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Vol. 33. Núm. 2.
Páginas 154-159 (Junio 2015)
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Vol. 33. Núm. 2.
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Aleitamento materno e perfil antropométrico de crianças com doença falciforme acompanhadas em serviço de referência em triagem neonatal
Breastfeeding and the anthropometric profile of children with sickle cell anemia receiving follow‐up in a newborn screening reference service
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Zeni Drubi Nogueiraa,
Autor para correspondencia
zeninogueira@gmail.com

Autor para correspondência.
, Ney Boa‐Sortea, Maria Efigênia de Queiroz Leitea, Márcia Miyuki Kiyaa, Tatiana Amorima, Silvana Fahel da Fonsecab
a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Salvador (Apae), Salvador, BA, Brasil
b Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil
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Tablas (3)
Tabela 1. Características demográficas e clínicas de 357 crianças com hemoglobinopatias SS e SC atendidas e acompanhadas no SRTN de 2007 a 2009
Tabela 2. Tempo de amamentação exclusiva e idade de desmame, em dias, de acordo com tipo de hemoglobinopatia e estado antropométrico (A/I e P/A)
Tabela 3. Estado antropométrico (A/I e P/A) de acordo com sexo, tipo de hemoglobinopatia e faixa etária
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Resumo
Objetivo

Descrever a história de aleitamento materno (AM) e estado antropométrico de crianças com doença falciforme (DF).

Métodos

Estudo transversal com 357 crianças com hemoglobinopatias SS e SC de dois e seis anos, acompanhadas regularmente num Serviço de Referência em Triagem Neonatal (SRTN) entre novembro de 2007 e janeiro de 2009. O desfecho correspondeu ao estado antropométrico e as exposições foram: padrão do AM, tipo de hemoglobinopatia, faixa etária e sexo da criança.

Resultados

A média (DP) de idade observada foi de 3,7 (1,1) anos, 52,9% meninos e 53,5% com hemoglobinopatia SS. A prevalência de aleitamento materno exclusivo (AME) até o sexto mês foi de 31,5%, a mediana (p25‐p75) do tempo de AME foi de 90 (24‐180) dias e a mediana (p25‐p75) da idade de desmame foi de 360 (90‐720) dias. Crianças eutróficas em relação ao P/A tiveram o tempo de AME, em média, quase quatro vezes maior do que os desnutridos (p<0,01), bem como foram desmamadas mais tarde (p<0,05). O déficit de altura foi encontrado em 5% das crianças e todas as crianças com baixa estatura grave tinham hemoglobinopatia SS e mais de quatro anos.

Conclusões

O tempo de AME e a idade de desmame foram superiores aos encontrados na literatura, possível efeito do acompanhamento multidisciplinar. A duração do AME e a idade mais tardia de desmame foram associadas a melhores indicadores antropométricos.

Palavras‐chave:
Aleitamento materno
Estado nutricional
Anemia falciforme
Doença da hemoglobina SC
Triagem neonatal
Abstract
Objective

To study breastfeeding history (BF) and the anthropometric status of children with Sickle Cell Disease (SCD).

Methods

A cross‐sectional study of 357 children with SS and SC hemoglobinopathies aged between 2 and 6 years old receiving regular follow‐up at a Newborn Screening Reference Service (NSRS) between November 2007 and January 2009. The outcome was anthropometric status and the exposures were: BF pattern, type of hemoglobinopathy and child's age and sex.

Results

The average (SD) age was 3.7 (1.1) years, 52.9% were boys and 53.5% had SS hemoglobinopathy. The prevalence of exclusive breastfeeding (EBR) up to six months of age was 31.5%, the median EBR times (p25‐p75) was 90.0 (24.0‐180.0) days and the median weaning ages (p25‐p75) was 360.0 (90.0‐20.0) days respectively. Normal W/H children experienced EBR for an average duration almost four times longer than malnourished children (p=0.01), and were weaned later (p<0.05). Height deficit was found in 5.0% of children, while all the children with severe short stature had SS hemoglobinopathy and were over 4 years of age.

Conclusions

EBR time and weaning age were greater than found in the literature, which is a possible effect of the multidisciplinary follow‐up. Duration of EBR and later weaning were associated with improved anthropometric indicators.

Keywords:
Breastfeeding
Nutritional status
Sickle cell anemia
Hemoglobin SC disease
Neonatal screening
Texto completo
Introdução

O efeito protetor do leite materno (LM) sobre a saúde das crianças é consenso na literatura mundial, considerado fonte universal de nutrição para os bebês pequenos, contribui significativamente para ingestão de energia e micronutrientes no primeiro ano de vida.1 Além disso, muitos estudos confirmam a supremacia do aleitamento materno (AM) em conferir proteção contra diversas doenças,2,3 reduzir a frequência de internamentos por pneumonias4 e por diarreia5 e apontam a necessidade de incentivo e amparo integrado.

Estudo conduzido na América Latina concluiu que 13,9% das mortes de crianças, secundárias a diversas causas, seriam evitadas pela prática do aleitamento materno exclusivo (AME) até os três meses e pelo aleitamento parcial até o primeiro ano de vida. Entre lactentes abaixo de três meses, 55% dos óbitos por doenças diarreicas e infecções respiratórias seriam evitadas.6

Nas doenças crônicas, a proteção contra as infecções preveníveis e o estado nutricional têm impacto considerável na redução da morbimortalidade.7 Diante dos benefícios do AM, pode‐se sugerir sua relevante importância para crianças com doença falciforme (DF), que apresenta grande variedade fenotípica e é caracterizada, principalmente, por fenômenos vaso‐oclusivos, anemia hemolítica e maior risco de infecções. Sabe‐se que condições socioambientais, cuidados pessoais, profilaxia antibiótica, vacinação, acesso aos serviços de saúde, hidratação e alimentação adequada têm forte influência na evolução clínica do indivíduo com DF.8

No Brasil, a DF é considerada um problema de saúde pública e a Bahia é o estado que registra a maior ocorrência, 1:565 nascidos vivos em 2009.9 De acordo com dados, Salvador, capital do estado, apresenta baixo percentual de AME, em torno de 9,4% entre menores de seis meses,10 cenário que pode contribuir para o aumento da morbimortalidade. De acordo com dados de acordo com dados da II Pesquisa Nacional de Prevalência de Aleitamento Materno, feita em 2008, apenas 37% das crianças das capitais nordestinas menores de seis meses beneficiavam‐se do AME, prevalência inferior às observadas nas regiões Norte, Centro‐Oeste, Sul e Sudeste, que tiveram prevalências, respectivamente, de 45,9%, 45%, 43,9% e 39,4%. Adicionalmente, mesmo com o aumento do tempo mediano de AM, que passou de 296 dias em 1999 para 342 dias em 2008,11 esse período ainda é muito inferior ao preconizado: AME até seis meses de vida (180 dias) e AM complementado até os dois anos ou mais.12,13

Assim, considerando os aspectos nutricionais e o possível impacto do AM no curso da DF, este trabalho teve como objetivo descrever a história de AM e a antropometria de crianças com DF, com diagnóstico precoce e obtido pela triagem neonatal, acompanhadas em um serviço de referência em triagem neonatal (SRTN) de um estado com alta incidência de hemoglobinopatias.

Método

Estudo transversal feito entre novembro de 2007 e janeiro de 2009 com crianças com hemoglobinopatias SS e SC em acompanhamento regular no SRTN da Bahia, idade de dois a seis anos e de ambos os sexos. O desfecho correspondeu ao estado antropométrico e as exposições avaliadas foram o padrão do AM (duração do AME e tempo total de AM), o tipo de hemoglobinopatia (SS ou SC), a faixa etária e o sexo da criança.

Foram incluídas todas as crianças entre dois e seis anos com diagnóstico de hemoglobinopatia SS e SC, em acompanhamento regular no SRTN (fizeram pelo menos duas consultas no ano anterior ao período do estudo). Não foram incluídos os pacientes cujos responsáveis não assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Duas crianças foram excluídas por ausência de dados antropométricos e outra foi excluída somente das análises acerca do aleitamento materno pois esse dado não foi obtido.

Em todas as consultas, foram aferidos peso e altura e calculados os indicadores de avaliação antropométrica preconizados pela OMS:14 altura para idade (A/I) e peso para altura (P/A), obtidos por meio do programa Anthro® (WHO Anthro, versão 3.2.2, janeiro de 2011, entre dois e abaixo de cinco anos) e Anthro Plus® (WHO AnthroPlus, versão 1.0.4, 2011, cinco a seis anos). O peso foi aferido com a criança totalmente despida, com balança eletrônica (marca Welmy®, modelo W200/5, São Paulo, SP, Brasil, com precisão de 50g e capacidade máxima de 200kg) e a altura medida no antropômetro da própria balança com precisão de 0,5cm e limite de 200cm, de acordo com as normas preconizadas. A história de aleitamento materno foi informada pela mãe/cuidador(a), por meio de questionário padronizado aplicado por entrevistador previamente treinado, após explicação da pesquisa e obtenção de assinatura do TCLE.

A classificação do estado nutricional baseou‐se nos indicadores peso/altura (P/A) e altura/idade (A/I), expressos em escore Z para todas as idades, de acordo com recomendações da OMS.15 O indicador A/I<–3 escores z foi considerado baixa estatura grave; entre –3 e –2, baixa estatura e A/I≥–2 escores z classificado como altura adequada para idade. Em relação ao indicador P/A, valores abaixo de –3 escores z foram classificados como desnutrição grave; entre –3 e –2, desnutrição; entre –2 e +1, eutrofia; entre +1 e +2, risco de sobrepeso; entre +2 e +3, sobrepeso e acima de +3 escores z como obesidade. Posteriormente, o indicador P/A foi reclassificado em desnutrição (presente/ausente) e sobrepeso (presente/ausente), conforme as definições anteriores.

O AME foi definido como a situação em que a criança recebeu somente leite humano, diretamente da mama ou ordenhado, sem outros líquidos ou sólidos, à exceção de gotas ou xaropes com vitaminas, suplementos minerais ou medicamentos. Desmame foi considerado quando não houve uso do leite materno ou quando este foi totalmente retirado da dieta da criança. A duração do AM e a idade de desmame foram expressas em dias.

O padrão do AM foi descrito com medidas de tendência central e dispersão e os percentuais de crianças que mantiveram AME aos 90 e 180 dias relatados. A comparação dos padrões de AM entre os tipos de hemoglobinopatia, o sexo, a faixa etária e o estado antropométrico foi feita com o teste não paramétrico de Mann‐Whitney, dada a ausência de normalidade das variáveis tempo de AME e idade de desmame. A frequência de alterações antropométricas foi descrita em percentual e comparada em relação ao sexo, à faixa etária, ao tipo de hemoglobinopatia com o teste do qui‐quadrado e, para o tempo de AME e idade de desmame, com o teste de Mann‐Whitney ou Kruskal‐Wallis. Os dados foram analisados com o pacote estatístico SPSS™ (SPSS Statistics for Windows, Version 17.0. Chicago, EUA). A significância estatística foi considerada quando o valor de p<0,05.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, Fundação Oswaldo Cruz‐Bahia (CEP‐CPqGM/Fiocruz), número de protocolo 112/2006, e seguiu as normas da ética em pesquisa da resolução 196/1996 e complementares, do Conselho Nacional de Saúde e da Declaração de Helsinque, 2008.

Resultados

Foram estudadas 357 crianças entre dois e seis anos com média (DP) de idade de 3,7 (1,1) anos, 45,9% (164/357) abaixo de quatro anos, 52,9% (189/357) meninos e maior frequência (191/357) de hemoglobinopatia SS (53,5%), conforme descrito na tabela 1.

Tabela 1.

Características demográficas e clínicas de 357 crianças com hemoglobinopatias SS e SC atendidas e acompanhadas no SRTN de 2007 a 2009

 
Idade
2 anos  49  13,7 
3 anos  115  32,2 
4 anos  114  31,9 
5 anos  61  17,1 
6 anos  18  5,0 
Sexo
Masculino  189  52,9 
Feminino  168  47,1 
Tipo de hemoglobinopatia
SS  191  53,5 
SC  166  46,5 

O AME até o terceiro e o sexto mês de vida foi encontrado, respectivamente, em 52,3% (186/356) e 31,5% (112/356) das crianças estudadas. A mediana (p25‐p75) de AME foi de 90 (24‐180) dias e a mediana (p25‐p75) da idade de desmame foi de 360 (90‐720) dias.

Não houve variação significativa para a duração do AME segundo o tipo de hemoglobinopatia, que foi, em média (DP), de 102 (91) dias em crianças com SC e 93 (72) dias em crianças com SS. Entretanto, a média (DP) da idade de desmame mostrou que as crianças com hemoglobinopatia SC mamaram, em média, quase dois meses a mais do que as crianças com SS [460,1 (392,8) versus 406,3 (371,3) dias], embora sem significância estatística (p=0,18).

Com relação ao indicador P/A, 2,2% (8/357) das crianças apresentaram desnutrição, com maior prevalência entre crianças com hemoglobinopatia do tipo SS, embora não significante [3,1% (6/191) versus 1,2% (2/166); p=0,39]. O déficit do indicador P/A foi mais frequente, mas não significativo (p=0,11), na faixa entre quatro e seis anos, com prevalência de 3,6% (7/193), quando comparadas com crianças com idade entre dois a quatro anos, que apresentaram 2% (1/49) de desnutrição. O inverso foi observado em relação ao peso elevado para altura, que foi observado em 16,3% (8/49) dos pacientes de dois a três anos, 3,5% (4/115) entre três e quatro anos e 5,2% (10/193) a partir de quatro anos (ptendência=0,04). A frequência de excesso de peso observada foi oito vezes maior do que a de desnutrição entre as crianças SC (p=0,02), respectivamente, de 9,6% (16/166) e 1,2% (2/166). Já no grupo SS, não houve diferença para o tipo de inadequação [3,1% (6/191) com peso elevado e 3,1% (6/191) com diagnóstico de desnutrição].

A tabela 2 mostra que as crianças eutróficas em relação ao P/A tiveram o tempo médio de AME (101,2 dias; IC95%: 92,1‐110,3) quase quatro vezes maior do que os desnutridos (25,8 dias; IC95%: 10,0‐41,5; p<0,01), bem como foram desmamadas mais tarde (p<0,05). Ademais, a idade média de desmame foi muito abaixo do preconizado pela OMS, independentemente do tipo de hemoglobinopatia e do estado nutricional, apesar de se observar uma grande variação na população estudada.

Tabela 2.

Tempo de amamentação exclusiva e idade de desmame, em dias, de acordo com tipo de hemoglobinopatia e estado antropométrico (A/I e P/A)

Variáveis  AME (dias)  Desmame (dias) 
  Média (DP)  Média (DP) 
Tipo de Hb
SS  92,7 (75,3)  460,1 (392,8) 
SC  102,3 (90,7)  406,3 (371,3) 
Estado antropométrico
Indicador A/I
Adequado  96,2 (79,7)  434,5 (385,0) 
Inadequado  116,9 (132,5)  369,3 (316,3) 
Indicador P/A
Adequado  101,2 (83,5)a  446,4 (384,7)b 
Desnutrido  25,8 (18,8)a  266,3 (239,7)b 
Risco de sobrepeso/sobrepeso/obesidade  64,2 (66,8)  268,8 (336,8) 
a

p<0,01.

b

p<0,05.

O déficit de altura foi encontrado em 5% (18/357) das crianças, similar em ambos os sexos [4,8% (9/189) dos meninos versus 5,4% (9/168) das meninas] e tipo de hemoglobinopatia [4,8% (8/166) entre os SC versus 5,2% (10/191) entre os SS]. Contudo, todas as crianças com baixa estatura grave tinham hemoglobinopatia do tipo SS. A prevalência de baixa estatura aumentou com a idade, porém sem significância estatística (p=0,10). Foi encontrada em 2% (1/49) das crianças entre dois e três anos; 3,5% (4/115) entre três e quatro anos e em 6,7% (13/193) em maiores de quatro anos, faixa etária que concentrou todas as crianças com baixa estatura grave (tabela 3).

Tabela 3.

Estado antropométrico (A/I e P/A) de acordo com sexo, tipo de hemoglobinopatia e faixa etária

  Indicador A/IIndicador P/A (%)
  Adequado(%)  BE(%)  BE grave(%)  Adequado(%)  Desnutrido(%)  RSP/SP/Ob (%) 
Sexo
Masculino  95,2  4,3  0,5  91,5  1,6  6,9 
Feminino  94,7  4,8  0,6  91,7  3,0  5,3 
Hemoglobinopatia
SS  94,7  4,2  1,0  93,8  3,1  3,1a 
SC  95,2  4,8  –  89,2  1,2  9,6a 
Faixa etária
2‐3 anos  98,0  2,0  –  81,7  2,0  16,3b 
3‐4 anos  96,5  3,5  –  96,5  –  3,5b 
4 anos ou mais  93,3  5,7  1,0  91,3  3,6  5,2b 

BE, baixa estatura; RSP/SP/Ob, Risco de sobrepeso/sobrepeso/obesidade.

a

p<0,05.

b

p<0,01.

Para a presença de excesso de peso, observou‐se que em pacientes com hemoglobinopatia SC (p=0,04) essa alteração foi mais frequente, bem como entre crianças mais jovens (p=0,02).

Discussão

No presente estudo, mais da metade das crianças com DF beneficiava‐se do AME aos três meses de vida, embora o tempo de AME e a idade de desmame tenham sido inferiores aos preconizados pela OMS, independentemente do tipo de hemoglobinopatia e do estado nutricional. Os pacientes eutróficos apresentaram duração média do AM bem superior aos que apresentaram déficit nutricional.

Estudos sobre o aleitamento materno na Bahia são escassos. Em 1980, pesquisa aplicada a lactentes do semiárido baiano encontrou mediana de AM de 90 dias.15 Investigação feita em 1996 com amostra representativa de lactentes saudáveis e residentes em Salvador, capital da Bahia, avaliou o tempo de AM, encontrou duração mediana do AME de 31 dias e do AM total (desmame) de 131 dias, períodos muito inferiores aos achados do presente estudo.16 Em 2001, em Feira de Santana, foi relatado que 39% das crianças mantinham AME até os seis meses, percentual também inferior ao encontrado neste trabalho.17 Apesar do tempo decorrido entre os três estudos e o atual, a diferença observada não pode ser creditada, a nosso ver, apenas aos investimentos governamentais e não governamentais no incentivo à prática do AM. Os indicadores encontrados entre as crianças com DF, apesar de inferiores aos recomendados pela OMS,12 parecem refletir uma melhor adesão à prática do aleitamento do que a observada em crianças da população em geral. A presença do diagnóstico precoce de uma doença crônica no contexto de um sistema de atendimento nos primeiros de dias de vida e por equipe multidisciplinar pode funcionar como um incentivador da prática de AM. Além disso, um trabalho com genitoras de crianças com hemoglobinopatia descreve uma maior opção materna de “deixar temporariamente o mundo do trabalho” para dedicar‐se aos cuidados da criança com DF.18

De fato, estudos têm demonstrado que o incentivo continuado ao AM pode aumentar sua duração. Pesquisa feita no Dia Nacional da Multivacinação, em 2001, em cidade do interior de São Paulo, encontrou 48% das crianças em AME até os seis meses e atribuiu os resultados acima dos anteriormente relatados principalmente à existência de grupos de apoio e promoção do AM desde 1994 nas unidades básicas de saúde, com reuniões semanais entre mães/bebês e profissionais de saúde para auxiliar na tarefa da amamentação.19 Fato semelhante foi descrito em Feira de Santana, Bahia.17 Esse efeito benéfico pode ser atribuído ao Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), uma vez que os pacientes recebem acompanhamento especializado e regular. É possível também que a criança com DF seja desmamada mais tardiamente, tendo em vista a representação psicológica do ato de mamar ao seio tanto para o lactente quanto para a mãe, que se estabelece como um meio de acalmar, especialmente para aquela criança que adoece com maior frequência.20 A imagem de fragilidade da criança, na percepção materna, e a possibilidade de sofrimento com o desmame podem contribuir para o aleitamento prolongado.20

Crianças com DF apresentam peso normal ao nascimento,21 com posterior queda significativa no aumento de peso e estatura e atraso da maturação sexual.22 A associação entre desnutrição e DF é bem estabelecida em crianças e adolescentes, mais evidente com o aumento da idade,23 em concordância com os achados do presente estudo. Observou‐se que o déficit de A/I quase triplicou, quando comparados os grupos com faixas de dois a três anos e quatro a seis anos, embora sem significado estatístico. É oportuno ressaltar que todas as crianças com baixa estatura grave tinham mais de quatro anos e eram homozigotos para a hemoglobina S. Esse fato sugere que o provável ganho de peso insatisfatório nos primeiros anos de vida é coadjuvante do crescimento linear deficiente, culminando em baixa estatura ainda na primeira infância. A demanda proteico‐calórica elevada e a baixa ingestão alimentar observada na DF estabelecem um ciclo de doença e subnutrição de difícil manejo,23 o grupo SS é mais prejudicado devido à fisiopatologia mais grave e acarreta maior risco nutricional.

Neste trabalho, a desnutrição aferida pelo indicador P/A foi mais prevalente em crianças com anemia falciforme (SS) e na faixa etária de quatro a seis anos, o que sugere o efeito acumulado da maior frequência de crises sobre o binômio doença/inapetência. A importância da frequência de crises no estado nutricional pode também ser reforçada pela prevalência mais elevada de sobrepeso e obesidade nas crianças SC, sabidamente com evolução clínica, na média, menos grave do que a das crianças com anemia falciforme.24

O déficit de A/I foi inferior ao relatado na literatura em estudos com crianças brasileiras saudáveis pré‐escolares. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição, em 1989, revelaram baixa estatura em 19,6% dos menores de cinco anos e 32,9% entre crianças nordestinas.25 Já em 2006, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde encontrou 5,8% de baixa estatura em nordestinos menores de cinco anos.25 Além disso, outro estudo revelou que a baixa estatura infantil é inversamente proporcional ao estado nutricional e escolaridade materna, bem como a renda familiar.26 Quando comparados aos resultados do presente estudo, esses dados são surpreendentes e, provavelmente, refletem o impacto do PNTN nos pacientes triados, uma vez que o acompanhamento, como dito previamente, é precoce, regular e multiprofissional,24 porque se espera uma elevada proporção de déficit de estatura/altura em pacientes com doença falciforme.8

Foi observado que crianças com P/A adequado tiveram maior tempo de AME e foram desmamadas mais tardiamente. Dito de outra forma, as crianças desnutridas tiveram tempo médio de AME quatro vezes menor e mamaram, em média, seis meses menos que as eutróficas. Apesar da ausência de temporalidade entre exposições e o desfecho estudado, possivelmente a associação com maior frequência de crises e menor vínculo afetivo e os riscos envolvidos na introdução precoce de água, infusões e alimentos complementares devem ter contribuído para o estado nutricional deficiente. A associação entre a precocidade da introdução de líquidos e semissólidos com a consequente interrupção do AME é bem descrita. Além de ser considerada uma prática desnecessária, reduz o consumo de leite humano, é inversamente associado ao tempo de AME.27 Todos os prejuízos do desmame precoce para o lactente são exacerbados pelos eventos fisiopatológicos característicos da DF, fato preocupante tendo em vista a coexistência de uma doença que confere maior risco de infecções. Assim sendo, o caráter protetor do AM sobre o estado nutricional também foi observado nas crianças estudadas. Outras pesquisas que compararam o padrão do AM em crianças com doenças crônicas são escassas, mas ressaltam sua importância, relatam que crianças com fibrose cística que mamaram por mais tempo tiveram menos infecções nos três primeiros anos de vida28 e uso menos frequente de antibiótico.29

Contudo, complicações relacionadas ao curso clínico da doença e marcadores prognósticos que possam ter interferido direta ou indiretamente no estado nutricional não foram avaliados no presente estudo, essa uma limitação a ser destacada. Outras limitações devem ser reconhecidas. Possivelmente ocorreu viés de memória na coleta retrospectiva da história de AM, o que também pode ter influenciado no tempo mais prolongado de AME e idade de desmame em nossos achados, quando comparados à população sadia. Também o fato de se encontrar uma associação entre a idade das crianças e a prevalência mais elevada de desnutrição pode ter sido superestimado, uma vez que os pacientes foram avaliados uma única vez, o que expõe a causalidade reversa dos estudos transversais.

O presente estudo encontrou tempo de AME e idade de desmame nas crianças com doença falciforme acompanhadas no SRTN superiores aos descritos na literatura, embora ainda abaixo das recomendações preconizadas. Além disso, a relação entre estado nutricional adequado e tempo mais prolongado de AME e AM entre crianças com DF foi claramente demonstrada. Os resultados provavelmente refletem o benefício do acompanhamento multidisciplinar em idade precoce no SRTN.

Financiamento

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, Edital 26/2006.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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