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Vol. 28. Núm. 1.
Páginas 18-23 (Enero - Abril 2013)
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Características de homens e mulheres que buscam tratamento para infertilidade em serviço público de saúde
Characteristics of men and women seeking infertility treatment in a public health service
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Silvia M. Obana Gradvohla,b, Maria José Duarte Osisa,c,
Autor para correspondencia
mjosis@cemicamp.org.br

Autor para correspondência.
, Maria Y. Makucha,c
a Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil
b Universidade São Francisco, Itatiba, SP, Brasil
c Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (CEMICAMP), Campinas, SP, Brasil
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Tabela 1. Características de homens e mulheres que buscavam tratamento para infertilidade no Ambulatório de Reprodução Humana/UNICAMP (2009/2010)
Resumo
Objetivo

caracterizar a população que busca tratamento para infertilidade em um serviço público de saúde.

Método

estudo descritivo com 101 homens e 101 mulheres que se consultavam pela primeira vez em ambulatório de reprodução humana de hospital universitário. Informações socioeconômicas e sobre a infertilidade foram coletadas por meio de entrevista única, com questionário estruturado.

Resultados

a maior parte das pessoas tinha entre 25 e 35 anos, no máximo nível médio de escolaridade completo, renda per capita familiar entre um e três salários mínimos, declarou ser casada havia mais de cinco anos e que apresentava o problema de infertilidade havia dois anos ou mais. Um pouco menos da metade afirmou nunca ter feito tratamento para infertilidade. Houve diferença significativa entre homens e mulheres quanto a idade, união anterior, trabalho remunerado, tratamento anterior para engravidar, quem tinha o problema para engravidar e ter filhos de uma união anterior.

Conclusões

as pessoas chegam ao serviço depois de um tempo relativamente longo de infertilidade. Especificamente as mulheres já chegam com idade que, muitas vezes, inviabiliza sua admissão para tratamento em vista das normas dos serviços. É preciso desenvolver estratégias para facilitar o acesso a esses serviços, para que sejam respeitados os direitos reprodutivos.

Palavras-chave:
Infertilidade
Epidemiologia descritiva
Serviços de saúde
Acesso a serviços de saúde
Abstract
Objective

to characterize the population seeking infertility treatment at a public health service.

Method

it was carried out a descriptive study with 101 men and 101 women who were consulting for the first time in a human reproduction outpatient clinic at an university hospital. A structured questionnaire was used to collect information on subjects’ socioeconomic characteristics and infertility problem.

Results

the most of the subjects were 25-35 years old, have at most medium level of scholarship, familiar per capita income between one to three minimum salaries, they declared they were married for more than five years and that they had the infertility problem for two years or more. A little less than half said they had never had treatment for infertility. There was a significant difference between men and women regarding age, previous marriage, paid work, previous infertility treatment, who had the infertility problem, and have children from a previous union.

Conclusions

people come to the clinic after a long period of infertility. Specifically women are already at an age that often precludes admission for treatment in view of the standards of services. It is necessary to develop strategies to facilitate access to these services for reproductive rights.

Keywords:
Infertility
Descriptive epidemiology
Health services
Health services accessibility
Texto completo
Introdução

Atualmente, estima-se que aproximadamente 8% a 15% dos casais em idade reprodutiva no mundo encontrem dificuldade para a concepção de um filho.1 No Brasil, estima-se que existam 51,2 milhões de mulheres em idade reprodutiva, o que proporcionalmente sinaliza que existem de 4 milhões a 7,68 milhões de mulheres inférteis.2

Homens e mulheres inférteis buscam tratamentos que podem envolver desde procedimentos simples até os mais complexos, como as intervenções cirúrgicas e as técnicas de reprodução assistida (TRAs). A garantia de acesso das pessoas a esses tratamentos, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), é uma das metas a serem atingidas até 2015 por diversos países, entre eles o Brasil.3

A Constituição da República Federativa do Brasil (1988)4 reconhece que o planejamento familiar é direito de todo cidadão, assim como a assistência à concepção na rede do Sistema Único de Saúde (SUS), dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde (§ 7° do art. 226da Constituição, Incisos 1° e 3°). O mesmo documento garante até o acesso dos brasileiros a “todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção” (§ 7° do art. 226da Constituição Federal, Incisos 1° e 3°).

Estudo brasileiro revelou, entretanto, que a realidade nacional encontra-se distante de atingir tais metas. Em nosso país, os casais inférteis que buscam o apoio do serviço público para seu problema enfrentam, inicialmente, longas filas de espera até ser admitidos nos programas de tratamento e quando finalmente são admitidos precisam arcar com os custos, geralmente inacessíveis para grande parte da população, dos medicamentos ou de uma taxa para cobertura dos custos operacionais e de suprimentos.5

Em vista disso, percebe-se que os esforços para o acesso dos casais brasileiros aos tratamentos de infertilidade são insuficientes, principalmente por causa da falta de compromisso político em relação a essa situação.5 Por outro lado, é insuficiente também o número de estudos voltados para dados nacionais de prevalência da infertilidade,5 os quais, segundo Nygren (2008),6 são essenciais para configurar adequadamente os serviços de reprodução, pois conseguem identificar informações importantes para o planejamento de serviços de saúde que visam a atender as pessoas com dificuldades para obter uma gravidez. No mesmo sentido, ainda pouco se sabe sobre as caraterísticas de homens e mulheres que procuram serviços de infertilidade, o que também é preciso conhecer para melhor adequar os serviços às necessidades da clientela.

O objetivo do presente estudo foi caracterizar a população que busca atendimento em um ambulatório de infertilidade de uma universidade pública, um dos poucos centros de referência de atendimento gratuito para infertilidade na região em que está localizado.

Método

Os dados usados para as análises apresentadas neste artigo foram extraídos do banco de dados de um estudo mais amplo feito com 101 homens e 101 mulheres que procuraram tratamento para infertilidade, de outubro de 2009 a março de 2010, no Ambulatório de Reprodução Humana do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Esse ambulatório é referência para a região metropolitana de Campinas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e oferece procedimentos especializados ambulatoriais, como biópsias do endométrio e tratamento de estímulo da ovulação.

O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP (Parecer 050/09) e todos(as) os(as) participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O convite para participar do estudo foi feito pela pesquisadora responsável na sala de espera do referido ambulatório. Os dados foram coletados por meio de entrevista única, que usou um questionário estruturado para a caracterização dos sujeitos, por meio de informações socioeconômicas e da infertilidade. Foram coletados dados sobre sexo, idade, escolaridade, estado marital, tempo de união conjugal, união anterior, renda per capita familiar, trabalho remunerado, local onde exercia o trabalho remunerado, prática de religião, importância da religião para lidar com a infertilidade, ter filhos, tempo de infertilidade, ter feito tratamentos para engravidar, ter conhecimento do motivo da dificuldade para obter a gravidez, existência de plano de adoção, pessoas que sabiam da dificuldade para engravidar e qualidade do relacionamento conjugal.

Após a coleta de informações, os dados foram inseridos no Programa Epi-Info 3.61. O teste usado para a análise da significância dos resultados foi o qui-quadrado, considerando p<0,05.

Resultados

Os resultados apresentados na tabela 1 indicam que a maior proporção de homens (67,3%) e mulheres (76,2%) que estavam buscando tratamento para infertilidade apresentava entre 25 e 35 anos e afirmou ser casada (71,8%). Pouco mais de um quarto da amostra (25,7%) afirmou já ter vivido outra união conjugal anterior à atual, 64,3% disseram que a união atual já durava mais de cinco anos e 86,1% relataram enfrentar o problema de infertilidade havia dois anos ou mais. Pouco mais de um quarto das mulheres (27,7%) e 16,8% dos homens afirmou já ter filhos de uma união anterior. Cerca de um quarto dos participantes (25,7%) tinha apenas o ensino fundamental, os demais haviam concluído o ensino médio ou o superior. Quase todos os participantes tinham trabalho remunerado (88,1%). Mais da metade (66,3%) das pessoas tinha renda per capita familiar entre um e três salários mínimos. A metade (50,5%) dos entrevistados afirmou ser católica e 29,7% disseram ser evangélicos. Quase todos os participantes (95,5%) afirmaram que a religião era importante para o enfrentamento da infertilidade. Um pouco menos da metade (42,1%) afirmou nunca ter feito tratamento para infertilidade. Em relação a quem tinha o problema para engravidar, quase metade das mulheres (48,5%) afirmou que eram elas próprias, enquanto apenas 14,9% dos homens disseram que eram eles. Quase todas as pessoas (84,1%) afirmaram considerar que seu relacionamento conjugal era ótimo. Somente 7,4% dos participantes afirmaram que ninguém, além do próprio casal, sabia do problema da infertilidade. Cerca de dois terços dos entrevistados (67,3%) afirmaram pensar em adoção, caso a gravidez não ocorresse.

Tabela 1.

Características de homens e mulheres que buscavam tratamento para infertilidade no Ambulatório de Reprodução Humana/UNICAMP (2009/2010)

Variáveis  MulheresHomensTotalp valor 
   
Idade (anos)              0,002 
Maior do que 18 a 24  11  10,9  3,0  14  6,9   
De 25 a 35  77  76,2  68  67,3  145  71,8   
35 ou mais  13  12,9  30  29,7  43  21,3   
Estado marital              0,276 
Casado  69  68,3  76  75,2  145  71,8   
Vive junto  32  31,7  25  24,8  57  28,2   
União anterior              0,024 
Sim  33  32,7  19  18,8  52  25,7   
Não  68  67,3  82  81,2  150  74,3   
Tempo de união conjugal
Menor do que 24 meses  4,0  2,0  3,0   
De 24 a 59 meses  36  35,6  30  29,7  66  32,7   
60 meses ou mais  61  60,4  69  68,3  130  64,3   
Tempo de infertilidade              0,242 
Menor do que 24 meses  12  11,9  16  15,8  28  13,9   
De 24 a 59 meses  58  57,4  41  40,6  99  49,0   
60 meses ou mais  31  30,7  44  43,6  75  37,1   
Escolaridade              0,427 
Ensino fundamental  22  21,8  30  29,7  52  25,7   
Ensino médio  57  56,4  41  40,6  98  48,5   
Ensino superior  22  21,8  30  29,7  52  25,8   
Trabalho remunerado              0,008 
Sim  83  82,2  95  94,1  178  88,1   
Não  18  17,8  5,9  24  11,9   
Renda per capita              0,262 
< 1 SM  27  26,7  14  13,9  41  20,3   
Entre 1 e 3 SM  63  62,4  71  70,3  134  66,3   
> 3 SM  11  10,9  16  15,8  27  13,4   
Religião praticada              0,762 
Católica  48  47,5  54  53,5  102  50,5   
Protestante  6,9  5,0  12  5,9   
Espírita  5,9  3,0  4,5   
Umbandista  0,0  2,0  1,0   
Evangélica  32  31,7  28  27,7  60  29,7   
Outra religião  5,0  2,0  3,5   
Nenhuma  3,0  6,9  10  5,0   
Importância da religião para lidar com a infertilidade              0,639 
Importante  94  93,1  99  98,0  193  95,5   
Pouco importante  6,9  2,0  4,5   
Tratamento para infertilidade              0,017 
Sim  40  39,6  7,9  48  23,8   
Parceiro (a) fez  4,0  24  23,8  28  13,9   
Ambos fizemos  13  12,9  28  27,7  41  20,3   
Não  44  43,6  41  40,6  85  42,1   
Problema para engravidar              0,008 
Eu não sei  34  33,7  34  33,7  68  33,7   
Eu tenho  49  48,5  15  14,9  64  31,7   
Parceiro(a) tem  8,9  40  39,6  49  24,3   
Ambos temos  8,9  12  11,9  21  10,4   
Qualidade do relacionamento conjugal              0,675 
Ótimo  85  84,2  86  85,1  171  84,7   
Regular  16  15,8  15  14,9  31  15,3   
Alguém sabe do problema para engravidar?              0,789 
Sim  94  93,1  93  92,1  187  92,6   
Não  6,9  7,9  15  7,4   
Pensa em adoção, caso não ocorra gravidez              0,909 
Sim  65  64,4  71  70,3  136  67,3   
Não  36  35,6  30  29,7  66  32,7   
Ter filhos              0,041 
Sim  28  27,7  17  16,8  45  22,3   
Não  73  72,3  84  83,2  157  77,7   

Observou-se diferença significativa entre homens e mulheres quanto à idade: as mulheres eram mais novas (média=30,5 anos; DP=4,06) do que os homens (média=32,7; DP=5,79). Também houve diferença significativa quanto a já ter vivido união anterior, o que foi mais frequente entre as mulheres (33%) do que entre os homens (18,8%). Por outro lado, foi maior a porcentagem de homens (94,1%) que referiram ter trabalho remunerado se comparados com as mulheres (82,2%). Também foi estatisticamente significativa a diferença entre homens e mulheres que afirmaram já ter feito tratamento para engravidar. A proporção de mulheres (39,6%) era quase cinco vezes maior do que a de homens (7,9%). De forma semelhante, foi quase três vezes maior a proporção de mulheres (48,5%) que afirmaram ter o problema para engravidar em comparação com os homens (14,9%) que assim se posicionaram. Por fim, também foi significativa a diferença encontrada entre homens e mulheres que afirmaram ter filhos de uma união anterior: 27,7% de mulheres em comparação com 16,8% de homens (tabela 1).

Discussão

Este trabalho permitiu caracterizar as pessoas que buscavam tratamento para infertilidade em um serviço público de saúde de Campinas, interior de São Paulo, entre 2009/2010. Em geral, as características apontadas em nosso estudo não foram muito diferentes das observadas em outras pesquisas7–10 feitas em outros locais no Brasil. Dessa forma, acreditamos que evidenciar e discutir essas características pode ser útil para melhorar o atendimento disponível nos serviços públicos de saúde para as pessoas que buscam tratamento para infertilidade.

A média de idade das mulheres que participaram do estudo esteve em torno dos 30 anos, o que significa que já estavam iniciando uma fase da vida reprodutiva em que se considera haver redução da fertilidade.11 Em relação a isso é preciso considerar que no Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, observa-se uma tendência de postergar a gravidez na trajetória de vida, por causa da mudança de hábitos e das expectativas pessoais e profissionais das mulheres.12

Isso é relevante na medida em que, algumas vezes, quando se detecta um fator feminino de infertilidade pode haver pouco tempo para fazer o tratamento adequado e obter a gravidez. Isso se dá, principalmente, se considerarmos que o tempo de espera para o acesso aos tratamentos pode levar até seis anos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e que os serviços públicos, em geral, parecem ter restrições ao acesso das mulheres acima de uma determinada idade às técnicas de reprodução assistida por considerarem que têm menores chances de engravidar.13

Também chama atenção o fato de que cerca de 40% de todas as pessoas entrevistadas referiram nunca ter feito nenhum tratamento para infertilidade, embora a maioria já experimentasse dificuldade para engravidar havia dois anos ou mais. Outros dois estudos8,9 também encontraram que os casais inférteis referiram de 3,7 a seis anos de espera de gravidez antes do tratamento. Isso também pode refletir as dificuldades de acesso ao atendimento especializado desses casos no âmbito dos serviços públicos de saúde.

Estudo recente apontou que em todo o Brasil só foi identificado um serviço, na Região Sudeste, que provia o atendimento completo aos casos de infertilidade, incluindo TRAs se necessárias, sem custo para as pessoas. Nos demais serviços, quando se ofereciam TRAs, era necessário que os casais custeassem o gasto com medicamentos, que estava em torno de 8,2 salários mínimos.5,13 Isso, por certo, é inacessível para a maior parte das pessoas que buscam os serviços públicos de saúde para tratamento da infertilidade. Por exemplo, pelo que se evidenciou em nosso estudo, a maioria (66,3%) das pessoas referiu renda familiar per capita entre um e três salários mínimos, considerada alta quando comparada à maioria da população brasileira,14 mas insuficiente para custear um tratamento tão caro.

Outro aspecto que deve ser considerado é que se observou que a maioria (88,1%) das pessoas participantes exercia trabalho remunerado. Isso pode, por um lado, facilitar o acesso ao custeio do tratamento, mas também pode ser um complicador, visto que para fazer o tratamento as pessoas precisarão faltar ao trabalho e terão de justificar a ausência e, com isso, revelar a infertilidade, o que nem sempre é fácil de ser compartilhado. Por outro lado, a infertilidade nem sempre é reconhecida como doença.

Já ter vivido uma união anterior foi mais frequente entre as mulheres da amostra estudada do que entre os homens, bem como o fato de já ter filhos. Correa (2007),7 ao avaliar a clientela de pacientes atendidos pelo SUS em um ambulatório na região do ABC em São Paulo, também observou que era superior a proporção de mulheres (38,5%) que afirmaram já ter filhos, em comparação com os homens (18,5%).

Isso pode sinalizar que muitas mulheres buscam o tratamento para realizar um desejo do novo parceiro, que, muitas vezes, ainda não foi pai. Estudo brasileiro15 encontrou que mulheres nessa condição veem a paternidade como uma forma de presentear o novo parceiro, além de temerem perdê-lo, caso não consigam lhe dar um filho. Essa atitude das mulheres reflete as relações de gênero ainda predominantes na sociedade brasileira, bem como o fato de que foi mais frequente as mulheres assumirem a responsabilidade pela dificuldade de engravidar do que os homens.

Embora nosso estudo não permita identificar se o fator de infertilidade era masculino ou feminino, salienta-se que existe a tendência de as mulheres tomarem para si a responsabilidade da procriação e, consequentemente, também da infertilidade. Isso tem sido apontado em outros estudos16,17 que enfatizam a vinculação entre essa atitude das mulheres e os papéis de gênero que lhes são atribuídos em nossa sociedade. De forma semelhante, são as mulheres que primeiro buscam a investigação e o tratamento da infertilidade, porque é no corpo feminino que os resultados fracassados de gravidez são expressos.18 Isso se verificou também em nosso estudo, uma vez que foi maior o número de mulheres do que de homens que afirmou já ter feito tratamento anterior antes de chegar ao ambulatório universitário.

Nosso estudo também encontrou alta proporção de homens e mulheres que afirmaram a intenção de adotar, caso o tratamento falhasse. Entretanto, sabe-se que nem sempre isso perdura no decorrer do tratamento.19 Portanto, os serviços devem estar preparados para lidar com a reação das pessoas diante do fracasso das tentativas de gravidez, a despeito da suposta intenção de adoção expressa inicialmente.

Embora o presente estudo tenha a limitação de ter abordado a clientela de apenas um serviço público que oferece atendimento a casos de infertilidade, a concordância de nossos resultados com outros poucos estudos similares e a carência de serviços desse tipo no país5 permitem pensar que os resultados aqui discutidos são úteis para traçar um perfil das pessoas que buscam tratamento para infertilidade no contexto do SUS.

A propósito disso, chama atenção que as pessoas entrevistadas tinham um perfil socioeconômico mais elevado do que a maioria dos usuários do SUS.20 Isso suscita questionamentos sobre o acesso ao tratamento da infertilidade das pessoas com piores condições socioeconômicas que, provavelmente, não conseguem chegar aos serviços especializados. É preciso desenvolver estratégias para facilitar o acesso a esses serviços, para que sejam respeitados os direitos reprodutivos e que, de fato, as políticas públicas de saúde no Brasil consigam atuar para superar a desigualdade socioeconômica e de gênero que está relacionada ao tratamento da infertilidade.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
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Trabalho desenvolvido no Programa de Pós-graduação do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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