Buscar en
Revista Paulista de Pediatria
Toda la web
Inicio Revista Paulista de Pediatria Sono em adolescentes de diferentes níveis socioeconômicos: revisão sistemáti...
Información de la revista
Vol. 33. Núm. 4.
Páginas 467-473 (Diciembre 2015)
Visitas
1517
Vol. 33. Núm. 4.
Páginas 467-473 (Diciembre 2015)
Artigo de revisão
Open Access
Sono em adolescentes de diferentes níveis socioeconômicos: revisão sistemática
Sleep in adolescents of different socioeconomic status: a systematic review
Visitas
1517
Érico Pereira Gomes Felden
Autor para correspondencia
ericofelden@gmail.com

Autor para correspondência.
, Carina Raffs Leite, Cleber Fernando Rebelatto, Rubian Diego Andrade, Thais Silva Beltrame
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, SC, Brasil
Este artículo ha recibido

Under a Creative Commons license
Información del artículo
Resumen
Texto completo
Bibliografía
Descargar PDF
Estadísticas
Figuras (1)
Tablas (2)
Tabela 1. Síntese dos estudos selecionados publicados entre 2000 e 2009
Tabela 2. Síntese dos estudos selecionados publicados de 2010 em diante
Mostrar másMostrar menos
Resumo
Objetivo

Analisar as características do sono em adolescentes de diferentes níveis socioeconômicos.

Fontes de dados

Foram analisados estudos encontrados nas bases de dados Medline/PubMed e SciELO que apresentassem resultados originais, sem restrições de idioma e de período, com associações entre variáveis de sono e indicadores socioeconômicos. A busca inicial teve como resultado 99 estudos. Diante dos critérios de inclusão, exclusão e após a leitura dos textos completos, 12 artigos apresentaram em seus desfechos associações entre as variáveis de sono (distúrbios, duração e qualidade) com os parâmetros socioeconômicos (etnia, renda e classe social).

Síntese dos dados

Os estudos que relacionam o sono com variáveis socioeconômicas são recentes e datados a partir de 2000. Metade das pesquisas selecionadas foi feita com jovens americanos e apenas uma com adolescentes brasileiros. Com relação às diferenças étnicas, os estudos não apresentam conclusões uniformes. As principais associações foram com a renda familiar e nível de escolaridade dos pais e evidenciaou‐se uma tendência a jovens pobres e com status social mais baixo manifestarem baixa duração e má qualidade do sono.

Conclusões

Constatou‐se associação entre os indicadores socioeconômicos e o sono dos adolescentes. O baixo status socioeconômico refletiu‐se numa pior percepção subjetiva da qualidade do sono, menor duração e maior sonolência diurna. Considerando a importância do sono para o desenvolvimento físico, cognitivo e na aprendizagem dos jovens, o número de pesquisas ainda é escasso. Sugerem‐se mais investigações sobre o sono em diferentes realidades da população brasileira.

Palavras‐chave:
Sono
Adolescentes
Nível socioeconômico
Abstract
Objective

To analyze the sleep characteristics in adolescents from different socioeconomic levels.

Data source

Original studies found in the Medline/PubMed and SciELO databases without language and period restrictions that analyzed associations between sleep variables and socioeconomic indicators. The initial search resulted in 99 articles. After reading the titles and abstracts and following inclusion and exclusion criteria, 12 articles with outcomes that included associations between sleep variables (disorders, duration, quality) and socioeconomic status (ethnicity, family income, and social status) were analyzed.

Data synthesis

The studies associating sleep with socioeconomic variables are recent, published mainly after the year 2000. Half of the selected studies were performed with young Americans, and only one with Brazilian adolescents. Regarding ethnic differences, the studies do not have uniform conclusions. The main associations found were between sleep variables and family income or parental educational level, showing a trend among poor, low social status adolescents to manifest low duration, poor quality of sleeping patterns.

Conclusions

The study found an association between socioeconomic indicators and quality of sleep in adolescents. Low socioeconomic status reflects a worse subjective perception of sleep quality, shorter duration, and greater daytime sleepiness. Considering the influence of sleep on physical and cognitive development and on the learning capacity of young individuals, the literature on the subject is scarce. There is a need for further research on sleep in different realities of the Brazilian population.

Keywords:
Sleep
Adolescent
Social class
Texto completo
Introdução

As pessoas passam por grandes mudanças no decorrer das suas vidas, tanto na forma física quanto no comportamento. Na adolescência, em especial, é possível observar importantes mudanças na expressão do ciclo vigília/sono, incluindo um atraso na fase de sono, caracterizado por horários de dormir e acordar mais tardios.1,2 Essa tendência biológica dos adolescentes pode ser acentuada por comportamentos como o uso de computadores, jogos e televisão durante a noite. Além disso, questões ambientais, como os compromissos sociais no início da manhã, aumentam a prevalência de baixa duração do sono nessa população.3

O estudo de Bernardo et al.4 identificou prevalência de 39% de adolescentes com baixa duração do sono em São Paulo. Já Perez‐Chada et al.5 observaram que 49% dos adolescentes argentinos investigados apresentavam baixa duração do sono. Problemas com o sono vêm sendo associados a diversos desfechos em saúde, como problemas de desenvolvimento cognitive,6 distúrbios psíquicos,7 problemas metabólicos e de excesso de peso,8,9 bem como com maior percepção de estresse.10

Além das questões biológicas, o ambiente parece influenciar de forma decisiva a expressão do ciclo vigília/sono. Nesse contexto, a literatura aponta que o nível socioeconômico é uma das variáveis sociais mais relevantes para o entendimento das questões de saúde.11‐13 Já com relação ao sono, pode‐se perceber uma carência de estudos. Essa associação é pouco explorada, especialmente em se tratando de estudos com adolescentes. No entanto, entende‐se que a compreensão das associações e dos nexos causais entre sono e nível socioeconômico seja fundamental para o entendimento do sono do adolescente e para mediar proposta de educação em saúde.

Diante do exposto, considerando‐se a importância dos estudos que investiguem a relação entre o sono e o nível socioeconômico para o planejamento de ações em saúde pública e a escassez de trabalhos que sintetizem a literatura sobre essa temática, o presente estudo teve como objetivo fazer uma revisão sistemática para analisar a relação entre as caraterísticas do sono em adolescentes de diferentes níveis socioeconômicos.

Método

A revisão sistemática de literatura foi feita com as bases de dados SciELO e Medline/PubMed, sem recorte de período ou exclusão de idioma. Foram usados na busca os termos “sono” (sleep) e “nível socioeconomic” (socioeconomic status) em cruzamento com o termo “adolescents” (adolescents). Além disso, a busca foi ampliada pela pesquisa de estudos relevantes nas referências bibliográficas dos artigos encontrados na busca inicial. A primeira busca apresentou 99 estudos, conforme descrito na figura 1.

Figura 1.

Fluxograma de processo de seleção de artigos para a revisão.

(0,16MB).

A partir da busca inicial, os artigos selecionados para análise deveriam preencher os seguintes critérios de inclusão: a) artigos originais com resultados de variáveis de sono (duração e qualidade do sono, eficiência do sono e distúrbios leves de sono como insônia); b) com amostras de adolescentes e c) que apresentassem medidas de associação e/ou diferenças entre as variáveis de sono e indicadores socioeconômicos. Foram excluídos aqueles artigos que tratassem de pesquisas em amostras com patologias específicas, como deficiência mental e cardiopatias.

Considerando os critérios de inclusão e exclusão citados, a partir da leitura dos títulos e resumos, 85 artigos foram excluídos, por não estratificar os adolescentes das amostras de crianças e adultos ou não envolver os adolescentes na população investigada e/ou por fazer análises somente em populações com doenças crônicas não transmissíveis e/ou com distúrbios mais graves de sono. Além desses, a maior causa de exclusão foi o fato de alguns artigos apresentarem as variáveis de sono e de nível socioeconômico como independentes e não mostrarem associações ou diferenças entre elas. Sendo assim, foram selecionados 14 estudos para a leitura integral. Após esse processo, foram feitos leituras, fichamento dos textos completos e discussão em grupo e selecionados nove artigos. Além disso, foram incluídos mais três artigos encontrados nas referências e se chegou a 12 artigos para a análise final. Os fichamentos foram feitos, de forma independente, por quatro pesquisadores e os resultados e as análises discutidos em grupo.

Fez‐se a avaliação da qualidade dos artigos, com o uso da proposta elaborada por Downs e Black14 composta por 27 questões, que estimam a comunicação, a validade externa, a validade interna (viés e confusão) e o poder estatístico. Essa avaliação foi feita por dois autores. Nos casos de dúvidas, um terceiro avaliador foi consultado para decisão final. Para o presente estudo, as questões 8, 13, 14, 15, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 26 foram excluídas, pois os estudos de intervenção não foram incluídos na revisão. Foram, dessa forma, analisadas 15 questões. Segundo a proposta de avaliação de qualidade, as questões receberam pontuação zero (0) ou um (1), exceto a questão 5, que variou de zero (0) a dois (2) pontos. Além disso, a questão 27, que analisa o poder estatístico, poderia variar de zero (0) a cinco (5). Assim, um artigo poderia obter a pontuação máxima de 20 pontos. Tendo em vista o número baixo de artigos selecionados, essa análise teve como objetivo discutir fatores relacionados à qualidade dos artigos e não se constituiu em critério de exclusão.

Resultados

Nas tabelas 1 e 2 são apresentadas as informações gerais sobre os 12 estudos incluídos nesta revisão, de acordo com a data da publicação (2000 a 2009 na tabela 1 e de 2010 adiante na tabela 2). As amostras provêm de diferentes nacionalidades, seis estadunidenses, uma neozelandesa, uma australiana, uma grega, uma norueguesa, uma canadense e uma brasileira. As publicações aconteceram de 2000 a 2013, 11 delas com delineamento transversal e apenas uma longitudinal.

Tabela 1.

Síntese dos estudos selecionados publicados entre 2000 e 2009

Autores  Amostra/nacionalidade  Variáveis de sono  Variáveis socioeconômicas  Resultados  Escore D&B 
Roberts et al. (2000)15  5.423 jovens americanos de 10 a 17 anos  Insônia e hipersonia  Etnia e percepção de status socioeconômico  Os adolescentes de diferentes origens étnicas apresentaram diferenças relacionadas a insônia e hipersonia. A insônia foi mais frequente nos grupos de origem africana e hispânica. Já os adolescentes de origem chinesa apresentaram menos risco de problemas com o sono  13 
Roberts et al. (2004)16  5.118 jovens americanos de 13 a 18 anos  Insônia, duração do sono, qualidade do sono e sono reparador  Etnia e padrão de vida da família  O estudo apresentou diferenças significativas entre as etnias com relação à insônia e qualidade do sono. A insônia foi mais presente nos adolescentes pobres. As associações entre insônia e etnia não foram significativas após ajustes por variáveis de confusão. Aqueles adolescentes classificados como “pobres” apresentaram 4,5 vezes mais probabilidade de relatar a insônia.  12 
Roberts et al. (2006)17  4.175 jovens americanos de 11 a 17 anos e cuidadores adultos  Problemas para adormecer, despertares noturnos, insônia e sono não reparador  Etnia, renda familiar e nível de escolaridade dos cuidadores  Os jovens de baixa renda familiar tiveram maiores riscos de desenvolver distúrbios do sono. Jovens de descendência europeia apresentaram maiores chances de ter dificuldades para dormir, de ter problemas com sono (como acordar no meio da noite) e dificuldade para dormir do que os com descendência africana. Já os jovens de origem hispânica apresentaram menor prevalência de problemas para dormir do que os jovens de descendência europeia.  11 
Smaldone et al. (2007)18  68.418 jovens americanos de 6 a 17 anos  Qualidade do sono  Etnia, escolaridade dos pais, renda e cor da pele  Adolescentes brancos não hispânicos, com maior nível de escolaridade familiar, apresentaram cerca de 30% a mais de chance de ter padrões de sono inadequados. Porém, verificou‐se que os adolescentes com menor renda familiar tinham 50% a menos de chance de apresentar padrões de sono inadequado, tendo como referência os adolescentes com maior renda familiar.  14 
Dollman et al. (2007)6  900 jovens australianos de 10 a 15 anos (390 em 1985 e 510 em 2004)  Duração do sono, horários de dormir e acordar  Índice socioeconômico australiano  Na comparação entre as duas avaliações houve redução mais acentuada na duração do sono nos jovens com nível socioeconômico mais baixo (44min) em relação aqueles com status socioeconômico mais elevado. 
Bernardo et al. (2009)4  863 jovens brasileiros de 10 a 19 anos  Duração do sono e distúrbios de sono  Classes sociais  A duração do sono apresentou tendência de diminuição com o aumento do nível socioeconômico  13 

Escore D&B, Escore de Downs & Black14 que avalia a qualidade dos artigos e varia de 0‐20 pontos.

Tabela 2.

Síntese dos estudos selecionados publicados de 2010 em diante

Autores  Amostra/nacionalidade  Variáveis de sono  Variáveis socioeconômicas  Resultados  Escore D&B 
Siomos et al. (2010)7  2195 jovens gregos de 13 a 18 anos  Latência do sono, despertares noturnos, duração do sono, bem‐estar e sonolência diurna  Escolaridade dos pais e situação financeira familiar  Jovens com percepção de situação financeira familiar mais elevada apresentaram menor probabilidade de sofrerem insônia. Não houve relação significativa entre o nível de escolaridade dos pais e queixas de insônia. 
Moore et al. (2011)19  247 jovens americanos de 13 a 16 anos  Duração do sono  Etnia, renda, nível de escolaridade dos pais e características do bairro  Etnia esteve associada com a duração do sono, indicando que aqueles adolescentes de etnia maioritária tinham 19,91min a mais do que os de minoria. Do mesmo modo, os adolescentes que vivem em bairros menos problemáticos dormiram, em média, mais do que os outros. As correlações mostraram que a duração do sono foi positiva e significativamente correlacionada com a renda dos pais.  15 
Marco et al. (2011)20  155 jovens americanos com média de idade de 12,6 (0,6) anos  Duração do sono e consistência no padrão de sono  Renda, escolaridade dos pais e ambiente familiar e da vizinhança  Jovens com baixo nível socioeconômico apresentaram menor duração do sono e horários mais tardios de dormir. Além disso, jovens com indicadores sociais e de ambiente mais pobres tinham sono menos consistente e com maior irregularidade.  11 
Bøe et al. (2012)21  5.781 jovens noruegueses de 11 a 13 anos  Dificuldade em iniciar ou manter o sono e duração do sono  Escolaridade dos pais e percepção da situação economia familiar  A economia familiar pobre esteve associada com dificuldades do jovem em iniciar e/ou manter o sono. Enquanto que a baixa duração de sono esteve associada apenas a economia familiar percebida como pobre. Maior nível de escolaridade da mãe foi associado com maior duração de sono do adolescente.  13 
Fernando et al. (2013)22  1.388 jovens neozelandeses de 14 a 23 anos  Distúrbios de sono, duração de problemas de sono e uso de medicamentos relacionados com o sono  Etnia e perfil econômico das escolas  Não foram observadas diferenças nas questões de sono avaliadas considerando o perfil econômico das escolas. Além disso, os distúrbios de sono foram semelhantes entre as etnias investigadas.  11 
Jarrin et al. (2013)23  239 jovens canadenses de 8 a 17 anos  Qualidade, distúrbios e duração do sono, sonolência diurna  Renda familiar, escolaridade dos pais e status social  Adolescentes com baixos indicadores sociais apresentaram sono ruim. Apesar disso, as medidas socioeconômicas objetivas tiveram maior poder explicativo na infância, ao passo que o indicador subjetivo ganhou relevância nos adolescentes.  13 

Escore D&B, Escore de Downs & Black14 que avalia a qualidade dos artigos e varia de 0‐20 pontos.

As variáveis do sono mais investigadas foram a duração, a qualidade e os distúrbios. Considerando as variáveis socioeconômicas, foi possível observar inúmeros parâmetros de análise, como a escolaridade dos pais ou cuidadores, renda, etnia e nível ou status socioeconômico.

Dos seis estudos que analisaram adolescentes de diferentes origens étnicas, foram observadas diferenças relacionadas à qualidade do sono e de distúrbios do sono, como insônia ou hipersonia, em três deles. Nos demais estudos, que compararam variáveis de sono de acordo com diferentes etnias, foram observadas prevalências de distúrbios do sono ou de baixa qualidade de sono semelhantes entre os grupos.

Os pesquisadores relataram em cinco estudos revisados que os jovens de baixa renda familiar, ou com indicadores mais evidentes de pobreza, apresentaram maiores chances de desenvolver distúrbios do sono, como a insônia e dificuldades de iniciar e/ou manter o sono.

A duração do sono foi relacionada com a renda dos pais e etnia. Três estudos apontaram para uma redução na duração do sono nos jovens com nível socioeconômico mais baixo em relação aqueles com melhor status socioeconômico. Já no único estudo brasileiro encontrado, a duração do sono apresentou tendência à diminuição com o aumento do nível socioeconômico. Com relação às medidas aplicadas nos estudos, dois artigos usaram o actímetro como medida objetiva para avaliar a duração do sono e os demais estudos usaram medidas subjetivas, como questionários e entrevistas.

As avaliações de qualidade dos estudos selecionados também estão descritas na tabela 1 (Escore D&B). A mediana da pontuação, segundo a proposta de Downs & Black,14 foi de 12,2 (mínimo de nove e máximo de 15 pontos). A média da pontuação dos artigos foi de 12, com um desvio padrão de 1,78 ponto. De maneira geral, as limitações metodológicas dos artigos selecionados foram relativas às descrições dos indivíduos, considerando, por exemplo, a necessidade da apresentação mais detalhada das perdas amostrais. Cabe destacar que, dos 12 artigos, nenhum apresentou informações referentes ao poder estatístico dos testes usados. Além disso, as questões que melhor atenderam aos critérios propostos para análise da qualidade dizem respeito à validade interna (viés), presente em todos os artigos analisados.

Discussão

O nível socioeconômico constitui‐se um constructo teórico que visa a classificar, empiricamente, os indivíduos em classes ou estratos sociais. Embora não haja uma unanimidade em sua definição, tradicionalmente esse se baseia na renda familiar, no nível de escolaridade e na ocupação.24 O estrato social de pessoas e comunidades envolve uma complexa construção de componentes econômicos, sociais, ambientais e comportamentais, que definem e delimitam oportunidades e barreiras para o desenvolvimento e também a maior ou menor probabilidade de se ter determinada situação de saúde. Não obstante, estudos apontam possíveis relações entre aspectos sociais e o sono.4,15,22

Nesse sentido, esta revisão sistemática procurou analisar a relação entre o nível socioeconômico e o sono de adolescentes, já que se trata de uma faixa etária especialmente vulnerável para apresentar problemas de sono. Os artigos selecionados procuraram responder de que forma as variáveis do sono, tais como qualidade do sono, horário para acordar e dormir, duração do sono, sonolência diurna, entre outras, estão associadas a indicadores socioeconômicos dos adolescentes.

De forma geral, há uma relação entre as variáveis do sono e status socioeconômico. Jarrin, McGrath e Quon,23 por exemplo, explicam que famílias com menor nível socioeconômico teriam casas menos organizadas, com mais barulho e menor conhecimento sobre higiene do sono. Com isso, o baixo status social poderia ser um agente estressor e redutor da qualidade do sono. Dentre os estudos encontrados,6,20,21 essa relação aparece como uma tendência entre os adolescentes de amostras estrangeiras. Porém, para Smaldone et al.,18 esse desfecho não foi o mesmo. Nesse estudo, os adolescentes brancos não hispânicos e com maior nível de escolaridade familiar tinham cerca de 30% a mais de chance de ter padrões de sono inadequados, quando comparados com outras etnias (negros não hispânicos, hispânicos e outros). Nos estudos analisados, as relações entre etnias e as variáveis socioeconômicas não entraram em consonância.15‐17,19,22,25 Uma das explicações, segundo Roberts et al.,17 seria que os problemas do sono estariam relacionados à condição social de minoria, e não à origem étnica. Outro ponto a ser destacado, segundo alguns autores,16,17 é o fato de jovens pertencentes ao grupo das minorias poderem expressar de forma negativa o sofrimento psíquico, especialmente entre os imigrantes. Esses são mais suscetíveis a preconceitos étnicos e a estereótipos negativos e, portanto, mais propensos a internalizar a sua condição de minoria, o que pode afetar suas percepções e seus comportamentos.

O estudo de Marco et al.20 foi o único a fazer uma discussão das associações entre sono e nível socioeconômico, considerando os dias com e sem aula. De forma geral, foi verificado que tanto os horários escolares como as condições de moradia e higiene modificam a eficiência e a duração do sono. Os adolescentes de baixa renda apresentam piores condições de sono nos dias com aula e fins de semana. Apesar disso, as condições de moradia e características da vizinhança ganham maior importância nos fins de semana, já que nos dias com aula os horários escolares contribuem para a regulação do sono dos adolescentes.

Além da qualidade, outras variáveis do sono foram relacionadas nos estudos selecionados, com destaque para os distúrbios do sono, tais como: a insônia,15‐17 hipersonia,15 despertares noturnos,7,17,23 síndrome das pernas inquietas, sonambulismo, fala durante o sono, bruxismo, atraso da fase do sono.22 A sonolência diurna excessiva é um possível indicador de maior necessidade de sono e está associada à diminuição do aproveitamento escolar e influência negativamente a aprendizagem, a interação social e a qualidade de vida do adolescente. A adolescência está ligada ao atraso da fase de sono e aos horários escolares matutinos que levam à diminuição da duração do sono.2 Ainda, conforme verificado na presente revisão, a sonolência diurna excessiva está associada tanto com fatores biológicos e comportamentais como com variáveis relacionadas ao ambiente no qual o adolescente está inserido.7,23

A partir da leitura das pesquisas selecionadas verificou‐se que diferentes indicadores são usados para determinar o nível socioeconômico dos adolescentes. Nas pesquisas internacionais, as questões de escolaridade dos pais e renda familiar são usadas com maior frequência. No Brasil, é comum o uso do critério de classificação econômica da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep). Trata‐se de um questionário que leva em consideração, além de questões de escolaridade do chefe da família, a posse de bens de consumo, como eletrodomésticos, eletroeletrônicos e automóveis. A soma do número de itens fornece uma pontuação, que categoriza a família em relação a sua classe econômica.26

Verificou‐se que a principal forma de avaliação do sono foi por meio de questionários, ou seja, de forma subjetiva. Entre essas, destacam‐se questões relativas à duração do sono, obtidas a partir da hora de dormir e acordar relatadas pelos adolescentes. Poucos estudos usaram medidas diretas, como o actímetro, para as análises.19,20 Esse instrumento caracteriza‐se por ser uma medida objetiva, semelhante a um relógio de pulso, que contém um dispositivo que, baseado no movimento do indivíduo, estima a hora de dormir e hora de acordar, por meio de sensores eletrônicos.19 Além disso, com a actimetria é possível obter informações mais precisas sobre os momentos com maior e menor atividade motora durante o dia e a noite, bem como a latência e a eficiência do sono. Em ambos os estudos que usaram a actimetria foi observado que os jovens com nível socioeconômico baixo20 e de minoria étnica19 apresentaram menor duração do sono.

Houve limitação metodológica dos artigos citados nesta revisão ao se considerar o checklist proposto por Downs & Black.14 A descrição do poder estatístico dos testes usados nos estudos não foi apresentada em qualquer dos artigos. Isso indica que essa informação precisa ser mais bem compreendida e descrita pelos pesquisadores.

O único estudo com amostra brasileira listado foi o de Bernardo et al.4 com adolescentes paulistas. Esse estudo identificou tendências contrárias aos estudos com amostras estrangeiras, ou seja, os adolescentes com melhor nível socioeconômico apresentaram piores indicadores de sono. Assim, faz‐se necessário o desenvolvimento de outros estudos com amostras brasileiras para melhor fundamentar as propostas de educação em saúde e sono, considerando a realidade dos países em desenvolvimento.

Considerações finais

A partir das análises dos artigos selecionados para esta revisão sistemática, constatou‐se haver relação significativa entre os indicadores socioeconômicos e o sono dos adolescentes. De forma geral, o baixo status socioeconômico reflete‐se numa pior percepção subjetiva da qualidade de sono, menor duração e maior sonolência diurna.

Com relação aos fatores étnicos, necessita‐se de uma investigação mais direta e de âmbito epidemiológico, para tentar explicar se há alguma relação com as variáveis do sono.

Apesar da forte influência do contexto socioeconômico na quantidade e na qualidade do sono constatada nos estudos analisados, o número de pesquisas sobre o sono de adolescentes de diferentes níveis socioeconômicos em países pobres e em desenvolvimento é escasso. O único estudo com amostra brasileira indicou associações contrárias àquelas apresentadas nos estudos estrangeiros e mostrou menor duração do sono em adolescentes de classes mais altas.4

Considerando que o sono pode influenciar o estado comportamental e emocional, o desenvolvimento físico e cognitivo, além dos níveis de atenção e aprendizagem dos adolescentes, ou dos estudantes em geral, destaca‐se que hábitos ruins de sono, iniciados na infância e na adolescência, podem acompanhar a pessoa na vida adulta. Portanto, são necessárias mais investigações sobre as relações entre o sono e o nível socioeconômico, com vistas a um melhor planejamento de políticas públicas e educacionais.

Financiamento

O estudo não recebeu financiamento.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
M.A. Carskadon, C. Vieira, C. Acebo.
Association between puberty and delayed phase preference.
Sleep., 16 (1993), pp. 258-262
[2]
E.F. Pereira, C.S. Teixeira, F.M. Louzada.
Daytime sleepiness in adolescents: prevalence and associated factors.
Rev Paul Pediatr., 28 (2010), pp. 98-103
[3]
M. Moore, L.J. Meltzer.
The sleepy adolescent: causes and consequences of sleepiness in teens.
Paediatr Respir Rev., 9 (2008), pp. 114-120
[4]
M.P. Bernardo, E.F. Pereira, F.M. Louzada, V. D’Almeida.
Sleep duration in adolescents of different socioeconomic status.
J Bras Psiquiatr., 58 (2009), pp. 231-237
[5]
D. Perez-Chada, S. Perez-Lloret, A.J. Videla, D. Cardinali, M.A. Bergna, M. Fernandez-Acquier, et al.
Sleep disordered breathing and daytime sleepiness are associated with poor academic performance in teenagers. A study using the pediatric daytime sleepiness scale (PDSS).
Sleep., 30 (2007), pp. 1698-1703
[6]
I. Dollman, K. Ridley, T. Olds, E. Lowe.
Trends in the duration of school‐day sleep among 10‐to 15‐year‐old South Australians between 1985 and 2004.
Acta Paediatr., 96 (2007), pp. 1011-1014
[7]
K.E. Siomos, P.-A. Avagianou, G.D. Floros, N. Skenteris, O.D. Mouzas, K. Theodorou, et al.
Psychosocial correlates of insomnia in an adolescent population.
Child Psychiatry Hum Dev., 41 (2010), pp. 262-273
[8]
J.A. O’Dea, M.J. Dibley, N.M. Rankin.
Low sleep and low socioeconomic status predict high body mass index: a 4‐year longitudinal study of Australian schoolchildren.
Pediatr Obes., 7 (2012), pp. 295-303
[9]
J.P. Rey-López, H.B. Carvalho, A.C. Moraes, J.R. Ruiz, M. Sjostrom, A. Marcos, et al.
Sleep time and cardiovascular risk factors in adolescents: The HELENA (Healthy Lifestyle in Europe by Nutrition in Adolescence) study.
Sleep Med., 15 (2014), pp. 104-110
[10]
E.F. Pereira, C. Moreno, F.M. Louzada.
Increased commuting to school time reduces sleep duration in adolescents.
Chronobiol Int., 31 (2014), pp. 87-94
[11]
V.O. Popoola, P. Tamma, N.G. Reich, T.M. Perl, A.M. Milstone.
Risk factors for persistent methicillin‐resistant staphylococcus aureus colonization in children with multiple Intensive Care Unit admissions.
Infect Control Hosp Epidemiol., 34 (2013), pp. 748-750
[12]
R.A. El Hamid Hussein.
Socioeconomic status and dietary habits as predictors of home breakfast skipping in young women.
J Egypt Public Health Assoc., 89 (2014), pp. 100-104
[13]
A. Yaogo, E. Fombonne, S. Kouanda, F. Lert, M. Melchior.
Lifecourse socioeconomic position and alcohol use in young adulthood: results from the French TEMPO cohort study.
Alcohol Alcohol., 49 (2014), pp. 109-116
[14]
S.H. Downs, N. Black.
The feasibility of creating a checklist for the assessment of the methodological quality both of randomised and non‐randomised studies of health care interventions.
J Epidemiol Community Health., 52 (1998), pp. 377-384
[15]
R.E. Roberts, C.R. Roberts, I.G. Chen.
Ethnocultural differences in sleep complaints among adolescents.
J Nerv Ment Dis., 188 (2000), pp. 222-229
[16]
R.E. Roberts, E.S. Lee, M. Hernandez, A.C. Solari.
Symptoms of insomnia among adolescents in the lower Rio Grande valley of Texas.
Sleep., 27 (2004), pp. 751-760
[17]
R.E. Roberts, C.R. Roberts, W. Chan.
Ethnic differences in symptoms of insomnia among adolescents.
Sleep., 29 (2006), pp. 359-365
[18]
A. Smaldone, J.C. Honig, M.W. Byrne.
Sleepless in America: inadequate sleep and relationships to health and well‐being of our Nation's children.
Pediatrics., 119 (2007), pp. S29-S37
[19]
M. Moore, H.L. Kirchner, D. Drotar, N. Johnson, C. Rosen, S. Redline.
Correlates of adolescent sleep time and variability in sleep time: the role of individual and health related characteristics.
Sleep Med., 12 (2011), pp. 239-245
[20]
C.A. Marco, A.R. Wolfson, M. Sparling, A. Azuaje.
Family socioeconomic status and sleep patterns of young adolescents.
Behav Sleep Med., 10 (2011), pp. 70-80
[21]
T. Bøe, M. Hysing, K.M. Stormark, A.J. Lundervold, B. Sivertsen.
Sleep problems as a mediator of the association between parental education levels, perceived family economy and poor mental health in children.
J Psychosom Res., 73 (2012), pp. 430-436
[22]
A.T. Fernando, C.B. Samaranayake, C.J. Blank, G. Roberts, B. Arroll.
Sleep disorders among high school students in New Zealand.
J Prim Health Care., 5 (2013), pp. 276-282
[23]
D.C. Jarrin, J.J. McGrath, E.C. Quon.
Objective and subjective socioeconomic gradients exist for sleep in children and adolescents.
Health Psychol., 33 (2014), pp. 301-305
[24]
Alves MT, Soares JF, Xavier FP. Avaliação e currículo: um diálogo necessário. Proceedings of the VII Reunião da ABAVE; 2013 Aug 7‐9; Brasília, Brasil. p. 15‐32.
[25]
M. Roberts, D.A. Minott, S. Pinnock, P.F. Tennant, J.C. Jackson.
Physicochemical and biochemical characterization of transgenic papaya modified for protection against Papaya ringspot virus.
J Sci Food Agric., 94 (2014), pp. 1034-1038
[26]
Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [página na Internet]. Critério de Classificação Econômica Brasil [acessado em 1 de outubro de 2014]. Disponível em: http://www.abep.org/novo/FileGenerate.ashx?id=250.
Copyright © 2015. Sociedade de Pediatria de São Paulo
Opciones de artículo
Herramientas