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Inicio Revista Portuguesa de Saúde Pública A magnitude financeira dos eventos adversos em hospitais no Brasil
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Vol. Tematico. Issue 10.
Pages 74-80 (November 2010)
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Vol. Tematico. Issue 10.
Pages 74-80 (November 2010)
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A magnitude financeira dos eventos adversos em hospitais no Brasil
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Silvia Portoa, Mônica Martinsa, Walter Mendesa, Claudia Travassosb
a Departamento de Administração e Planejamento em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, Brasil
b Laboratório de Informações em Saúde — Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, Brasil
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Tabela 1. - Características da população de estudo
Tabela 2. - Valor financeiro, tempo médio de permanência e ocorrência de evento adverso (EA)
Tabela 3. - Estimativa do impacto da ocorrência do evento adverso (EA) sobre os dias de permanência hospitalar
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Objetivo: Estimar o volume de recursos financeiros gastos com pacientes com Eventos Adversos em hospitais no Brasil, utilizando informações financeiras disponíveis no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS). Metodologia: Estudo descritivo e exploratório sobre a magnitude financeira associada à ocorrência de EAs em hospitais no Brasil. As fontes de dados empregadas foram: informações coletadas no estudo de incidência de EA em hospitais no Brasil (estudo de base) e informações registradas no SIH-SUS. Essas fontes de dados foram encadeadas (linkage). O universo de estudo foram os pacientes internados em dois hospitais públicos de ensino do estado do Rio de Janeiro em 2003. Selecionou-se uma amostra aleatória simples de 622 prontuários de pacientes. Para estimar os custos dos eventos adversos, foram analisados os dias adicionais decorrentes dos EAs avaliados pelos médicos revisores, o tempo de permanência e as informações financeiras do SIH-SUS. Resultados: Nos prontuários de pacientes analisados, 583 pacientes não sofreram EA e 39 (6,3 %) sofreram algum EA. Do total de casos com EA, 25 foram considerados evitáveis (64,1 %). O valor médio pago (R$ 3.195,42) pelo atendimento aos pacientes com EA foi 200,5 % superior ao valor pago aos pacientes sem EA, enquanto o valor médio pago aos pacientes com EA evitável (R$1.270,47) foi apenas 19,5 % superior ao valor médio pago aos pacientes sem EA. Já o observado para os pacientes com EA não evitável (R$ 6.632,84) foi 523,8 % maior que o valor médio dos pacientes sem EA. Os pacientes com EA apresentaram tempo médio de permanência no hospital 28,3 dias superior ao observado nos pacientes sem EA. Extrapolados para o total de internações nos dois hospitais, os eventos adversos implicaram no gasto de R$ 1.212.363,30, que representou 2,7 % do reembolso total. Conclusão: O estudo mostrou que os danos ao paciente decorrentes do cuidado à saúde têm expressivo impacto nos gastos hospitalares e apontou várias razões para supor que os resultados apresentados estejam subestimados. Apesar de ser um estudo exploratório, mostrou que a importância financeira da ocorrência de eventos adversos, que, em parte, implicam em dispêndio de recursos desnecessários que poderiam ser utilizados para financiar outras necessidades de saúde da população.
Palavras-chave:
Segurança do Doente
Eventos Adversos
Custos
Hospitais
Aim: To estimate how much is spent on patients suffering Adverse Events (AEs) in hospitals in Brazil, using financial information available in the National Health Service Hospital Information System (SIH-SUS). Methodology: Exploratory descriptive study of total expenditure associated with occurrence of AEs in hospitals in Brazil. The data sources used were information collected in incidence studies of AEs in hospitals (baseline study) and information recorded in the SIH-SUS. These sources were then linked. The study population was inpatients at public teaching hospitals in Rio de Janeiro State in 2003. A simple random sample of 622 patient records was selected. The costs associated with adverse events were estimated from the additional days stay resulting from AEs established by medical review, length of hospital stay and financial data from the SIH-SUS. Results: The patient records showed that 583 patients had not suffered and 39 (6.3 %) had suffered an AE. Of the total number of cases of AE, 25 (64.1 %) were considered to have been avoidable. The mean amount paid (R$ 3,195.42) for care to patients with AE was 200.5 % higher than the amount paid for patients with no AE, while the mean amount paid to patients with avoidable AE (R$1,270.47) was only 19.5 % higher than the mean amount paid to patients with no AE. Meanwhile the amount paid to patients with an unavoidable AE (R$ 6,632.84) was 523.8 % higher than the mean amount paid to patients with no AE. Mean hospital stay among patients with an AE was 28.3 days longer than among patients with no AE. When extrapolated to total admissions at the two hospitals, AEs entailed expenditure of R$ 1,212,363.30, representing 2.7 % of total reimbursements. Conclusion: The study showed that health care-related patient harm has substantial impact on hospital expenditures and pointed to various reasons for believing the results to be understated. Although this was an exploratory study, it showed the financial significance of the occurrence of adverse events, which in part entail unnecessary expenditure of funds that could be used to finance other health needs.
Keywords:
Patient Safety
Adverse
Events
Costs
Hospitals
Full Text

Introdução

Nas décadas de 50 e 60, já existiam registros da ocorrência de evento adverso (EA) nos serviços de saúde 1, mas foi na década de 90 que estudos mostraram a importância dos custos sociais e econômicos decorrentes desses eventos. O Harvard Medical Practice Study (HMPS) 2 estimou que ocorreram EAs em 3,7 % das internações em hospitais de cuidados agudos no estado de Nova Iorque, Estados Unidos da América (EUA), em 1984. A metodologia utilizada pelo HMPS serviu de base para outros estudos realizados em diferentes países — EUA 3, Canadá 4, Dinamarca 5, França 6, Austrália 7, Nova Zelândia 8, Inglaterra 9, Espanha 10, Brasil 11, Suécia 12 e Holanda 13.

Alguns desses estudos abordaram aspectos relacionados aos gastos provocados pela ocorrência de EA. O estudo realizado por Thomas et al. 3 em hospitais dos estados de Utah e Colorado, EUA, mostrou que em 3 % das internações ocorreram EAs, sendo estes evitáveis em 33 % (Utah) e 27 % (Colorado) dos casos. Estimaram que, com a eliminação dos EA evitáveis, se poderiam economizar entre 17 e 29 bilhões de dólares, incluindo as perdas de rendimentos por inatividade, incapacidade e despesas médicas.

O estudo realizado no Reino Unido 9 avaliou que ocorreram EAs em 10,8 % dos pacientes internados, sendo 48 % considerados evitáveis. Os pacientes com EA tiveram uma média de permanência de mais 8,5 dias (variação entre 0 a 70 dias) quando comparada com a média de permanência dos pacientes sem EA. Os autores estimaram um custo de cerca de 2 bilhões de libras esterlinas por ano, associado exclusivamente ao aumento dos dias de internação dos pacientes que sofreram EA 14. Consideraram que as infecções hospitalares foram responsáveis por 1 bilhão de libras esterlinas gastas anualmente pelo Sistema Nacional de Saúde e que cerca de 15 % dessas infecções eram evitáveis 14.

Hoonhout et al. 15 estimaram os custos diretos decorrentes de EA na Holanda. Observaram que eventos adversos evitáveis ocorreram em 2,3 % do total de internações e que os dias adicionais decorrentes do atendimento a esses eventos representaram cerca de 3 % do total de pacientes-dia. Os custos estimados para o total de pacientes com EA foram de 355 milhões de euros, sendo 161 milhões gastos com pacientes com EA evitável. Portanto, os custos com pacientes com EA evitável representaram 45 % do total gasto com pacientes com EA. Os autores estimaram que o custo com pacientes com EA, em 2004, representou 1 % do orçamento nacional destinado aos cuidados de saúde.

O estudo australiano 16 observou a ocorrência de EA em 7 % das internações, com um aumento médio de 10 dias no tempo médio de permanência. Os custos com os eventos adversos corresponderam a 16 % dos custos hospitalares diretos, o que representa um incremento de 19 % no orçamento das internações.

Os resultados do estudo neozelandês realizado em 2004 6 apontaram a ocorrência de EA em 10,7 % das internações, com um aumento no tempo médio de permanência de 6,7 dias. Dos casos com EA, 37,1 % foram consideradas evitáveis. Outro estudo neozelandês apontou que mais de 30 % dos gastos dos hospitais públicos foram destinados ao tratamento de pacientes com eventos adversos 17.

Os estudos realizados no Canadá, na Dinamarca e na Espanha não estimaram diretamente os custos decorrentes dos eventos adversos, mas avaliaram seu impacto indiretamente, através da mensuração do aumento do tempo de permanência hospitalar. No estudo canadense 4, a incidência de EA foi 7,5 %, sendo 37 % EAs evitáveis. Com base na avaliação dos médicos revisores, os eventos adversos acarretaram em 1.521 dias adicionais de internação. Na Dinamarca, a incidência de EA foi 9 %, sendo 40 % EAs evitáveis 5. Do ponto de vista econômico e social, a ocorrência de EA prolongou em média a estadia hospitalar em 7 dias. O estudo espanhol 10, com uma incidência de EA de 8,4 %, avaliou que os eventos adversos devidos aos cuidados médicos causaram em média 6,1 dias adicionais de internação. Desses eventos adversos, 66,3 % requereram procedimentos cirúrgicos adicionais e 69,9 % geraram tratamentos clínicos adicionais.

Outra abordagem utilizada para estimar o impacto financeiro foi baseada na avaliação da ocorrência de reinternação atribuída ao EA. Friedman et al. 18 estudaram as internações cirúrgicas de pacientes adultos admitidos em 1.088 hospitais dos EUA e concluíram que as reinternações nos primeiros três meses após a alta foram maior nos pacientes com EA (25 %) do que nos pacientes sem EA (17 %). As taxas de reinternação ocorridas no primeiro mês após a alta foram 16 % e 11 %, respectivamente.

Destaca-se ainda a existência de vários estudos que estimaram os custos dos eventos adversos, mas que focaram aspectos específicos do cuidado, como, por exemplo, administração de medicamentos, tratamentos oncológicos, cuidados intensivos 19-26.

No que concerne aos métodos empregados para avaliar os custos de EA, o estudo realizado em hospitais dos estados de Utah e Colorado, nos EUA 3, considerado um dos mais robustos nessa análise, estabeleceu funções de produção e valorizou financeiramente cada etapa da produção, com emprego de dados de bancos administrativos. O estudo holandês 15, para estimar os custos diretos dos eventos adversos, trabalhou informações avaliadas pelos médicos revisores sobre os dias de internação e a realização de procedimentos médicos adicionais associados ao tratamento do EA, também valorados com emprego de dados de bancos administrativos. Alguns outros estudos 26,27 empregaram desenho do tipo caso-controle, nos quais os custos dos eventos adversos foram analisados comparando-se as informações de cada internação com EA com um controle do mesmo hospital. Quanto à origem das informações financeiras, há estudos 26 em que os custos foram identificados a partir do sistema de contas de cada hospital, e outros 3 em que esses foram identificados com base nas tabelas de remuneração adotada por cada país. Finalmente, há estudos que empregaram análise multivariada, nos quais modelos são testados para conhecer os factores que mais influenciaram os custos atribuíveis aos eventos adversos 15,16.

Considerando-se o impacto devido ao prejuízo financeiro atribuído à ocorrência de EA, indicado pelos estudos citados anteriormente, objetiva-se, neste estudo, estimar o volume de recursos financeiros gastos com pacientes com EA em hospitais no Brasil, utilizando-se informações financeiras disponíveis no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS).

Metodologia

Trata-se de estudo descritivo e exploratório sobre a magnitude financeira associada à ocorrência de EA em hospitais no Brasil.

A principal fonte de dados utilizada foi o estudo de incidência de EA em hospitais no Brasil (estudo de base), que empregou o método de avaliação retrospectiva de prontuários 11,28. Nesse estudo, 1.103 prontuários foram selecionados com base em uma amostra aleatória simples dos 27.350 pacientes adultos internados no ano de 2003, em 3 hospitais gerais, públicos e de ensino do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Não foram incluídos no estudo os pacientes menores de 18 anos de idade, aqueles que permaneceram internados por menos que 24 horas e pacientes psiquiátricos. Foram utilizadas as informações sobre as características demográficas dos pacientes, o tempo de permanência, a ocorrência de evento adverso e sua evitabilidade. Utilizou-se também o número de dias adicionais de estadia no hospital devido ao EA, segundo julgamento do médico revisor. Essa informação era de preenchimento obrigatório pelo médico revisor no formulário de avaliação (Fase 2). A ocorrência de EA e sua evitabilidade foram avaliadas pelo médico revisor com base numa escala de 6 pontos, sendo o escore maior que 3 considerado como resposta positiva para ambos os aspectos 28.

A segunda fonte de dados utilizada foi o SIH-SUS. Esse tem uma base de dados administrativa nacional, disponibilizada pelo Ministério da Saúde (MS) no endereço eletrônico www.datasus.gov.br. 29 As informações registradas cobrem aproximadamente 75 % das internações realizadas no Brasil e sua principal finalidade é fornecer informação para o reembolso aos prestadores pelas internações realizadas. O principal mecanismo de pagamento adotado para reembolsar os hospitais é o pagamento prospectivo por procedimento.

O SIH-SUS contém informações sobre o perfil demográfico dos pacientes (sexo e idade), os diagnósticos principal e secundário, os procedimentos realizados, os dias de permanência, o tipo de saída, a unidade hospitalar e os valores pagos pela internação. Essas informações estão disponíveis para cada internação, mas são anônimas, de modo que é impossível identificar os pacientes. Do SIH-SUS foram utilizadas as informações sobre os valores financeiros de reembolso aos hospitais pelo Ministério da Saúde para cada internação, o recebimento de cuidado em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e o número identificador da internação no sistema. As informações sobre valores financeiros de reembolso foram selecionadas, dada a ausência de informação sobre os custos efetivos das internações nos hospitais analisados.

As duas fontes de dados foram encadeadas (linkage), utilizando-se como variável-chave o número identificador da internação no SIH-SUS. Com essa finalidade, obteve-se, nos serviços de arquivo médico dos hospitais estudados, o número identificador da internação no SIH-SUS de cada paciente. Pacientes (12) com mais de um número identificador da internação no SIH-SUS, isto é, com mais de um registro no SIH-SUS, foram agregados e os valores pagos pelo MS foram somados. Um hospital do estudo de base foi excluído da análise por não registrar sua produção no SIH-SUS. Esse hospital é financiado por orçamento global, o que pode ocasionar o não registro da produção no sistema. Consequentemente, dos 1.103 prontuários de pacientes amostrados no estudo de base, foram analisadas somente as informações correspondentes a 718 prontuários de dois hospitais, o que representa 65,1 % dos casos do estudo de base 11.

No processo de encadeamento das fontes de dados, 96 casos foram excluídos devido a: (i) haver inconsistências nas informações registradas no SIH-SUS (1) e (ii) os hospitais não terem fornecido o número identificador da internação no SIH-SUS ou terem fornecido número errado (95). Cabe destacar que dos 96 casos excluídos, havia ocorrido EA em 5 casos. Desses, 4 foram EAs evitáveis e 1 EA não evitável. No conjunto, houve uma perda de 11,4 % dos casos com EA. A análise foi realizada em 622 prontuários de pacientes.

Para estimar os custos dos eventos adversos, utilizaram-se os valores financeiros atribuídos aos dias adicionais decorrentes dos EAs avaliados pelos médicos revisores. Com esse objetivo, analisaram-se as seguintes variáveis financeiras no SIH-SUS: valor total do reembolso, valor médio do reembolso e valor médio por dia. Para extrapolar os resultados de impacto financeiro dos eventos adversos nas despesas de 2003 dos hospitais analisados, utilizaram-se os seguintes parâmetros: número total de internações, incidência de pacientes com EA no estudo de base, número de dias de estadia adicionais atribuídos ao EA e valor médio por dia de internação pago pelo MS nos casos sem EA na amostra.

Os dados foram analisados com emprego do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0 30.

Resultados

Nos 622 prontuários de pacientes analisados, verificou-se que 583 pacientes não sofreram EA e 39 (6,3 %) sofreram EA. Do total de casos com EA, 25 foram considerados como evitáveis (64,1 %). Essas porcentagens são as mesmas identificadas no total da amostra (718 casos) (tabela 1).

A idade média dos casos com EA (59 anos) foi 10 anos maior do que a dos pacientes sem EA. A idade média dos pacientes com EA evitável (65 anos) foi 17 anos maior do que a dos pacientes com EA não evitável. Apenas 5,3 % dos pacientes sem EA receberam cuidados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Já nos pacientes com EA, essa proporção aumentou para 22,8 % dos casos. Destacam-se os casos com EA evitável, dos quais somente 8 % receberam cuidados em UTI. A presença de comorbidades foi mais frequente e o Índice de Charlson foi maior nos casos com EA comparativamente aos casos sem EA (tabela 1).

Outra informação importante refere-se ao número de internações com mais de um EA. Verificou-se que, nos casos com EA evitável, 6 sofreram 2 ou mais EAs (24 %). Nas internações com EAs não evitáveis se observou apenas 1 caso (7,1 %).

O valor médio pago pelo MS para as 622 internações analisadas foi R$ 1.196,96. Esse valor foi inferior nos pacientes sem EA (R$ 1.063,27). Nos pacientes com EA o valor (R$ 3.195,42) foi 200,5 % superior ao dos pacientes sem EA. O valor médio dos pacientes com EA evitável (R$1.270,47) foi apenas 19,5 % superior ao valor médio dos pacientes sem EA. Já o valor observado para os pacientes com EA não evitável (R$ 6.632,84) foi 523,8 % maior que valor médio dos pacientes sem EA (tabela 2).

Os pacientes com EA apresentaram tempo médio de permanência no hospital 28,3 dias superior ao observado nos pacientes sem EA. Já os casos com EA evitável apresentaram uma permanência no hospital de 6,4 dias a mais do que a permanência média dos pacientes com EA não evitável (tabela 2).

As estimativas da magnitude financeira baseada na valoração dos dias adicionais de permanência no hospital atribuídos ao EA mostram que os 39 pacientes com EA resultaram em 181 dias de internação adicionais. Esse adicional representou 11,3 % do total de dias de permanência, o que equivale a um aumento de tempo médio de permanência de 4,6 dias nos pacientes com EA.

Nos pacientes com EA evitável, os dias adicionais significaram 4,6 % em relação ao total de dias e um aumento no tempo médio de permanência de 2,0 dias. Entretanto, os casos com EA não evitável apresentaram valores superiores aos estimados para os casos com EA evitável: 25,4 % em relação ao total de dias, com um aumento de 9,4 dias (tabela 3).

Com base nas 622 internações, que contabilizaram 8.895 dias de internação, pelas quais o MS pagou R$ 744.508,00, o valor médio do dia de internação estimado foi R$ 83,70. Adotando-se esse valor de diária nos dois hospitais estudados, que realizaram 41.432 internações em 2003, e considerando uma incidência de pacientes com EA de 7,6 % no estudo de base 11 e um aumento no tempo médio de permanência de 4,6 dias nos casos com EA, obteve-se uma estimativa da magnitude financeira dos eventos adversos nesses serviços. Os eventos adversos implicaram no gasto de R$ 1.212.363,30, o que representou 2,7 % do valor total do reembolso recebido pelo total de internações realizadas em 2003.

Discussão

Esse estudo mostrou que danos ao paciente decorrentes do cuidado à saúde têm expressivo impacto nos gastos de hospitais no Brasil. Os pacientes com EA eram mais velhos e apresentavam maior gravidade do caso comparativamente aos pacientes sem EA. O valor médio pago nas internações de pacientes com EA foi 3 vezes maior do que o valor médio pago por internação de pacientes sem EA. Entretanto, as internações com eventos adversos não evitáveis foram as principais responsáveis por essa diferença, apresentando valor médio aproximadamente 6 vezes maior do que o dos pacientes sem EA. Seguindo o mesmo padrão, a média de dias adicionais de permanência no hospital foi menor para os pacientes com EA evitável (2,0 dias) do que para os pacientes com EA não evitável (9,4 dias).

Os dados apresentados acima mostram que os eventos adversos não evitáveis são significativamente mais caros que os evitáveis. Proporcionalmente, os pacientes com EA não evitável receberam mais cuidados intensivos do que os pacientes com EA evitável. Além disso, uma informação complementar, que aponta na mesma direção, é que 43 % dos eventos adversos não evitáveis implicaram na realização de procedimentos cirúrgicos, sendo que essa porcentagem caiu para 20 % no caso do EA evitável.

A diferença dos custos entre EA evitável e não evitável já havia sido apontada no estudo realizado por Thomas et al. 3 em hospitais dos estados de Utah e Colorado, EUA, que estimou que eventos adversos não evitáveis foram 62 % mais caros que os evitáveis.

Neste estudo, estimou-se que o tratamento dos eventos adversos representou 2,7 % do reembolso recebido pelos hospitais estudados em 2003. Esses recursos pagaram 14.485 dias adicionais de permanência nos hospitais. O estudo realizado por Thomas et al. (1999) projetou a parte relativa às despesas com o atendimento aos casos com EA, que representa 4,8 % das despesas per capita com cuidados de saúde. Vale destacar que apenas a parcela gasta com EA evitável pode ser rigorosamente considerada um gasto desnecessário.

Há varias razões para supor que os resultados do Brasil, aqui apresentados, estejam subestimados. O primeiro aspecto refere-se ao fato de as informações financeiras utilizadas não incluírem as despesas com os salários dos funcionários dos hospitais, por serem hospitais públicos, embora sejam computados os gastos com pessoal de serviços terceirizados. O segundo aspecto diz respeito ao emprego na análise financeira do valor médio pago por dia de internação. Como Rigby et al. 31 mostraram, os dias de internação após a ocorrência do EA são mais caros que os anteriores. Como essa discriminação não pôde ser realizada neste estudo, supõe-se que o valor médio observado seja menor do que o valor médio real.

O aumento de dias de internação devido aos eventos adversos (4,6 dias) também foi inferior ao constatado em outros países. No Reino Unido 9, os pacientes com EA apresentaram uma média de 8,5 dias adicionais de permanência e, no estudo australiano 16, foi observada uma média de 10 dias adicionais de permanência.

Em alguns estudos os custos dos eventos adversos foram calculados comparando-se as informações de cada internação com EA com um controle. Esse método não foi aplicado, visto que a forma de reembolso das internações utilizada no Brasil não permite discriminar os valores financeiros envolvidos nos casos e controles. Também não foi possível, em função do número de casos, modelar os factores explicativos dos custos dos EAs através de análise multivariada.

Apesar de ser um estudo exploratório, mostrou-se a importância financeira da ocorrência de eventos adversos, que, em parte, implicam em dispêndio de recursos desnecessários que poderiam ser utilizados para financiar outras necessidades de saúde da população.

Apoio financeiro/agradecimento:

Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) — Processo: E-26/100.474/2007

Conflito de interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesse.


*Autor para correspondência.

Correio electrónico: sporto@ensp.fiocruz.br (S. Porto)

INFORMAÇÃO SOBRE O ARTIGO

Historial do artigo:

Recebido em 1 de Junho de 2010

Aceite em 1 de Setembro de 2010

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