Buscar en
Revista Paulista de Pediatria
Toda la web
Inicio Revista Paulista de Pediatria Diagnóstico da faringoamigdalite estreptocócica em crianças e adolescentes: l...
Información de la revista
Vol. 32. Núm. 4.
Páginas 285-291 (Diciembre 2014)
Compartir
Compartir
Descargar PDF
Más opciones de artículo
Visitas
948
Vol. 32. Núm. 4.
Páginas 285-291 (Diciembre 2014)
ARTIGO ORIGINAL
Open Access
Diagnóstico da faringoamigdalite estreptocócica em crianças e adolescentes: limitações do quadro clínico1
Diagnosis of streptococcal pharyngotonsillitis in children and adolescents: clinical picture limitations
Visitas
948
Aurelino Rocha Barbosa Júniora, Cláudia Di Lorenzo Oliveiraa, Maria Jussara Fernandes Fontesb, Laura Maria de Lima Bezário Facury Lasmarb, Paulo Augusto Moreira Camargosa,
Autor para correspondencia
paulo.camargos@pq.cnpq.br

Autor para correspondência.
a Universidade Federal de São João del‐Rei (UFSJ), Divinópolis, MG, Brasil
b Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
Este artículo ha recibido

Under a Creative Commons license
Información del artículo
Resumen
Texto completo
Bibliografía
Descargar PDF
Estadísticas
Tablas (3)
Tabela 1. Acurácia do quadro clínico para o diagnóstico de FAA estreptocócica
Tabela 2. Resultado da análise de regressão logística multivariada com modelo gradual
Tabela 3. Pontuação e performance do escore clínico composto por ausência de coriza, hiperemia de orofaringe e exsudato de orofaringe para diagnóstico clínico de faringoamigdalite estreptocócica
Mostrar másMostrar menos
Resumo
Objetivo

Avaliar a utilidade do quadro clínico para o diagnóstico da faringoamigdalite estreptocócica na faixa pediátrica.

Métodos

335 indivíduos de 1 a 18 anos com quadro clínico de faringoamigdalite foram submetidos a anamnese, exame clínico, cultura e teste de aglutinação de partículas do látex (TAPL) para o estreptoco β‐hemolítico do grupo A (EBHGA) em swab orofaríngeo. Os sinais e sintomas foram comparados ao resultado da cultura e do TAPL e, em seguida, também o foi o agrupamento de sinais e sintomas definido por regressão logística multivariada, utilizado para gerar um escore clínico. Para o diagnóstico definitivo de faringoamigdalite estreptocócica, o padrão de referência foi a cultura e o TAPL, em paralelo.

Resultados

78 indivíduos (23,4%) apresentaram resultados positivos para EBHGA em pelo menos um dos testes. Ausência de coriza (OR=1,80; p=0,04); ausência de conjuntivite (OR=2,44; p=0,029); hiperemia de orofaringe (OR=3,99; p=0,006); exsudato de orofaringe (OR=2,02; p=0,011) e hipertrofia de amígdalas (OR=2,60; p=0,007) apresentaram associação significante com a faringoamigdalite estreptocócica. A pontuação máxima no escore clínico, no qual figuram três características (ausência de coriza, exsudato de orofaringe e hiperemia de orofaringe) correspondeu a uma sensibilidade de 45,6%, uma especificidade de 74,5% e uma likelihood ratio de 1,79 para a presença de faringoamig‐dalite estreptocócica.

Conclusão

O quadro clínico não deve ser usado isoladamente para confirmar o episódio de faringoamigdalite estreptocócica por apresentar um baixo desempenho diagnóstico. É necessário aumentar a disponibilidade de testes laboratoriais, em especial o TALP, que permite o diagnóstico rápido e acurado deste episódio.

Palavras‐chave:
Faringite
Diagnóstico
Streptococcus
Criança
Adolescente
Abstract
Objective

To assess the utility of clinical features for diagnosis of streptococcal pharyngotonsillitis in pediatrics.

Methods

A total of 335 children aged 1‐18 years old and presenting clinical manifestations of acute pharyngotonsillitis (APT) were subjected to clinical interviews, physical examinations, and throat swab specimen collection to perform cultures and latex particle agglutination tests (LPATs) for group A streptococcus (GAS) detection. Signs and symptoms of patients were compared to their throat cultures and LPATs results. A clinical score was designed based on the multivariate logistic regression analysis and also was compared to throat cultures and LPATs results. Positive throat cultures and/or LPATs results were used as a reference standard to establish definitive streptococcal APT diagnosis.

Results

78 children (23.4%) showed positivity for GAS in at least one of the two diagnostic tests. Coryza absence (odds ratio [OR]=1.80; p=0.040), conjunctivitis absence (OR=2.47; p=0.029), pharyngeal erythema (OR=3.99; p=0.006), pharyngeal exudate (OR=2.02; p=0.011), and tonsillar swelling (OR=2.60; p=0.007) were significantly associated with streptococcal pharyngotonsilitis. The highest clinical score, characterized by coryza absense, pharyngeal exudate, and pharyngeal erythema had a 45.6% sensitivity, a 74.5% especificity, and a likelihood ratio of 1.79 for streptococcal pharyngotonsilitis.

Conclusions

Clinical presentation should not be used to confirm streptococcal pharyngotonsilitis, because its performance as a diagnostic test is low. Thus, it is necessary to enhance laboratory test availability, especially of LPATs that allow an acurate and fast diagnosis of streptococcal pharyngotonsilitis.

Keywords:
Pharyngitis
Diagnosis
Streptococcus
Children
Adolescent
Texto completo
Introdução

A faringoamigdalite aguda (FAA) é um problema de saúde frequente em todo o mundo, especialmente entre as crianças, estando na maioria das vezes relacionada a infecções virais benignas e auto limitadas. Contudo, um número não desprezível dessas infecções é de etiologia bacteriana e, neste caso, o estreptococo β‐hemolítico do grupo A (EBHGA) é o seu principal agente causal, podendo levar a complicações graves e de grande impacto individual e coletivo, social e econômico, das quais a principal é a febre reumática (FR).1

A febre reumática é uma complicação não supurativa das FAA causadas por EBHGA e se caracteriza pelo surgimento de alterações inflamatórias nas articulações, pele, coração e sistema nervoso central, em combinações e de gravidade variáveis. Dessas, a cardite reumática (CR) é a manifestação mais temida da doença, uma vez que é a única que pode deixar sequelas, muitas vezes graves, e conduzir ao óbito.2

Em vista das suas possíveis complicações, torna‐se fundamental o correto diagnóstico e manejo das FAA estreptocócicas, uma vez que o seu tratamento a tempo (até 9 dias do início dos sintomas) é efetivo em prevenir estas complicações, supurativas e não supurativas.3 O diagnóstico é um desafio, uma vez que os estudos demonstram larga sobreposição entre os quadros clínicos de FAA virais e estreptocócicas, não havendo uma característica clínica que, individualmente, possa confirmar ou descartar o diagnóstico de FAA estreptocócica.4

Entretanto, não existe uniformidade entre os consensos para o diagnóstico e manejo das FAA5 e alguns autores vêm desenvolvendo escores para classificar o risco de FAA estreptocócica, com resultados variáveis.6‐9 Além disso, nem sempre os exames laboratoriais diagnósticos, quais sejam, cultura ou teste rápido de identificação de antígenos (TRIA), estão prontamente disponíveis ou não fazem parte da realidade dos profissionais que lidam diretamente com os pacientes que apresentam FAA.10

Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde ocorrem, anualmente, cerca 600 milhões de novos casos de FAA por EBHGA sintomática entre crianças no mundo todo. Desses, cerca de 500 mil podem evoluir com FR e cerca de 300 mil com CR. A maior parte desses casos acontece em países menos desenvolvidos, sendo a prevalência de FR nesses países, incluindo a América Latina, três vezes maior que nos países mais desenvolvidos.1

No Brasil, as Sociedades Brasileiras de Cardiologia, Pediatria e Reumatologia estimam que, anualmente, ocorram cerca de 10 milhões de FAA estreptocócicas, que seriam responsáveis por 30 mil novos casos de FR, dos quais aproximadamente 15 mil evoluiriam com acometimento cardíaco. Somente em 2007 foram gastos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) cerca de 170 milhões de reais em internações decorrentes de FR ou CR, sendo que, das cirurgias cardíacas realizadas nesse ano, 31% ocorreram em pacientes com seqüelas de FR.2

O objetivo deste trabalho é avaliar a utilidade do quadro clínico para o diagnóstico da FAA estreptocócica e definir um agrupamento de sinais e sintomas que maximize o seu poder diagnóstico.

Método

O presente estudo foi conduzido com pacientes com 18 anos ou menos, que se apresentaram com queixa de dor de garganta e/ou eritema de faringe e/ou amígdalas à admissão, em um serviço de emergência e em um ambulatório de pediatria, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil e foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ) sob parecer número 05705112.6.0000.5545. Pacientes que haviam utilizado penicilina benzatina nos últimos 30 dias ou qualquer outro agente antimicrobiano nos últimos 15 dias foram excluídos do estudo.

Sinais e sintomas associados com o trato respiratório superior e FAA foram pesquisados e registrados em um formulário padronizado. Além disso, também foram pesquisados sinais e sintomas que não foram frequentemente analisados por estudos similares, como os seguintes: gengivite, lacrimejamento, hiperemia de pilares amigdalianos, espirros e prostração durante e entre os picos febris (>38,5°).

Depois de obter consentimento dos responsáveis, foi realizado o exame físico, sendo o teste de aglutinação de partículas do látex (TAPL) e cultura de orofaringe obtidos de forma independente e cega. Dois swabbs foram obtidos de cada paciente, um para o TAPL (PathoDx®, DPC, Los Angeles, USA) e o outro para a cultura convencional em placa de agár‐sangue de carneiro a 5%.

Distintamente de quase todos os estudos publicados neste assunto, o protocolo incluiu não apenas a cultura de orofaringe como padrão ouro, mas um padrão de referência melhor e mais robusto, qual seja, a combinação em paralelo dos resultados da cultura de orofaringe e do TAPL. O diagnóstico de certeza de FAA estreptocócica foi dado quando a cultura ou o TAPL foram positivos; de forma oposta, um resultado negativo para os ambos, cultura e TAPL, descartou o diagnóstico de FAA estreptocócica, aumentando, assim, a sensibilidade do padrão.

Foram calculadas a sensibilidade e a especificidade para cada sinal e sintoma com seus respectivos intervalos de confiança a 95% (IC95%). A razão de verossimilhança positiva (likelihood ratio +), a razão de chances (odds ratio) e o p‐valor para cada sinal e sintoma foram também calculados. O teste do qui‐quadrado foi utilizado para determinar a significância estatística.

Sinais e sintomas que haviam mostrando p‐valores <0,20 foram submetidos à análise multivariada por meio de modelo de regressão logística para desenvolver um escore de predição clínica. A sensibilidade, especificidade e likelihood ratio + para cada pontuação nesse escore foram, então, calculadas.

Resultados

Um total de 335 pacientes foi considerado elegível, dos quais 56 (16,72%) tiveram resultado positivo para cultura de EBHGA, 71 (21,2%) para o TAPL e 78 (23,4%) para TAPL e/ou cultura. A concordância entre os testes foi de 91,3% com kappa de 0,72. A sensibilidade, a especificidade, a likelihood ratio + (LR+), bem como a razão de chances (OR) e os p‐valores foram calculados para cada característica clínica verificada na entrevista e exame clínicos e estão apresentadas na tabela 1.

Tabela 1.

Acurácia do quadro clínico para o diagnóstico de FAA estreptocócica

Característica clínica  Sensibilidade (%)  Especificidade (%)  Likelihood ratio +  Odds ratio  p-valor 
Dor de garganta  79,20 (68,88-86,79)  19,90 (15,49-25,24)  0,99 (0,97-1,00)  0,95 (0,51-1,78)  0,869 
Temperatura axilar  16,42 (9,42-27,06)  82,3 (76,55-86,87)  0,93 (0,35-2,42)  0,91 (0,44-1,91)  0,809 
Febre referida  93,59 (85,86-97,23)  14,57 (10,76-19,43)  1,09 (1,08-1,11)  2,49 (0,94-6,57)  0,058 
Cefaleia  61,54 (50,44-71,55)  35,57 (29,93-41,65)  0,95 (0,92-0,99)  0,88 (0,52-1,49)  0,643 
Ausência de tosse  46,15 (35,53-57,14)  59,77 (53,66-65,59)  1,15 (1,06-1,25)  1,27 (0,76-2,12)  0,353 
Ausência de coriza  74,36 (63,69-82,74)  38,34 (32,57-44,46)  1,21 (1,18-1,24)  1,80 (1,02-3,18)  0,040 
Ausência de conjuntivite  91,03 (82,62-95,58)  19,61 (15,20-24,92)  1,13 (1,12-1,15)  2,47 (1,07-5,71)  0,029 
Prostração  71,79 (60,97-80,57)  29,02 (23,79-34,87)  1,01 (0,97-1,04)  1,04 (0,59-1,83)  0,889 
Hiporexia  76,92 (66,44-84,87)  31,87 (26,42-37,87)  1,12 (1,10-1,15)  1,56 (0,86-2,81)  0,138 
Vômito  39,74 (29,61-50,84)  62,89 (56,82-68,58)  1,07 (0,95-1,20)  1,12 (0,66-1,88)  0,674 
Dor abdominal  37,18 (27,29-48,27)  62,20 (56,10-67,94)  0,98 (0,86-1,25)  0,97 (0,86-1,13)  0,922 
Ausência de lacrimejamento  82,05 (72,10-89,00)  22,13 (17,46-27,65)  1,05 (1,03-1,07)  1,29 (0,68-2,49)  0,429 
Exantema  8,97 (4,42-17,38)  94,40 (90,82-96,64)  1,50 (0,07-29,29)  1,66 (0,65-4,28)  0,288 
Ausência de espirros  66,67 (55,64-76,13)  36,86 (31,18-42,94)  1,05 (1,02-1,09)  1,17 (0,68-1,99)  0,570 
Gengivite  3,89 (1,33-10,84)  92,28 (91,92-97,28)  0,82 (0,00-97,00)  0,82 (0,22-2,98)  0,760 
Hiperemia de orofaringe  94,74 (87,23-97,93)  18,15 (13,85-23,42)  1,16 (1,14-1,17)  3,99 (1,39-11,49)  0,006 
Exsudato de orofaringe  60,00 (48,29-70,67)  57,40 (50,84-63,71)  1,40 (1,34-1,48)  2,02 (1,17-3,49)  0,011 
Hiperemia de palato  62,82 (51,73-72,71)  43,03 (37,05-49,21)  1,10 (1,06-1,14)  1,28 (0,76-2,15)  0,360 
Petéquias no palato  21,79 (14,08-32,16)  83,33 (78,24-87,43)  1,31 (0,82-2,07)  1,39 (0,74-2,62)  0,302 
Hiperemia de amígdalas  96,15 (89,29-98,68)  10,76 (7,49-15,20)  1,08 (1,07-1,09)  3,01 (0,98-10,22)  0,064 
Hipertrofia de amígdalas  87,18 (77,98-92,88)  27,67 (22,52-33,48)  1,20 (1,19-1,22)  2,60 (1,27-5,34)  0,007 
Hiperemia de pilares amigdalianos  87,18 (77,98-92,88)  13,04 (9,44-17,75)  1,00 (0,99-1,02)  1,02 (0,48-2,18)  0,959 
Estado geral comprometido nos picos febris  80,30 (69,16-88,11)  18,00 (13,29-23,91)  0,97 (0,96-1,00)  0,89 (0,44-1,81)  0,758 
Estado geral comprometido entre os picos febris  34,67 (24,88-45,95)  67,86 (61,48-73,63)  1,08 (0,91-1,28)  1,12 (0,65-1,95)  0,687 
Linfadenopatia cervical  35,14 (25,24-46,50)  63,52 (57,32-69,31)  0,96 (0,82-1,13)  0,94 (0,55-1,63)  0,834 

Intervalo de confiança 95%

Observa‐se que a característica clínica que apresentou a maior sensibilidade para o diagnóstico de FAA por EBHGA foi a hiperemia de amígdalas (96,2%), seguida pela hiperemia de orofaringe (94,7%), pela febre referida pelo responsável (93,6%) e pela ausência de conjuntivite (91,0%). Contudo, todas essas características apresentaram baixa especificidade (10,8%; 18,2%; 14,6% e 19,6%, respectivamente). A característica clínica que apresentou a maior especificidade foi a presença de exantema (94,4%), seguida de gengivite (92,3%), petéquias no palato (83,3%) e temperatura axilar medida no momento da consulta maior que 38,5°C (82,3%), entretanto todos com baixa sensibilidade (8,9%; 3,9%; 21,8% e 16,4%, respectivamente).

As características estatisticamente associadas com a FAA por EBHGA (p<0,05) foram ausência de coriza (OR=1,80; p=0,040); ausência de conjuntivite (OR=2,47; p=0,029); hiperemia de orofaringe (OR=3,99; p=0,006); exsudato de orofaringe (OR=2,02; p=0,011) e hipertrofia de amígdalas (OR=2,60; p=0,007). As características que apresentaram as maiores razões de verossimilhança foram exantema (1,50); exsudato de orofaringe (1,40) e petéquias no palato (1,31). Contudo, tanto exantema quanto petéquias no palato apresentaram amplos intervalos de confiança.

As características que entraram na análise de regressão logística foram: febre referida, ausência de coriza, ausência de conjuntivite, hiporexia, hiperemia de orofaringe, exsudato de orofaringe, hiperemia de amígdalas e hipertrofia de amígdalas. A análise foi feita usando o comando de análise gradual (stepwise). As seguintes características foram mantidas no modelo pelo programa: ausência de coriza; hiperemia de orofaringe e exsudato de orofaringe (tabela 2). Os resultados da combinação dessas características deram origem a um escore em que cada uma delas corresponde a um ponto, conforme a tabela 3.

Tabela 2.

Resultado da análise de regressão logística multivariada com modelo gradual

Característica clínica  Odds ratio  Odds ratio ajustado  p-valor 
Ausência de coriza  1,80 (1,02-3,18)  1,97 (1,04-3,74)  0,037 
Hiperemia de orofaringe  3,99 (1,39-11,49)  4,35 (1,28-14,74)  0,018 
Exsudato de orofaringe  2,02 (1,17-3,49)  1,63 (0,92-2,88)  0,095 

Intervalo de confiança 95%.

Tabela 3.

Pontuação e performance do escore clínico composto por ausência de coriza, hiperemia de orofaringe e exsudato de orofaringe para diagnóstico clínico de faringoamigdalite estreptocócica

Escore (pontos)  Sensibilidade (%)  Especificidade (%)  Likelihood ratio 
0 (12)  100 
1 (71)  100 (94,65-100,00)  5,56 (3,21-9,46)  1,06 (1,05-1,07) 
2 (115)  85,29 (75,00-91,81)  33,80 (27,82-40,34)  1,29 (1,26-1,31) 
3 (86)  45,59 (34,3-57,34)  74,54 (68,33-79,88)  1,79 (1,60-2,00) 

Intervalo de confiança 95%.

Observa‐se, como é de se esperar, que, quanto maior a pontuação no escore, maior é a especificidade e menor a sensibilidade do quadro clínico. Assim, um escore de 3 pontos, ou seja, a presença das três características (ausência de coriza, exsudato de orofaringe e hiperemia de orofaringe) corresponde a uma sensibilidade de 45,6%, uma especificidade de 74,5% e uma LR+ de 1,79. Essa LR+ é maior do que em qualquer uma das características clínicas isoladamente, correspondendo ao melhor desempenho do quadro clínico em nossos resultados.

Discussão

Em nosso estudo, a prevalência de EBHGA entre as crianças e adolescentes com FAA foi de 23%, menor do que a estimada pelo trabalho de Shaikh, Leonard e Martin.11 Nessa metanálise, a prevalência da reunião dos 14 trabalhos analisados foi de 37%. Contudo, os autores destacam que há grande heterogeneidade entre esses trabalhos e a sua prevalência variou de 17 a 58%.

Diversos estudos já foram publicados no sentido de elucidar a acurácia do quadro clínico para o diagnóstico etiológico das FAA em crianças com resultados variáveis.7,8,12‐15 Rimoin et al16 demonstraram a existência de importante variação na apresentação clínica da FAA em quatro diferentes países, sugerindo ser incorreto extrapolar as conclusões sobre a acurácia do quadro clínico de uma região para outra. Dessa maneir,a destaca‐se a importância do presente trabalho, realizado em um país onde a FR e as suas complicações são um grande problema de saúde pública.

As características clínicas estatisticamente associadas com a presença do EBHGA variam entre os estudos7,8,12‐15: petéquias no palato; adenopatia cervical anterior; exsudato de orofaringe; odinofagia; hipertrofia de amígdalas; rush escarlatiniforme, febre >38°C; dores musculares; mau hálito; úlceras orais; sintomas gastrintestinais; contato com pacientes com FAA por EBHGA; idade entre 5 e 12 anos e eritema de orofaringe aparecem isolados ou combinados de forma variada nos diversos trabalhos. Coriza, tosse e conjuntivite geralmente aparecem como fatores associados à infecção viral (p<0,05). Contudo, nenhuma dessas características é exclusiva da FAA estreptocócica ou viral. Além disso, nenhuma delas apresenta, ao mesmo tempo, alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico da FAA estreptocócica.

Os resultados mostrados em nosso trabalho corroboram essas informações, havendo características com alta sensibilidade, mas baixa especificidade (hiperemia de amígdalas, hiperemia de orofaringe, febre referida e ausência de conjuntivite) e, inversamente, características com alta especificidade, mas baixa sensibilidade (presença de exantema, gengivite, petéquias no palato e temperatura axilar maior que 38,5°C). A característica com maior equilíbrio entre sensibilidade e especificidade foi o exsudato de orofaringe, com 60% e 57,4%, respectivamente.

Além disso, as características estatisticamente associadas com a presença de EBHGA neste trabalho, quais sejam, ausência de coriza, ausência de conjuntivite, hiperemia de orofaringe, exsudato de orofaringe e hipertrofia de amígdalas, foram diferentes daquelas obtidas em outros estudos realizados no Brasil.8,15,16 Isso reforça ainda mais o achado da variabilidade das manifestações da FAA estreptocócica, mesmo dentro de um mesmo país.

Nenhuma das características analisadas na presente pesquisa apresentou uma likelihood ratio elevada. As características com maiores likelihood ratio foram: exantema (LR 1,50; IC95% 0,07‐29,29); exsudato de orofaringe (LR 1,40; IC95% 1,34‐1,48) e petéquias no palato (LR 1,31; IC95% 0,82‐2,07). Nota‐se, entretanto, que tanto exantema quanto petéquias no palato mostram amplos intervalos de confiança e passam pelo um, o que torna tais resultados imprecisos e pouco significativos. De qualquer modo, qualquer desses valores altera em muito pouco a probabilida‐de pré‐teste da FAA estreptocócica. Se considerarmos uma prevalência média de 30% de EBHGA como causa das FAA17, uma likelihood ratio positiva de 1,4, como observado para “exsudato de orofaringe”, elevaria a probabilidade pósteste para apenas cerca de 35%.

Para tentar aumentar a utilidade diagnóstica do quadro clínico, alguns autores têm proposto o uso de escores de predição clínica. Dessa maneira, McIsaac et al6 obtiveram um escore com sensibilidade e especificidade de 66,1% e 85,4%, respectivamente. Contudo, a amostra destes autores é, em sua maior parte, de pacientes adultos, embora seu escore seja corrigido para a idade.

Smeesters et al8 e Joachim, Campos e Smeesters9 desenvolveram seus escores direcionados para diagnosticar os casos de FAA não estreptocócica. Eles obtiveram escores com sensibilidade e especificidade para esse fim de 41% e 84% e 35% e 88%, respectivamente. De qualquer maneira, o que se procura com esses escores é oferecer uma alternativa aos testes microbiológicos para o correto manejo das FAA, isto é, oferecer antibióticos adequados quando eles são necessários e evitar o seu uso quando desnecessários, especialmente devido à atual preocupação com o desenvolvimento de resistência bacteriana.18

Em nosso estudo, obtivemos sensibilidade de 45,6% (IC95% 34,3‐57,3%) e especificidade de 74,5% (IC95% 68,3‐79,9%) quando combinaram‐se os três sintomas associados com FAA por EBHGA após a análise de regressão logística multivariada. Isso corresponde também a uma likelihood ratio de 1,79 (IC95% 1,60‐2,00). Como o escore é pouco sensível, ele não permite excluir o diagnóstico de FAA estreptocócica apenas por esse critério. E, apesar da especificidade moderada, o escore de 3 pontos tem uma likelihood ratio considerada baixa. Mais uma vez, com o exemplo de uma prevalência de FAA estreptocócica de 30% (probabilidade pré‐teste), obter‐se‐ia uma probabilidade pós‐teste de cerca de 40%, que não é suficiente para confirmar o diagnóstico.

Tendo em vista os importantes impactos da FAA, especialmente a FR e CR, de modo particular nos países menos desenvolvidos, é preciso pensar e definir qual seria a melhor estratégia para o diagnóstico e manejo das FAA, levando em consideração os riscos individuais e coletivos, a disponibilidade dos testes laboratoriais para o diagnóstico, as limitações desses testes e os custos de cada estratégia, sem perder de vista as possíveis complicações de cada uma delas.

Nesse sentido, alguns autores fizeram esforços para definir qual estratégia seria a mais adequada para o manejo das FAA.19‐22 Giraldez‐Garcia et al,19 por exemplo, analisaram o custo, a efetividade e a relação custo/efetividade de seis diferentes estratégias para o manejo das FAA na Espanha e concluíram que a melhor estratégia para esse país, em termos de custo e custo/efetividade, seria o uso de escore clínico, seguido de teste rápido para os pacientes com escore elevado, para a confirmação diagnóstica. Ao aplicar essa estratégia à população do presente estudo, seriam testados 30% dos pacientes, o antibiótico de forma inadequada não seria usado em nenhum dos casos negativos para EBHGA, mas 57% dos casos positivos deixariam de ser tratados corretamente, uma porcentagem inaceitável. De qualquer forma, essa extrapolação é apenas um exercício teórico, visto que as informações usadas por esses investigadores podem não se aplicar ao Brasil, no contexto das considerações acima colocadas sobre a variabilidade da FAA entre as diferentes regiões. Além do mais, o critério clínico usado pelos autores espanhóis difere do encontrado neste trabalho.

Na revisão da literatura, encontrou‐se apenas um trabalho que, como o aqui apresentado, tenha usado como padrão de referência a combinação de cultura e de um teste rápido de detecção de antígenos.9 Contudo, nesse trabalho, as crianças submetidas à cultura não o foram ao TRIA e vice versa, porque o estudo foi desenvolvido em duas etapas e, em cada uma delas, um dos testes foi usado. No presente estudo, todos os pacientes foram submetidas aos dois testes. Tendo em vista que, na prática, o resultado positivo tanto da cultura quanto do TRIA devem ser encarados como positivos, consideramos que a metodologia aplicada nesse estudo se aproxima mais da realidade. Além disso, o uso de dois testes altamente específicos diminui a possibilidade de resultados falso‐negativos, ao aumentar a sensibilidade do padrão.

A presente investigação tem algumas limitações. Em primeiro lugar, dada a inabilidade dos padrões de referência, seja o TAPL, a cultura ou a combinação de ambos, para diferenciar o estado de portador do EBHGA do doente, pode‐se ter subestimado a verdadeira acurácia do quadro clínico para o diagnóstico da FAA. Alguns estudos estimam uma prevalência de cerca de 10% de portadores sãos do EBHGA,11,23 contudo não existem métodos precisos e práticos para diferenciar portadores sintomáticos (adoecidos por outro microorganismo que não o EBHGA) dos doentes. Além disso, como o estudo foi transversal, não foi possível avaliar o impacto que avaliações subsequentes poderiam ter na acurácia do quadro clínico. Isso seria importante, já que uma conduta frequente nos casos FAA é aguardar a evolução dentro de 24 a 48 horas para reavaliação das crianças e definição da conduta terapêutica. Não encontramos nenhum trabalho na literatura que tenha assim procedido. Destarte, seria importante, em vista das informações já disponíveis e da contribuição deste trabalho, avançar com a realização de estudos longitudinais, para avaliar de forma sequencial os pacientes e analisar se tal medida contribuiria para aumentar a acurácia diagnóstica do quadro clínico. Além disso, seria interessante proceder a uma análise de custo/efetividade que se aplicasse melhor à realidade brasileira e de outros países em desenvolvimento e subdesenvolvidos.

Os resultados deste trabalho apontam que o quadro clínico não deve ser usado isoladamente para a confirmação do episódio de FAA estreptocócica. Mesmo quando são combinadas algumas características clínicas, a likelihood ratio positiva resultante não permite aumentar a probabilidade pós‐teste para um valor suficientemente alto para confirmar o diagnóstico de FAA estreptocócica. É necessário aumentar a disponibilidade de testes laboratoriais confirmatórios, em especial o TRIA, que permite o diagnóstico rápido e acurado do episódio de FAA estreptocócica.

Em vista da realidade brasileira, em que há a indisponibilidade e a falta de solicitação dos exames laboratoriais confirmatórios, numa retroalimentação contínua, seria importante que houvesse da parte das sociedades afins, como Sociedade Brasileira de Pediatria, Sociedade Brasileira de Infectologia e Sociedade Brasileira de Cardiologia, bem como do Ministério da Saúde, uma recomendação para o correto diagnóstico e manejo das FAA. Dessa forma, haveria um incentivo, tanto aos profissionais médicos, quanto aos laboratórios, para solicitação e disponibilização dos testes necessários para o diagnóstico correto e manejo das FAA.

Financiamento

Parcialmente financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Belo Horizonte, Brasil (Processo ‐ CDS 873/90).

Conflitos de interesse

Paulo Camargos é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) (Programa Professor Visitante Sênior no Programa de Pós‐Graduação em Ciências da Saúde da UFSJ), do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Processo 303396/2012‐1) e FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, Processo PPM00129‐12). Essas agências de fomento não tiveram influência no desenho do estudo, na coleta, análise, interpretação, no desenvolvimento do artigo ou na decisão de submetê‐lo à publicação.

Referências
[1]
J.R. Carapetis, A.C. Steer, E.K. Mulholland, M. Weber.
The global burden of group A streptococcal diseases.
Lancet Infect Dis, 5 (2005), pp. 685-694
[2]
P.J. Barbosa, R.E. Mülle.
Diretrizes Brasileiras para diagnóstico, tratamento e prevenção da febre reumática.
Arq Bras Cardiol, 93 (2009), pp. 127-147
[3]
K.A. Robertson, J.A. Volmink, B.M. Mayosi.
Antibiotics for the primary prevention of acute rheumatic fever: a meta‐analysis.
BMC Cardiovasc Disord, 5 (2005), pp. 11
[4]
N. Shaikh, N. Swaminathan, E.G. Hooper.
Accuracy and precision of the signs and symptoms of streptococcal pharyngitis in children: a systematic review.
J Pediatr, 160 (2012), pp. 487-493
[5]
E. Chiappini, M. Regoli, F. Bonsignori, S. Sollai, A. Parretti, L. Galli, et al.
Analysis of different recommendations from international guidelines for the management of acute pharyngitis in adults and children.
[6]
W.J. McIsaac, D. White, D. Tannenbaum, D.E. Low.
A clinical score to reduce unnecessary antibiotic use in patients with sore throat.
CMAJ, 158 (1998), pp. 75-83
[7]
M.C. Steinhoff, C.F. Walker, A.W. Rimoin, H.S. Hamza.
A clinical decision rule for management of streptococcal pharyngitis in low‐resource settings.
Acta Paediatr, 94 (2005), pp. 1038-1042
[8]
P.R. Smeesters, D. Campos, L. Van Melderen, E. de Aguiar, J. Vanderpas, A. Vergison.
Pharyngitis in low‐resources settings: a pragmatic clinical approach to reduce unnecessary antibiotic use.
Pediatrics, 118 (2006), pp. 1607-1611
[9]
L. Joachim, D. Campos Jr., P.R. Smeesters.
Pragmatic scoring system for pharyngitis in low‐resource settings.
Pediatrics, 126 (2010), pp. e608-e614
[10]
A.P. Balbani, J.C. Montovani, L.R. Carvalho.
Pharyngotonsillitis in children: view from a sample of pediatricians and otorhinolaryngologists.
Braz J Otorhinolaryngol, 75 (2009), pp. 139-146
[11]
N. Shaikh, E. Leonard, J.M. Martin.
Prevalence of streptococcal pharyngitis and streptococcal carriage in children: a meta‐analysis.
Pediatrics, 126 (2010), pp. e557-e564
[12]
C.T. Shih, C.C. Lin, C.C. Lu.
Evaluation of a streptococcal pharyngitis score in southern Taiwan.
Pediatr Neonatol, 53 (2012), pp. 49-54
[13]
S. Morais, A. Teles, E. Ramalheira, J. Roseta.
Amigdalite estreptocócica: presunção clínica versus diagnóstico.
Acta Med Port, 22 (2009), pp. 773-778
[14]
M. Lindbaek, E.A. Høiby, G. Lermark, I.M. Steinsholt, P. Hjortdahl.
Clinical symptoms and signs in sore throat patients with large colony variant beta‐haemolytic streptococci groups C or G versus group A.
Br J Gen Pract, 55 (2005), pp. 615-619
[15]
A.G. Dos Santos, E.N. Berezin.
Comparative analysis of clinical and laboratory methods for diagnosing streptococcal sore throat.
J Pediatr (Rio J), 81 (2005), pp. 23-28
[16]
A.W. Rimoin, C.L. Walker, R.A. Chitale, H.S. Hamza, A. Vince, D. Gardovska, et al.
Variation in clinical presentation of childhood group A streptococcal pharyngitis in four countries.
J Trop Pediatr, 54 (2008), pp. 308-312
[17]
M.R. Wessels.
Clinical practice.
Streptococcal pharyngitis N Engl J Med, 364 (2011), pp. 648-655
[18]
D.K. Byarugaba.
A view on antimicrobial resistance in developing countries and responsible risk factors.
Int J Antimicrob Agents, 24 (2004), pp. 105-110
[19]
C. Giraldez-Garcia, B. Rubio, J.F. Gallegos-Braun, I. Imaz, J. Gonzalez-Enriquez, A. Sarria-Santamera.
Diagnosis and management of acute pharyngitis in a paediatric population: a cost‐effectiveness analysis.
Eur J Pediatr, 170 (2011), pp. 1059-1067
[20]
M.E. Pichichero.
Group A streptococcal tonsillopharyngitis: cost‐effective diagnosis and treatment.
Ann Emerg Med, 25 (1995), pp. 390-403
[21]
J. Tsevat, U.R. Kotagal.
Management of sore throats in children: a cost‐effectiveness analysis.
Arch Pediatr Adolesc Med, 153 (1999), pp. 681-688
[22]
R.S. Van Howe, L.P. Kusnier.
2nd. Diagnosis and management of pharyngitis in a pediatric population based on cost‐effectiveness and projected health outcomes.
Pediatrics, 117 (2006), pp. 609-619
[23]
A. Abdissa, D. Asrat, G. Kronvall, B. Shitu, D. Achiko, M. Zeidan, et al.
Throat carriage rate and antimicrobial susceptibility pattern of group A Streptococci (GAS) in healthy Ethiopian school children.
Ethiop Med J, 49 (2011), pp. 125-130

Estudo conduzido na Universidade Federal de São João del‐Rei, São João del‐Rei, MG, Brasil.

Copyright © 2014. Associação de Pediatria de São Paulo
Opciones de artículo
Herramientas