Os tumores de glândulas salivares formam um grupo muito heterogêneo de lesões. De acordo com a classificação histológica publicada pela OMS em 2005, dez tipos benignos e 24 tipos malignos de tumores das glândulas salivares podem ser distinguidos. Todas essas lesões são relativamente raras e representam apenas 3 a 4% dos tumores de cabeça e pescoço. Cerca de 80% delas ocorrem na glândula parótida e, geralmente, apresentam‐se como uma lesão parotídea única.1 Neoplasias unilaterais da parótida são muito raras e, geralmente, têm o mesmo tipo histológico. O tipo mais comum é o tumor de Warthin (6 a 12% de todos os adenolinfomas).2 A coexistência de tumores de diferentes tipos histológicos na mesmo glândula parótida constitui menos de 0,3% de todos os neoplasmas das glândulas salivares.3 A combinação histológica mais comum é o tumor de Warthin e o adenoma pleomórfico. Duas neoplasias unilaterais de parótida diferentes podem ser metacrônicas ou síncronas. No entanto, mesmo quando ocorre mais de um tumor ao mesmo tempo, esses devem ser distintos dos tumores híbridos, nos quais podemos encontrar dois ou mais tipos histológicos diferentes de neoplasias de origem idêntica no mesmo tecido.4
Os tumores síncronos benignos e malignos da glândula parótida ipsilateral são um fenômeno extremamente raro. Sua descrição foi feita pela primeira vez por Tanaka, em 1953, como um carcinoma mucoepidermoide associado ao tumor de Warthin.5 De acordo com nossa pesquisa, não há um caso na literatura que relate a ocorrência de um tumor que consista em carcinoma ex‐adenoma pleomorfo e tumor de Warthin, o qual relatamos no presente trabalho.
Relato de casoPaciente do sexo masculino, 61 anos, procurou‐nos com história de massa sólida em parótida esquerda, apresentava crescimento por dez anos. Durante o exame clínico, uma massa firme e móvel era evidente, sem alterações na pele sobrejacente. O diâmetro da lesão era de 4cm. Não apresentava paralisia do nervo facial ou linfadenopatia (fig. 1).
A tomografia computadorizada (TC) revelou uma massa heterogeneamente contrastada na parótida esquerda, media 57×40×27 milímetros, envolvia ambos os lóbulos da glândula (fig. 2). Não havia evidência de alterações osteolíticas nos ossos da mandíbula. Além disso, invasões do músculo masseter ou do espaço parafaríngeo não foram observadas. Alguns nodos linfáticos de 15 a 19mm nos espaços retro e submandibulares foram descritos. A punção aspirativa por agulha fina confirmou adenoma pleomórfico. O paciente foi submetido a tratamento cirúrgico que envolveu parotidectomia subtotal esquerda. A ressecção em bloco do tumor foi obtida com excisão do lobo superficial. O nervo facial foi preservado. Macroscopicamente, a massa era revestida, sólida e amarelada, com um cisto (1,5cm de diâmetro) na parte marginal. Microscopicamente, incluía três padrões morfológicos diferentes (fig. 3). Adenoma pleomorfo era o componente dominante. Dentro dos tecidos, células atípicas de carcinoma ex‐adenoma pleomorfo foram encontradas. A parte marginal da massa sólida incluía células do tumor de Warthin. As margens cirúrgicas estavam livres de neoplasia.
Devido ao achado histopatológico no pós‐operatório de componentes de malignidade do tumor, uma reoperação do paciente foi proposta, envolvia a remoção do lobo profundo da glândula parótida e esvaziamento cervical eletivo dos grupos de linfonodos cervicais I e II. O paciente não assinou o termo de consentimento para nova intervenção cirúrgica. Portanto, embora a TC não tenha indicado a presença de linfonodos positivos, o paciente foi encaminhado para tratamento com radiação. Após cinco anos, sinais de recidiva não foram revelados durante o acompanhamento.
DiscussãoMúltiplos tumores de glândulas salivares são ocasionalmente observados e respondem por 1,7 a 5% das lesões da parótida. A maior parte desse fenômeno pertence ao mesmo tipo histológico de tumores, o tumor de Warthin é o mais comum. O adenoma pleomórfico multifocal ocorre muito raramente.6,7 Os tumores síncronos de parótida de diferentes histologias respondem por menos de 0,3% de todas as neoplasias das glândulas salivares. A combinação mais comum é o tumor de Warthin e o adenoma pleomórfico.3 Os tumores benignos e malignos da glândula parótida ipsilateral são extremamente raros. Desde que Tanaka relatou pela primeira vez o caso de coexistência bilateral do tumor de Warthin e carcinoma mucoepidermoide, apenas 25 estudos relataram a incidência de tumores unilaterais síncronos da região da parótida ou periparotídea.5
De acordo com relatos anteriores, esse tipo de lesão é mais comumente observado em pacientes do sexo masculino, com razão homem/mulher de 1,3/1. A mediana de idade dos pacientes era de 66 anos, e média de 64,1 anos, o que é quase uma década posterior àquela da incidência de doenças malignas em glândulas salivares em geral.1 O tumor de Warthin foi a neoplasia benigna mais comumente descrita (22 de 38 casos); o adenoma pleomórfico foi descrito com menos frequência (11 de 38 casos). Houve casos isolados de outros tumores benignos, como linfadenoma sebáceo, oncocitoma e mioepitelioma. Os componentes de malignidade mais frequentemente observados foram o carcinoma mucoepidermoide (11 de 38 casos) e o carcinoma de células acinares (oito de 38 casos). Assim, a combinação histológica mais popular de neoplasias foi o tumor de Warthin e o carcinoma mucoepidermoide (nove de 38 casos) (tabela 1).3,5‐28
Resumo dos estudos de tumores síncronos unilaterais benignos e malignos de glândula parótida
Autor | Ano | Tumor benigno | Tumor maligno | Idade | Gênero |
---|---|---|---|---|---|
Nosso caso | 2015 | Tumor de Warthin | Carcinoma ex‐adenoma pleomorfo | 61 | M |
Jin J8 | 2011 | Adenoma pleomorfo | Carcinoma linfoepitelial | SD | SD |
Srivastava S9 | 2009 | Tumor de Warthin | Carcinoma mucoepidermoide | 52 | M |
Roh JL10 | 2007 | Tumor de Warthin | Adenocarcinoma | 71 | M |
Tanaka S11 | 2007 | Tumor de Warthin+adenoma pleomorfo | Carcinoma de ducto salivar | 67 | M |
Ethunandan M6 | 2006 | Tumor de Warthin | Carcinoma de células acinares | SD | SD |
Bień S12 | 2006 | Adenoma pleomorfo | Adenocarcinoma | 51 | M |
Adenoma pleomorfo | Adenocarcinoma | 66 | M | ||
Adenoma pleomorfo | Carcinoma de ducto salivar | 72 | F | ||
Azua‐Romeo J13 | 2005 | Oncocitoma | Carcinoma de células acinares | 77 | M |
Yu G.‐Y7 | 2004 | Tumor de Warthin | Carcinoma de células escamosas | SD | SD |
Zeegregts CJ2 | 2003 | Adenoma pleomorfo | Carcinoma de células acinares | SD | SD |
Shukla M14 | 2003 | Linfadenoma sebáceo | Carcinoma de células escamosas | 68 | F |
Curry JL15 | 2002 | Adenoma pleomorfo | Carcinoma de ducto salivar | 67 | F |
Tumor de Warthin | Carcinoma mucoepidermoide | 51 | F | ||
Mayorga M16 | 1999 | Linfadenoma sebáceo | Carcinoma de células acinares | 78 | F |
Misselevich I17 | 1997 | Adenoma pleomorfo | Carcinoma de células acinares | 44 | F |
Seifert G18 | 1997 | Tumor de Warthin | Carcinoma mucoepidermoide | 73 | M |
Hanada T19 | 1995 | Mioepitelioma | Carcinoma adenoide cístico | 71 | F |
Gnepp DR3 | 1989 | Tumor de Warthin | Carcinoma mucoepidermoide | 60 | M |
Tumor de Warthin | Carcinoma de células acinares | 84 | M | ||
Tumor de Warthin | Carcinoma de células acinares | 56 | M | ||
Tumor de Warthin | Adenocarcinoma ductal | 69 | M | ||
Tumor de Warthin | Carcinoma adenoide cístico | 66 | M | ||
Janecka IP20 | 1983 | Adenoma pleomorfo | Carcinoma mucoepidermoide | 45 | F |
Tumor de Warthin | Adenocarcinoma | 64 | M | ||
Tumor de Warthin | Carcinoma mucoepidermoide | 58 | M | ||
Volmer J21 | 1982 | Tumor de Warthin | Carcinoma de células escamosas | 85 | F |
Pontilena N22 | 1979 | Adenoma pleomorfo | Carcinoma mucoepidermoide | 45 | F |
Bab IA23 | 1979 | Adenoma de células sebáceas | Carcinoma adenoide cístico | 6a década | F |
Oncocitoma | Carcinoma ex‐adenoma pleomorfo | 6a década | F | ||
Bird RJ24 | 1979 | Tumor de Warthin | Carcinoma de células acinares | SD | SD |
Gadient SE25 | 1975 | Tumor de Warthin | Carcinoma mucoepidermoide | 60 | M |
Iannaccone P26 | 1975 | Tumor de Warthin | Carcinoma mucoepidermoide | 70 | F |
Lumerman H27 | 1975 | Tumor de Warthin | Carcinoma mucoepidermoide | 65 | M |
Turnbul AD28 | 1969 | Tumor de Warthin | Carcinoma ex‐adenoma pleomorfo | SD | SD |
Adenoma pleomorfo | Adenocarcinoma | SD | SD | ||
Tanaka N5 | 1953 | Tumor de Warthin | Carcinoma mucoepidermoide | SD | SD |
SD, sem dados.
Este artigo é o primeiro a apresentar um estudo aprofundado de um caso raro da coexistência de tumor de Warthin e carcinoma ex‐adenoma pleomorfo na mesma glândula salivar. Apenas uma ocorrência desse tipo foi circunstancialmente mencionada, sem qualquer estudo ou análise, na literatura de língua inglesa, na década de 1960.12,28 A ocorrência de carcinoma ex‐adenoma pleomorfo em nosso paciente é típica para esse tipo de malignidade (sexta a sétima décadas de vida), o que pode sugerir que a concomitância síncrona do tumor de Warthin tenha sido coincidência, e a condição inicial, uma combinação mais comum de tumores histologicamente diferentes – adenoma pleomorfo e tumor de Warthin. A etiologia do carcinoma ex‐adenoma pleomorfo está associado ao acúmulo de instabilidades genéticas em adenomas pleomorfos de longa data; portanto, como no presente caso, o tumor primário esteve presente durante muitos anos, pode ter sido importante para o processo de malignização.1,6,7 Embora existam alguns dados sobre a incidência de múltiplos tumores de parótida após a radioterapia, o paciente não tinha histórico de radiação anterior.12
Neste caso, o exame clínico, a investigação por imagem e a biópsia por agulha fina foram ineficazes. Embora nenhum tipo particular de investigação radiológica tenha sido definido para a detecção de tumores unilaterais de parótida, a combinação de ultrassonografia e ressonância magnética parece ter as melhores taxas de eficácia para diferenciar lesões malignas de benignas.29 A citologia aspirativa por agulha fina é crucial na avaliação de tumores da parótida. Porém, seu papel, em caso de tumor síncrono unilateral, é controverso.30
Estudos anteriores deduziram que o tratamento e a taxa de sobrevida antecipada devem ser análogos para os casos de neoplasias malignas do mesmo tipo histológico. A cirurgia é o padrão‐ouro no tratamento desses tipos de lesões. A presença de um tumor maligno pode exigir uma abordagem mais agressiva; portanto, a depender da natureza e da localização do tumor, uma parotidectomia total ou subtotal é indicada.6 A biópsia intraoperatória de congelação pode acrescentar informações importantes, que seriam capazes de alterar o manejo e melhorar o resultado final do tratamento. Nosso caso parece confirmar que o uso rotineiro desse exame pode ter influenciado na extensão do tratamento cirúrgico quanto a parotidectomia total e remoção eletiva dos linfonodos nos níveis I e II. Assim, a reoperação não seria necessária.31
A radioterapia adjuvante é altamente recomendada para malignidades de alto grau, como o carcinoma ex‐adenoma pleomorfo, devido ao alto risco de recorrência locorregional. Como, neste caso, o tratamento cirúrgico não foi o ideal, o paciente foi qualificado para a terapia de radiação, para minimizar o risco de propagação microscópica subclínica da doença.32
ConclusãoMúltiplos tumores síncronos unilaterais de parótida podem causar discrepâncias significativas entre o prognóstico histopatológico preliminar e definitivo, especialmente quando a avaliação clínica e a citologia aspirativa por agulha fina no pré‐operatório não indicam a presença de dois tumores diferentes em uma glândula. A consciência da coexistência de lesões benignas e malignas na glândula parótida ipsilateral deve aumentar a vigilância clínica no processo de avaliação de uma massa parotídea.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Ochal‐Choińska A, Bruzgielewicz A, Osuch‐Wójcikiewicz E. Synchronous multiple unilateral parotid gland tumors of benign and malignant histological types: case report and literature review. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85:388–92.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.