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Vol. 2014. Núm. 84.
Páginas 54-68 (Agosto 2014)
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Percepção de riscos ambientais: uma análise sobre riscos de inundações em Natal-RN, Brasil
Percepción del riesgo ambiental: un análisis de riesgo de inundaciones em Natal-RN, Brasil
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Juliana da Silva Ibiapina Cavalcante
, Magdi Ahmed Ibrahim Aloufa
* Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Universitario, Lagoa Nova – Natal-RN, CEP 59.072-970, Brasil.
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Figuras (2)
Tablas (9)
Tabela 1. Distribuição da população por sexo e idade
Tabela 2. Distribuição da população por sexo e escolaridade
Tabela 3. Causas das inundações
Tabela 4. Responsáveis pelas inundações
Tabela 5. Motivos para escolha da área
Tabela 6. Motivos para deixar a área
Tabela 7. Atitudes a serem tomadas em caso de prejuízos materiais ou à integridade física e saúde de membros da família em decorrência de inundações
Tabela 8. Medidas tomadas pela prefeitura para reduzir as inundações
Tabela 9. Avaliação do trabalho da Prefeitura e da Defesa Civil no Complexo Passo da Pátria
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Resumo.

A noção de risco rodeia a sociedade em seus diver-sos âmbitos e se refere à probabilidade de ocorrência de um fenômeno que induza a acidentes trazendo consequências à população de um dado local. Nessa problemática o processo de urbanização no Brasil tem se caracterizado por problemas recorrentes que envolvem situações de riscos. Dessa forma, no espaço urbano, as inundações estão entre os problemas que mais trazem prejuízos humanos e materiais. Este estudo objetivou, portanto, realizar uma análise da percepção de riscos do Complexo Passo da Pátria, zona leste da cidade de Natal-RN. Para tanto foram coletados dados primários através da realização de entrevistas. Através da análise do discurso dos entrevistados pôdese concluir que a população do Complexo Passo da Pátria está exposta a um alto grau de vulnerabilidade e riscos, haja vista a recorrência dos episódios de inundações na localidade. Além disso, há uma grande insatisfação da população quanto ao posicionamento da prefeitura em relação aos problemas da localidade. Através dessa análise foi possível compreender a percepção e o comportamento de indivíduos ou grupos sociais diante dos riscos, como aceitação e rejeição de determinados riscos, além de medidas de adaptação e convivência com a presença constante de riscos.

Resumen

La noción de riesgo está presente en la sociedad en sus diversos ámbitos, y sobre todo, cuando se refiere a la probabilidad de la aparición de un fenómeno que induzca a accidentes trayendo consecuencias a la población en un local determinado. Dentro de esta problemática el proceso de urbanización en el Brasil se ha caracterizado por problemas recurrentes que envuelven situaciones de riesgo. De esta forma, dentro del espacio urbano, las anegaciones están entre los problemas que más traen pérdidas, ya sean humanas y/o materiales. Este estudio se enfocó, por lo tanto, en realizar un análisis de percepción de riesgos de la comunidad “Paso de la Patria”, zona leste de la ciudad de Natal/RN. Para esto fueron recolectados datos primarios mediante la aplicación de encuestas. Y a través del análisis del discurso de los entrevistados de este estudio se puede concluir que la población de la comunidad “Paso de la Patria” está expuesta a un alto grado de vulnerabilidad y riesgo. Además de esto, hay una gran insatisfacción de la población en relación con el posicionamiento de la Alcaldía. Mediante este análisis fue posible comprender la percepción y el comportamiento de los individuos o grupos sociales delante de los riesgos, así como la aceptación y el rechazo de determinados riesgos, más allá de las medidas de adaptación y convivencia ante su constante presencia.

Palavras-chave:
Inundações
riscos
vulnerabilidade
percepção
Palabras clave:
Inundaciones
riesgos
vulnerabilidad
percepción
Texto completo
Introdução

Em decorrência do processo desordenado de urbanização é notável a existência de inúmeros problemas que contribuem para um cenário de insustentabilidade urbana. Dessa forma, é possível visualizar situações de desigualdades ambientais em que se pode verificar a exposição diferenciada de indivíduos e grupos sociais a amenidades e riscos ambientais (Alves, 2007:302)

Colabora para esta situação “a especulação imobiliária, os diferentes preços da terra urbana e as desigualdades sociais” (Almeida, 2010:132). Dessa forma, tem-se a procura por habitação em áreas com baixo preço da terra, o que provoca aumento das ocupações precárias, como favelas e loteamentos irregulares, em áreas sem infraestrutura e expostas a risco e degradação ambiental (Alves et al., 2010:143).

Os seres humanos inventaram o conceito de risco para os ajudar a compreender e alidar com os perigos e as incertezas da vida (Flynn e Slovic, 2000). Isto posto, é de grande importância entender como os grupos populacionais expostos à vulnerabilidades e riscos ambientais interpretam o meio em que vivem. De acordo com Veyret (2007), o risco não existe sem um indivíduo ou população que o perceba e que possa sofrer seus danos. Portanto, através de estudos de percepção de riscos é possível compreender como uma deter-minada população percebe e se comporta diante dos riscos, aceitando e/ou rejeitando determinados riscos, além de entender porque esses indivíduos vivem em áreas de risco (Souza e Zanella, 2009).

Nesse sentido, assim como a maioria das cidades brasileiras, a cidade de Natal-RN sofreu um processo de urbanização desordenado, apresentando, então, diversas situações de riscos e vulnerabilidades; contendo, inclusive, 74 áreas de risco, de acordo com o Plano Municipal de Redução de Riscos do Município de Natal (2008). O complexo Passo da Pátria zona leste de Natal-RN, portanto, mostra uma situação preocupante por constituirse de habitações irregulares que se desenvolveram com a total ausência de saneamento básico, fatores que até hoje compõem o quadro de problemas do local (Souza, 2007:33). Além disso, a área do complexo Passo da Pátria localizase às margens do rio Potengi e, em eventos de grandes precipitações parte da localidade fica comprometida pela ocorrência de inundações. Visto isso, a Lei Municipal Complementar nº 44 de 2002, define o complexo Passo da Pátria como Área Especial de Interesse Social (aeis), definição utilizada para designar moradias geralmente situadas em áreas de risco e que apresentam ausência de serviços públicos essenciais.

Diante do exposto, o objetivo deste trabalho é analisar a percepção da população do Complexo Passo da Pátria sobre os riscos de inundações da localidade, identificando, entre outras, as causas e as responsabilidades atribuídas pelos entrevistados.

MetodologiaÁrea de estudo

De acordo com Medeiros (2001), o município de Natal está situado no litoral oriental do estado do Rio Grande do Norte, região nordeste brasileira, apresentando uma altitude média de 40 m em relação ao nível do mar. A cidade apresenta uma área total de 168,53 km² e coordenadas geográficas de 5º47’42” de latitude Sul e 35º12’34” de longitude Oeste (Prefeitura do Natal, 2010). Segundo a classificação climática de Köppen o clima da cidade é quente e úmido (As’) com chuvas de outonoinverno e verão seco (Andrade, 1977). A cidade apresenta uma média diária de temperatura de 24.4º C (Nascimento, 2003). Em relação à precipitação a cidade de Natal se caracteriza por apresentar uma heterogeneidade temporal e espacial quanto ao regime pluvial, apresentando oscilações mensais de 17.5mm e 208.5mm com maior concentração entre os meses de abril a junho (Medeiros, 2001).

A geologia de toda a cidade de Natal é essencialmente formada por materiais de origem sedimentar do período cenozoico (Jesus, 2002). São representadas, principalmente pela formação Barreiras, constituindo-se de um ambiente frágil ecologicamente, porém de grande importância para a recarga de aquíferos. Situase, portanto, do ponto de vista hidrogeológico, sob o Sistema Aquífero Dunas/Barreiras onde as dunas exercem um papel fundamental na infiltração das águas pluviométricas (Medeiros, 2001). Quanto ao solo da cidade de Natal, Nunes (1996) identificou três tipos de solos: Areias Quartzosas Distróficas, Areias Quartzosas Distróficas Marinhas e Latos-solo Vermelho-amarelo Distrófico. Em relação à hidrografia, segundo Medeiros (2001) a cidade está representada pelo estuário Potengi/Jundiaí e pelos rios Doce, Pirangi, tendo como afluente o Pitimbu e os riachos do Baldo, das Quintas, Ouro e Prata.

A área de estudo, o Complexo Passo da Pátria, situase no bairro Cidade Alta, zona leste da cidade de Natal. Segundo a Lei Municipal Complementar nº 44 de 2002, que dispõe sobre o uso do solo, limites e prescrições urbanísticas para Área Especial de Interesse Social (aeis), o Passo da Pátria é denominado como tal. O Complexo tem uma área total de 205 506 m² e limita-se ao Norte, com a margem direita do rio Potengi; ao Sul, com a linha férrea; ao Leste, com a Pedra do Rosário e, a Oeste, com a Base Naval Almirante Ary Parreira. Na Figura 1 abaixo é possível visualizar a localização do Complexo Passo da Pátria dentro da cidade de Natal-RN.

Figura 1.

Localização do Complexo Passo da Pátria, no bairro Cidade Alta, Natal-RN

(0,43MB).
Elaboração: Bruno Albuquerque, 2014.

O complexo Passo da Pátria engloba quadro comunidades: Pedra do Rosário, Passo, Areado e Pantanal. Para Sousa e Silva (2005), as primeiras casas do Passo da Pátria pertenciam a pessoas de baixo poder aquisitivo que eram os comerciantes de uma feira semanal que se realizava na região. Os feirantes se fixaram no local devido à estratégica localização da área, próxima ao rio Potengi e aos bairros Cidade Alta e Alecrim. Segundo os autores, com a decadência da feira e do porto, a localização do Passo da Pátria também favorecia aos moradores o acesso a outros postos de trabalho nos principais bairros comerciais de Natal, o Alecrim e Cidade Alta. A partir da década de 80 o local passou por um acelerado processo de crescimento populacional, fazendo com que as quatro comunidades (Pedra do Rosário, Passo, Areado e Pantanal) se unissem pelas moradias.

Segundo Souza (2007) essas primeiras habitações foram construídas em áreas aterradas das margens do rio Potengi constituídas por habitações irregulares que se desenvolveram com a total ausência de saneamento básico. E essa situação vigora até a atualidade sendo o principal problema socioambiental da área. De acordo com Prefeitura do Natal (2010) o Passo da Pátria é uma localidade de assentamentos precários com 535 domicílios e 2.142 habitantes. Segundo dados da Prefeitura do Natal (2012) o bairro Cidade Alta, onde se localiza o complexo Passo da Pátria tem 90% de sua população alfabetizada, porém, não constam dados específicos para o Complexo Passo da Pátria (Figura 2).

Figura 2.

Características do Complexo Passo da Pátria, Natal/RN. A: Passagem improvisada sobre o Canal do Baldo; B: Ausência de Saneamento no Complexo Passo da Pátria; C: Rua do Complexo Passo da Pátria; D: Canal do Baldo

(0,32MB).

De acordo com o Plano Municipal de Redução de Riscos do Município de Natal (2008) o Complexo Passo da Pátria é uma área em processo de resolução de risco. A classificação dos riscos do Plano de Riscos acima citado varia de 0 (sem riscos) a 5 (muito alto). O Complexo Passo da Pátria apresenta grau 3 para riscos de inundações e alagamento pluvial. O grau 3 se refere a processos destrutivos que se encontram condições potenciais de desenvolvimento, constatandose condicionantes físicos predispostos ao risco e/ou indícios ao desenvolvimento do processo.

Procedimentos metodológicos

Utilizou-se como instrumento de coleta de dados um roteiro de entrevista adaptado de Souza e Zanella (2009) sobre percepção de riscos ambientais nas cidades de Juiz de Fora - MG e Fortaleza – CE.

O roteiro de entrevistas é constituído de questões relativas à: identificação do perfil socioeconômico, para percepção e experiência do entrevistado com o fenômeno estudado, identificação da percepção do sujeito quanto à causalidade e responsabilidades pelas inundações, avaliação e a escolha dos moradores pelo local de moradia, ajustamentos realizados pelos entrevistados e pela prefeitura quanto aos riscos de inundação e atuação e participação dos moradores nas problemáticas da comunidade.

No início desta pesquisa o objetivo era abordar a problemática dos riscos de maneira mais ampla, com realização de entrevistas a uma amostra representativa do total da população do Complexo Passo da Pátria. Porém, ao se iniciar o processo de visitas ao local de estudo foram constatadas situações adversas ao desenvolvimento da pesquisa tal qual havia sido preliminarmente delimitada. O local apresentou dificuldades de acessibilidade a pesquisadora, tendo sido fundamental a presença do líder comunitário para o acompanhamento da fase de entrevistas. A liderança comunitária facilitou o acesso dos envolvidos com a pesquisa à área na tentativa de minimizar qualquer possível conflito causado por uma pessoa estranha à comunidade, conferindo, assim uma maior segurança a esses envolvidos. Isso porque, o local estudado se caracteriza por situações de insegurança como assaltos, homicídios, bem como venda/uso de drogas, situação esta presenciada no momento da realização das entrevistas.

Em decorrência dessas dificuldades, entre outras, optou-se por realizar um número menor de entrevistas para minimizar a exposição da pesquisadora a tais situações. Dessa forma, foram realizadas vinte entrevistas, quantidade essa que nos permitiu extrair as informações necessárias ao entendimento do fenômeno de interesse no grupo estudado. Assim, os indivíduos foram escolhidos entre aqueles mais acessíveis e disponíveis dentro do contexto já citado e que, conforme cita Mayan (2001) ao explicar como conseguir os sujeitos participantes da pesquisa qualitativa, pudessem dar melhores informações referentes ao objeto de estudo. No Complexo Passo da Pátria as entrevistas foram realizadas no período de fevereiro a março de 2012. Sendo assim, a quantidade de entrevistados atende aos princípios da pesquisa qualitativa que, segundo Minayo (1999) aborda dados não mensuráveis e não se preocupa com a generalização dos resultados. Portanto, os resultados obtidos são válidos, apenas, para o grupo de entrevistados.

As entrevistas foram realizadas com a utilização de gravador de voz. Posteriormente, todas as entrevistas foram transcritas para se efetuar a análise de conteúdo que se deu através da análise temática ou categórica. Esta análise foi descrita por Bardin (2006) como a decomposição dos textos em unidades de análise seguindo-se de suas classificações por agrupamento ou categorização, estabelecendo-se relações entre as unidades rumo ao entendimento do todo e, finalmente, chegando-se à compreensão do conteúdo das falas dos entrevistados.

Resultados e discussão

O grupo alvo da pesquisa foi composto de vinte pessoas, residentes do Complexo Passo da Pátria. Foram entrevistadas onze pessoas do sexo masculino e nove pessoas do sexo feminino. A média de idade dos entrevistados é de 37 anos. A faixa etária com maior número de pessoas é a faixa dos 27 a 35 anos de idade com o correspondente a metade dos entrevistados. A Tabela 1 abaixo mostra a distribuição dos sujeitos por sexo e por idade:

Tabela 1.

Distribuição da população por sexo e idade

SEXOIDADE (Anos)
18 a 26 anos  27 a 35 anos  36 a 44 anos  45 a 54 anos  Mais de 55 anos  TOTAL 
Masculino  11 
Feminino 
TOTAL  10  20 

Na Tabela 2 a seguir encontra-se a distribuição da população por sexo e escolaridade.

Tabela 2.

Distribuição da população por sexo e escolaridade

SEXOGRAU DE ESCOLARIDADE
Nenhum  Fund. incompleto  Fund. completo  Médio incompleto  Médio completo  TOTAL 
Masculino  11 
Feminino 
TOTAL  20 

É possível observar que as pessoas sem nenhum grau de alfabetização juntamente com aqueles que possuem o ensino fundamental incompleto representam mais da metade dos entrevistados, o que indica um baixo nível de escolaridade. Para Torres et al. (2003) essa baixa escolaridade implica em dificuldades de acesso a bons empregos, deixando-os na informalidade e no desemprego. Entre esse grupo de baixa escolaridade (analfabeto e fundamental incompleto) tem-se uma maioria de homens. Porém, entre os que tiverem mais tempo de estudo tem-se, proporcionalmente, uma maioria feminina. Esse resultado deve-se ao fato de os homens, como chefes de família, sentirem-se na obrigação de ter um emprego para sustentar sua família, o que leva a esses indivíduos abandonar os estudos. Além disso, Lavinas (1996) afirma que os homens trabalham, em sua maioria, em tempo integral o que reduz o tempo dedicado aos estudos.

Em relação aos rendimentos familiares tem-se que a maior parte dos entrevistados, o que corresponde à 14 moradores, possui renda familiar de até um salário mínimo, seis possuem renda de até dois salários mínimos e nenhuma família apresentou renda superior a dois salários mínimos. Com essa renda as famílias precisam sustentar uma média de quatro pessoas por família. Para Torres et al. (2003) essa renda torna-se insuficiente para a quantidade de pessoas que dependem dela para a sobrevivência, pois um alto número de pessoas por domicílio significa que mais pessoas necessitam partilhar os recursos comuns, trazendo consequências para a saúde, nutrição e educação. A baixa renda é um fator importante nas questões referentes à exposição dessa população às condições de risco ambiental. Isso porque, para Torres (2000), as áreas de risco ambiental, muitas vezes, são as únicas acessíveis às populações de baixa renda.

De acordo com esses resultados, pode-se afirmar que os baixos índices apresentados em termos de renda e escolaridade contribuem para as situações de vulnerabilidade socioambiental a que estas pessoas estão expostas. Sobre isso, Alves e Torres (2006) afirmam que essas áreas podem ser denominadas de “favelas em áreas de risco” que se caracteriza como grupos populacionais particularmente marginalizados que seriam também afetados pelo risco ambiental. Nesse sentido, para Alves (2007), assim como a renda e o acesso aos serviços públicos os riscos ambientais também são distribuídos desigualmente entre os grupos sociais. Dessa forma, a exposição aos riscos evidencia uma situação de desigualdade ambiental originada por uma desigualdade social uma vez que os grupos sociais diversos possuem acesso diferenciado aos bens de qualidade ambiental. Alves (2007) também já evidenciou que em regiões pobres, onde a renda da maioria das famílias é de até 1 salário mínimo, a proporção de pessoas vivendo em áreas de risco é bem maior que em regiões de classe média e alta.

Com relação ao tempo de moradia da população entrevistada foi possível constatar que 14 entrevistados já se encontram residindo na área há mais de 20 anos e, apenas seis famílias encontram-se na localidade há menos de 5 anos. Sobre isso, Giddens (2002) citado por Ribas et al. (2010) afirmam que o tempo de residência num dado local é um importante fator para a formação de uma identidade da população com o lugar. Além disso, todos os entrevistados afirmaram que suas moradias são próprias. Isso se deve ao fato de os moradores terem recebido definitivamente a posse de suas residências devido ao Projeto de Urbanização realizado pela prefeitura em 2002. Segundo Souza (2007), nesse projeto foi realizada a regularização fundiária e construção de diversas unidades habitacionais, legalizando, assim, as ocupações.

Percepção

Inicialmente os entrevistados foram questionados quanto à sua experiência com os eventos de inundações no Complexo Passo da Pátria. Foi constatado que 15 dos 20 entrevistados já tiveram suas casas atingidas por inundações e, 16 pessoas reconheceram haver possibilidade de suas casas serem atingidas em um futuro evento de inundação. Esses resultados podem evidenciar que este grupo sente-se vulnerável aos riscos de inundações. Acserald (2006) reafirma essa situação ao dizer que a vulnerabilidade está normalmente associada à exposição aos riscos e a maior ou menor suscetibilidade a eles, quer seja de pessoas, lugares ou infraestruturas. Isso porque, para Jacobi (2006), territórios como a comunidade Passo da Pátria são áreas irregulares que ficam excluídas do acesso aos serviços e investimentos públicos. Assim, o conjunto dos problemas socioambientais desses espaços acaba sendo resultado da precariedade dos serviços, da omissão do poder público e do descuido e omissão dos próprios moradores.

Outro questionamento relaciona-se às causas das inundações na localidade de estudo apontadas pelos entrevistados. Identificaram-se quatro unidades de contexto, a saber: naturais, políticas, infraestruturais e antrópicas, de acordo com a Tabela 3 abaixo:

Tabela 3.

Causas das inundações

UNIDADES DE CONTEXTO  SUBUNIDADES DE CONTEXTO  CITAÇÕES 
NaturalMaré cheia  Quando a maré tá cheia ela entra pra cá. 
Chuva  Duas horas de chuva grossa é o suficiente pra acabar com tudo aqui. Quando chove aqui inunda tudo. 
PolíticaTrabalho inacabado  A prefeitura disse que ia tampar o bueirão e não tampou. 
Projeto de urbanização  Foi depois desse projeto de urbanização que teve aqui. 
InfraestruturaBueiro  Mexeram no bueiro aí, estourou os canos aí, pronto, a chuva que deu a pressão, entrou água aqui num bocado de casa. 
Esgoto  São os esgotos entupidos. 
Tubulação  A tubulação mal feita. 
Canal  É esse canal aí que atrapalha muito. 
Galeria  Essa galeria aí que tá com mais de ano entupida. 
Valas  Essa vala entupida, esgoto entupido nas casas. 
Canos  A chuva deu pressão, os canos estourou e entrou água aqui num bocado de casa. 
Córrego  Primeiro esse córrego aí que é mal feito. 
AntrópicaLixo  Porque o povo joga lixo e a prefeitura disse que ia tampar o bueirão e não tampou.
Povo 

Através dessas respostas percebe-se que, embora tenha se identificado diferentes subunidades de contexto, muitas delas acabam sendo sinônimos. E como constatado em outros estudos, como no trabalho de Souza e Zanella (2009) sobre percepção de riscos de inundação realizado em Fortaleza – Ceará é possível observar também, que alguns entrevistados já conseguem perceber sua própria interferência nos eventos de inundações no Complexo, ao reconhecer que a própria população acaba destinando seus resíduos inadequadamente, deixando-os nas ruas, contribuindo, assim, para o entupimento das galerias e agravamento dos episódios de inundações. Além disso, como afirma Alves; Torres (2006) é possível estabelecer uma relação entre proximidade de cursos d’água e carência de infraestrutura e serviços urbanos, consequentemente uma maior exposição aos riscos. Portanto, devido à falta do compromisso por parte do governo municipal, o bairro apresenta grandes déficits estruturais, o que acaba se tornando um agravante devido à localização da comunidade em área de várzea em proximidade com o rio, somada à ocorrência de eventos de grandes precipitações. Todos esses fatores em conjunto resulta em uma situação vulnerabilidade e exposição à riscos.

Além disso, perguntou-se aos entrevistados a quem eles atribuíam a responsabilidade pelos eventos de inundações. Foram identificadas três unidades de contexto, de ordem antrópica, política e natural, de acordo com a Tabela 4.

Tabela 4.

Responsáveis pelas inundações

UNIDADES DE CONTEXTO  SUBUNIDADES DE CONTEXTO  CITAÇÕES 
Antrópica  Moradores  Eu acho que os responsáveis, primeiro as pessoas que invadiram o lugar da maré, porque a classe pobre não tem pra onde ir vai avançando pra aqueles lugares mais pobres.Tem que ganhar a vida do jeito que a vida vem... Acho que os próprios moradores tem culpa, eles acabam entupindo os esgotos. 
PolíticaPrefeitura  Acho que é a prefeitura. Fizeram uma maquiagem de repente a água levou tudo e ficou desse jeito aí. 
Prefeita  Eu acho que é a prefeita, que diz que vai fazer o serviço e não faz. E muda de prefeito, vai mudando e não fazem. Fica esquecido aqui. 
Governo  Com certeza os governantes. Eles não fazem nada pela gente não.Só querem voto. 
Município  Acho que é o município, né? 
Trabalho mal feito  A prefeitura que fez o serviço mal feito
Natural  Chuva  É a chuva, né? 

A partir dessas respostas, percebem-se alguns sinônimos dentro da categoria de subunidade de contexto política onde se atribui a responsabilidade pela ocorrência das inundações aos governantes da esfera estadual e, principalmente municipal. É bastante evidente a insatisfação dos entrevistados quanto à negligência da prefeitura para os problemas recorrentes da comunidade Passo da Pátria. O grupo afirma, ainda, que quando alguma providência é tomada pela prefeitura os serviços realizados são mal feitos ou inacabados, como o projeto de urbanização realizado pela prefeitura em 2002 que, segundo os entrevistados, não foi suficiente para solucionar a situação da área, pois diversos problemas ainda persistem. Para Rocha et al. (2000), o processo de políticas públicas locais são deterioradas e excludentes e colabora para as vulnerabilidades e injustiças ambientais. Dessa forma, a não resolução de problemas frequentes são vistos como resultado da incapacidade do poder público (Lima e Roncaglio, 2001).

Além disso, alguns entrevistados atribuíram a responsabilidade pelas inundações aos próprios moradores, por ocuparem lugares impróprios para moradia e descartarem o lixo nas ruas, contribuindo para o agravamento das inundações. Aos que atribuem a responsabilidade à causas naturais, como a chuva, evidenciam a situação de aceitação passiva aos riscos a que estão submetidos (Souza e Zanella, 2009). Lima e Roncaglio (2001) expõem, também, que a degradação socioambiental urbana é percebida pelos indivíduos que estão, cada vez mais, conscientes que as alterações ambientais interferem, diretamente, em sua qualidade de vida. Porém, essa população, em sua maioria, ainda não associa que a apropriação indevida e a consequente degradação da natureza os privam de seus direitos mais elementares.

Outro assunto abordado foi sobre os motivos de escolha que levaram aos entrevistados optar por viver no Complexo Passo da Pátria. Sobre isso se tem a Tabela 5 a seguir.

Tabela 5.

Motivos para escolha da área

SUBUNIDADES DE CONTEXTO  CITAÇÕES 
Herança  Porque minha mãe morava aqui, aí ela faleceu e eu vim pra cá. 
Falta de opção  Foi aqui que eu consegui um lugar pra morar. Não tinha como ir pra outro canto, né? 
Topofilia  Aqui é um bairro bom. 
Casa doada  Porque eu não tinha uma casa ainda né. Não tinha condições de aluguel. Eu agradeço a ajuda que me deram essa casinha. 
Proximidade do trabalho  Eu vim pra Natal, e o cara que me trouxe trabalhava ali na base naval, aí comecei a trabalhar e me instalei aqui que é perto. 

Percebe-se então, que dentre os motivos citados estão aqueles que já nasceram na área e acabaram herdando a moradia dos pais, ou até mesmo ter vindo para a comunidade quando ainda criança. Entre aqueles que disseram morar na área por falta de opção estão os que disseram ter recebido a casa da prefeitura e não ter condições de pagar aluguel em lugares melhores. Há ainda os que afirmaram ter escolhido a comunidade devido à proximidade do trabalho e de outras áreas de concentração de serviços. Além disso, percebe-se, também, aquilo que Tuan (1983) chamou de topofilia, ou sentimento de pertencimento e afetividade do local de moradia. Verifica-se, portanto, que esse sentimento de afetividade é até contraditório quando se analisa que essa população reconhece os problemas e perigos da sua comunidade, porém esse sentimento de pertencimento e afetividade acaba se sobrepondo aos problemas que de certa forma são passíveis de resolução. Para Tuan (1980), o espaço em que vivemos resulta da soma entre experiências vividas e compartilhadas e isso nem sempre gera reflexão. Buttimer (1982) citado por Ribas et al. (2010) afirma que na vida cotidiana as pessoas não refletem e nem analisam criticamente sobre as perspectivas futuras o que explica o fato de algumas problemáticas locais não serem devidamente valorizadas e levadas em consideração.

Em contrapartida, também se perguntou ao grupo de moradores em questão quais motivos os levariam a mudar-se do Complexo Passo da Pátria, como demonstrado na Tabela 6 a seguir:

Tabela 6.

Motivos para deixar a área

MOTIVOS  CITAÇÕES 
Violência  Por causa dessa violência que tá demais. Recentemente mataram um e por causa de um vai morrer mais 5 e agente sabe quem são esses 5. Já tá previsto. O maior motivo que eu teria não é tanto a inundação não, é a violência que tá horrível, as drogas. 
Inundações e alagamentos  Essas inundações aqui, com certeza, porque é muito ruim, é muito sofrimento. 
Condições financeiras  Ah, se eu pudesse já tinha ido embora. Se desse pra eu pagar outra casa num canto melhor. 
Presença de animais e insetos  E muita barata, rato, moriçoca. 
Nada  Não saio daqui não, só saio daqui quando morrer. 

Um dos motivos citados, a violência é um fato que se observa em Natal, com maior ênfase, especialmente, nas áreas mais pobres da cidade. Como afirma Jacobi (2006), as áreas periféricas agregam inúmeras situações de risco, inclusive a problemática da violência relacionada à homicídios, tráfico de drogas, policiamento insuficiente e alta concentração de população de baixa renda. Essa problemática também é observada em outras capitais brasileiras a exemplo do estudo de Souza e Zanella (2009) na capital do estado do Ceará que apontou para resultados similares. Nessa problemática, segundo os entrevistados estão a ocorrência de uso de drogas, principalmente por jovens e adolescentes, além de roubos, furtos e homicídios na comunidade. Em seguida, apontaram-se os problemas relacionados às inundações e alagamentos que ocorrem frequentemente no local. Outro motivo seria a oportunidade de terem um lugar melhor para se viver o que na maioria dos casos não é possível devido às condições financeiras da população da comunidade. Além disso, a presença de ratos, baratas, mosquitos e outros vetores de doenças seria o motivo que os levaria a mudar do local. Tem-se, ainda os moradores que afirmaram que nada os faria mudar da comunidade, apesar de todos os problemas presentes na área. De acordo com Firey (2006) citado por Marandola Jr e Hogan (2009) em situações como essa não somente os aspectos racionais devem ser considerados como também os simbolismos e identidades construídas em torno dos lugares, que mesmo apresentando características de degradação social, econômica ou ambiental, mantém sua capacidade aglutinadora e atratora para a população.

Os entrevistados foram, ainda, questionados sobre que atitudes seriam adotadas por eles caso ocorresse alguma inundação que trouxesse prejuízos materiais ou prejuízos à integridade física de algum morador de sua residência. Identificou-se, portanto, dois grupos de unidades de contexto, como as atitudes tolerantes e atitudes intolerantes, como se pode observar na Tabela 7 abaixo.

Tabela 7.

Atitudes a serem tomadas em caso de prejuízos materiais ou à integridade física e saúde de membros da família em decorrência de inundações

UNIDADES DE CONTEXTO  SUBUNIDADES DE CONTEXTO  CITAÇÕES 
TolerânciaNada  Não tem o que fazer, não pode abandonar a casa
Aquisição de novos bens materiais  Começava a comprar as coisas de novo. 
Levar ao hospital  Aí eu teria que ver aí. Levava pro hospital e depois procurava a prefeitura pra saber o que poderia fazer em relação ao cidadão, né? 
Procurar a prefeitura/justiça  A gente procuraria a prefeitura, mas mesmo assim ela não dá jeito. Procurar na justiça né? Buscar meus direitos. 
Intolerância  Deixar o local  Claro que a gente sai, né? Não vai ficar. 

No grupo das atitudes tolerantes, destaca-se a ausência de atitudes. Essas respostas evidenciam tanto a falta de confiança nos órgãos responsáveis, como a prefeitura, quanto à passividade, acomodação e aceitação das pessoas diante das situações contínuas de risco a que estão expostos no Complexo Passo da Pátria. Ainda, no grupo de atitudes tolerantes têm-se as pessoas que afirmaram que buscariam seus direitos junto à prefeitura e à justiça o que demonstra que o grupo entrevistado ainda possui baixa capacidade de reivindicação dos seus direitos. Todas essas respostas mostram, de maneira geral, que perdas materiais ou humanas decorrentes de episódios de inundações na comunidade não são suficientes para fazer essa população atingir seu limiar segurança. Portanto, esse grupo continuaria vivendo na localidade, principalmente, devido às condições financeiras das famílias que não possibilita buscar alternativas mais seguras de moradias. Além disso, segundo Heemann e Hee-mann (2003), múltiplas valorações da natureza sempre conviveram lado a lado nas comunidades em função do contexto sociocultural e da história das pessoas. Estas diferenças acabam por influenciar o valor que damos aos fatos, inclusive aqueles que se configuram um problema. Sobre essas diferenças na interpretação dos eventos de risco, Evans (1994) explica que a interpretação tem natureza elástica, mudando temporalmente em resposta a grandes eventos destrutivos, pois tem natureza subjetiva e individual.

Já no grupo das atitudes intolerantes encontram-se pessoas que afirmam que deixariam a comunidade caso ocorresse episódios de inundação que trouxesse prejuízos de qualquer ordem à sua família, sendo este motivo o suficiente para que atingissem seu limiar segurança levando-os a procurar alternativas de moradias mais seguras. O limiar de segurança, de acordo com Souza e Zanella (2009) é influenciado pelo grau de perigo percebido além do valor material e afetivo daquilo que se perde em caso de acidentes. A cerca da percepção do perigo e limiar de segurança, Ribas et al. (2010) afirma que o cérebro interpreta os estímulos baseado em experiências vividas estabelece uma hierarquia de modo a que cada estímulo seja interpretado com base em experiências vividas, estabelecendo hierarquias. Dessa forma, as pessoas se acostumam com certas situações não desenvolvendo atitudes de repulsa ou de proteção. Além disso, mesmo que esse limiar seja atingido isso não implica, necessariamente, a mudança de comportamento, pois a mudança do local de moradia, por exemplo, exige a disponibilidade de recursos financeiros.

Perguntou-se, ainda sobre as ações realizadas por parte da prefeitura para reduzir os riscos de inundações na comunidade. Conforme mostra a Tabela 8 abaixo foram identificadas como unidades de contexto as medidas de caráter preventivas e posteriores aos eventos de inundações.

Tabela 8.

Medidas tomadas pela prefeitura para reduzir as inundações

UNIDADES DE CONTEXTO  SUBUNIDADES DE CONTEXTO  CITAÇÕES 
PreventivasNada  Nada. Não fez nada. Se tivesse feito não tava invadindo as casas de novo. 
Recuperar o bueirão  Tentaram consertar esse bueirão. Mas foi serviço mal feito, ficou foi pior. 
PosterioresEntrega de colchões  Colchão, colchão. Eles trazem uma carrada de colchão, pra não dormir no chão e pronto. 
Entrega de alimentos  Mandaram uns colchões bem fininho e deram nas primeiras semanas uma feirinha, mas 2 quilos de cada coisa, depois não deram mais nada. 
Entrega de lençóis  O que eles ainda fazem é dar colchão, lençol. Só isso. 

Dentro da categoria de ações preventivas tem-se que a prefeitura não realizou nenhuma obra para reduzir os episódios de inundação no Passo da Pátria. Os entrevistados sentem-se abandonados pela prefeitura, pois não vêem ações urbanísticas que tragam resultados urgentes em relação às frequentes inundações que ocorrem no local. Ainda nessa categoria foi citada a tentativa de recuperação do Canal do Baldo, chamado pelos moradores de bueirão. Porém, essa recuperação não se deu de for- ma efetiva, pois como já foi comentada, a obra não foi realizada satisfatoriamente, nem utilizado materiais adequados, o que levou a ruptura do canal e ao agravamento do problema das inundações no Passo da Pátria. Portanto, os problemas da periferia são negligenciados pelo poder público a partir do momento em que “a lógica econômica de eficiência e rentabilidade se sobrepõe à lógica do serviço público” (Habermann e Gouveia, 2008:1107).

Na categoria de ações posteriores foi citado que as atitudes tomadas pela prefeitura foram a entrega de colchões, lençóis e alimentos após o alagamento ter atingido a comunidade. Essas ações não deixam a população satisfeita, por serem ações momentâneas e pontuais que se restringem aos eventos de inundação. O que a população necessita, de fato, são obras que venham sanar, de vez, essa problemática, reduzindo-se, assim, os prejuízos e transtornos para a população.

Os entrevistados foram perguntados sobre a avaliação que fazem do trabalho da Prefeitura e da Defesa Civil no Complexo Passo da Pátria, como demonstrado na Tabela 9.

Tabela 9.

Avaliação do trabalho da Prefeitura e da Defesa Civil no Complexo Passo da Pátria

UNIDADE DE CONTEXTO  CITAÇÕES SOBRE A PREFEITURA  CITAÇÕES SOBRE A DEFESA CIVIL 
NegativoAqui tá péssimo. Aqui a gente não vê resultado de nada”  “Só vem quando a pessoa já tá morrendo afogado” 
“Parado, aqui tá parado, péssimo. A gente só sabe o que é prefeitura por aqui pela televisão”  “Quando a defesa civil chega já tá tudo inundado, enche de fita, diz que aqui não pode ficar e vai embora e a gente se quiser que se vire nos 30”. 
“Existe prefeitura? A prefeitura seria pra gente ter acesso. Todo mundo chegar lá e fazer sua reclamação à prefeita de preferência, cara a cara, olho a olho. Você fica falando com fulano que vai dizer a ciclano que talvez chegue à prefeita, e acredito que não chega não”.  “A defesa civil só vem aqui quando tá com problema. Ela não vem pra prevenir não. Ninguém não informa nada não. Eles vêm quando a coisa tá acontecendo” 

Percebe-se, portanto que todas as respostas fazem uma avaliação negativa do trabalho da prefeitura. Isso evidencia certa revolta e decepção dos moradores em relação à prefeitura. O grupo de moradores entrevistados sentem-se negligenciados pelo poder público em virtude dos inúmeros problemas presentes na localidade além da recorrência dos epi-sódios de inundações, o que poderia ser resolvido através de ações eficientes do governo municipal. Sobre isso, Lima e Roncaglio (2001) afirmam que a intensificação e recorrência de diversos problemas de ordem socioambiental trouxeram a concepção de incapacidade ou morosidade do setor público em responder positivamente às demandas por estrutura e serviços. Em relação ao trabalho da Defesa civil, este também não é visto positivamente, pois, segundo os mesmos, não é realizado um trabalho de prevenção.

Todavia, diante de toda a problemática da comunidade, quando questionados se costumam participar das discussões sobre os problemas da localidade, doze entrevistados afirmaram não participar dessas discussões. As oito pessoas que disseram participar das discussões afirmaram o fazer na associação de moradores da comunidade. Isso evidencia que a maioria dos entrevistados, apesar de reconhecer toda a problemática de sua comunidade, não se sente responsável e nem vê como pode contribuir para a resolução de seus problemas, deixando essa responsabilidade apenas para o poder público. Sobre isso, Jacobi (2006) ressalta que o fato de a população apontar o poder público como o responsável por solucionar os problemas representa a desinformação e baixo nível de consciência ambiental, além de falta de incentivo comunitário à participação e envolvimento dos cidadãos na gestão das cidades.

Considerações finais

Através deste estudo pode-se concluir que a população do Complexo Passo da Pátria está exposta a um alto grau de vulnerabilidade e riscos, pois grande parte dos entrevistados já passou pela experiência de serem atingidos por inundações. Além disso, essa população reconhece a frequência das inundações e o perigo a que estão expostos. Na sua maioria, a responsabilidade pelas inundações é atribuída aos governantes, principalmente da esfera municipal, o que evidencia uma grande insatisfação da população quanto ao posicionamento da prefeitura para os problemas recorrentes da comunidade Passo da Pátria. Apesar de todos esses inconvenientes, de maneira geral, essa população desenvolveu um sentimento de pertencimento com a localidade o que, somado à carência financeira os fariam continuar a viver na área, apesar de todos os problemas e perigos reconhecidos pelos entrevistados. Para tanto, essa população desenvolveu algumas estratégias para convivência com os riscos iminentes de inundações.

Portanto, a avaliação de riscos com ênfase na abordagem perceptiva confirma essa investigação como um instrumento de grande valia nos estudos sobre riscos ambientais. Isso porque, através dessa abordagem é possível ter um maior entendimento das relações entre homem e meio ambiente além de se ter uma análise mais complexa de como a comunidade interpreta o ambiente em que vive e de como ela se comporta diante de situações de riscos. Dessa forma é possível oferecer subsídios ao planejamento e gestão urbana na implantação de medidas preventivas eficazes e compatíveis com os anseios da população.

Agradecimentos

Agradecemos ao cnpq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico por financiar esta pesquisa.

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