portanto, se os alunos estão envolvidos em atividade desse tipo, este envolvimento pode conduzir à construção individual do conhecimento por parte de cada um deles. Segundo o autor, o debate se destina a capacitá-los a desenvolver o conhecimento de forma conjunta. Ou seja, o encaminhamento do debate não depende exclusivamente de conhecimentos adquiridos anteriormente, mas também daqueles que serão construídos no processo.

Referências
[Berland and Reiser, 2011]
Berland L.K., Reiser B..
Classroom communities’ adaptations of the practice of scientific argumentation.
Science Education, 95 (2011), pp. 191-216
[Dembo, 1994]
Dembo M.H..
Applying educational psychology, Longman, (1994),
[Duschl and Osborne, 2002]
Duschl R.A., Osborne J..
Supporting and promoting argumentation discourse in science education.
Studies in Science Education, 38 (2002), pp. 39-72
[Erduran and Jiménez-Aleixandre, 2008]
Erduran S., Jiménez-Aleixandre M.P..
Argumentation in science education. Perspectives from classroom-based research, Springer, (2008),
[Herreid, 1998]
Herreid C.F..
What makes a good case?.
Journal of College Science Teaching, 27 (1998), pp. 163-165
[Kim and Song, 2005]
Kim H., Song J..
The features of peer argumentation in middle school students’scientific inquiry.
Research in Science Education, 36 (2005), pp. 211-233
[Kuhn, 2010]
Kuhn D..
Teaching and learning science as argument.
Science Education, 94 (2010), pp. 810-824
[Martins, 2009]
Martins I..
Argumentación en textos de una revista de educación de professores: un ejercicio de análisis basado en conceptos bakhtinianos de gênero y lenguaje social.
Educación Química, 20 (2009), pp. 126-136
[Paiva, 1998]
Paiva V.L.M.O..
Estratégias individuais de aprendizagem de língua inglesa.
Letras e Letras, 14 (1998), pp. 73-88
[Patronis et al., 1999]
Patronis T., Potari D., Spiliotopoulou V..
Students’ argumentation in decision-making on a socio-scientific issue: implications for teaching.
International Journal of Science Education, 21 (1999), pp. 745-754
[Queiroz and Sá, 2009]
Queiroz S.L., Sá L.P..
O espaço para argumentação no ensino superior de química.
Educación Química, 20 (2009), pp. 104-110
[Sá et al., 2007]
Sá L.P., Francisco C.A., Queiroz S.L..
Estudos de caso em química.
Química Nova, 30 (2007), pp. 731-739
[Sá and Queiroz, 2009]
Sá L.P., Queiroz S.L..
Estudo de casos no ensino de química, Átomo, (2009),
[Simonneaux, 2008]
Simonneaux L..
Argumentation in socio-scientific contexts.
Argumentation in science education. Perspectives from classroom-based research, pp. 179-199
[Toulmin, 2001]
Toulmin S..
Os usos do argumento.
Tradução de Reinaldo Guarany, Martins Fontes, (2001),

Revista de divulgação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Os artigos estão disponíveis em: http://revistapesquisa.fapesp.br/

Copyright © 2013. Universidad Nacional Autónoma de México
Opciones de artículo
Herramientas