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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial
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Inicio Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial As doenças orais no idoso – Considerações gerais
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Vol. 52. Issue 3.
Pages 175-180 (July - September 2011)
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Vol. 52. Issue 3.
Pages 175-180 (July - September 2011)
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As doenças orais no idoso – Considerações gerais
Oral Diseases in the Elderly - General Considerations
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Inês S. Côrte-Reala,
Corresponding author
corterealines@gmail.com

Autor para correspondência.
, Maria Helena Figueiralb, José Carlos Reis Camposc
a Médica Dentista, Aluna de Doutoramento da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, Portugal
b Médica Dentista, Professora Associada com Agregação da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, Portugal
c Médico Dentista, Professor Auxiliar com Agregação da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, Portugal
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Resumo

Nas últimas décadas tem-se assistido a um rápido envelhecimento da população mundial. Apesar da permanência da dentição natural durante mais tempo e da diminuição das patologias orais causadas pela melhoria das condições de vida e da prestação dos cuidados de saúde, a prevalência de patologias orais no idoso ainda é considerada significativa.

A doença periodontal e a cárie dentária – constituindo as principais causas de perda dentária – as lesões da mucosa oral e a presença de xerostomia são as patologias orais presentes nos idosos mais frequentemente referidas na literatura. Estas não devem ser atribuídas em exclusivo ao efeito direto da idade, pois a presença de doenças sistémicas e de polimedicação frequentes nesta faixa etária, além de outros fatores de risco, contribuem de forma significativa para o desenvolvimento das patologias orais. Na população idosa é particularmente relevante a interação entre o estado de saúde oral e o estado de saúde geral, bem como a sua influência na qualidade de vida. A heterogeneidade da população idosa determina uma maior especificidade nos tratamentos dentários prestados.

O presente estudo teve como objetivos refletir sobre o diagnóstico e as particularidades das patologias orais no idoso e sobre a relação entre as doenças sistémicas e as doenças orais na população idosa, e ainda sobre o impacto das doenças orais na qualidade de vida do idoso. A metodologia adotada consistiu numa revisão bibliográfica de artigos científicos publicados em revistas indexadas na PUBMED®, entre 2000 e 2010.

Palavras-chave:
Idoso
Geriatria
Medicina Dentária
Doenças Orais
Doença Periodontal
Patologia Oral
Abstract

In recent decades there has been a rapid aging process of the world population. Despite of a longer permanence of natural teeth and a reduction of oral diseases caused by the improvement of living conditions and the provision of health care, the prevalence of oral diseases in the elderly is still considered significant.

Periodontal disease and dental caries – which constitutes the major cause of tooth loss - mucosal oral lesions and xerostomia are the most common oral pathologies in the elderly population referred in the scientific literature. These diseases should not be attributed exclusively to the direct effect of age, since the high prevalence of systemic diseases and medication usage common in this age group, among with other risk factors, contribute significantly to the development of oral pathologies. In the elderly population it is particularly relevant the interrelationship between the oral and the general health states, as well as their influence in quality of life. The heterogeneity of the geriatric population determines a higher specificity of the oral treatments provided.

This study aims to reflect on the diagnosis and particularities of the oral pathologies in the elderly and on the relationship between systemic and oral diseases of the elderly population. The methodology adopted consisted in a review based on scientific papers published in journals indexed in PUBMED®, between 2000 and 2010.

Keywords:
Elderly
Geriatric
Dental Medicine
Oral Diseases
Periodontal Disease
Oral Pathology
Full Text
Introdução

Nas últimas décadas a população mundial tem sofrido um rápido envelhecimento, principalmente nos países em desenvolvimento, acompanhado por um aumento na esperança média de vida1–4. Nos países desenvolvidos os idosos constituem cerca de 11-18% da população, podendo vir a atingir os 20% em certos países, caso esta tendência se mantenha5. Em Portugal, a estimativa da população idosa, em 2005, foi de 17,1% da população total, sendo mais evidente o fenómeno do envelhecimento na população feminina6.

A melhoria nas condições de vida, os progressos nos cuidados de saúde e a implementação de medidas de saúde pública têm sido consideradas as principais causas para o crescimento demográfico desta faixa etária4,7,8. Porém, esta situação também conduziu a um aumento das doenças associadas ao envelhecimento, a condições incapacitantes e a doenças crónicas2,9.

O idoso é considerado um indivíduo com uma idade igual ou superior a 65 anos em países desenvolvidos, prevalecendo ainda em países em desenvolvimento a referência dos 60 anos10–13. Contudo, há autores que defendem que o critério cronológico para identificação de pacientes geriátricos não é o adequado devido à grande variabilidade de condições físicas, médicas e mentais entre os indivíduos com mais de 65 anos de idade, optando por uma classificação de acordo com o grau de função psicossocial, em: independente, debilitado ou funcionalmente dependente7,10,12.

Segundo dados da Finlândia e dos EUA a generalidade dos idosos (correspondendo a aproximadamente 90%-95%) vive em comunidade e é independente. Apenas cerca de 5 a 10% dos idosos são funcionalmente dependentes e necessitam de cuidados continuados, sendo que esta prevalência aumenta com a idade3,10,12. Em Portugal, no ano de 2001, um estudo desenvolvido pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, demonstrou a existência de 8,3% de idosos funcionalmente dependentes, dos quais 92,5% obtêm ajuda quase diária14.

Geralmente, a população geriátrica constitui uma faixa etária de risco de doença e de acesso limitado aos cuidados de saúde oral por diversos fatores, nomeadamente económicos, médicos e psicossociais15. Diversos estudos constataram estas condições sobretudo em estratos sócio-económicos desfavorecidos e etnias minoritárias1,9,15. Particularmente em idosos institucionalizados é verificado um pior estado de saúde oral associado a cuidados de higiene oral diminuídos7 e à restrição dos cuidados médico-dentários apenas a situações de emergência e não à manutenção dentária1,3,4. A diferenciação destes subgrupos por fatores culturais, sociais e comportamentais, torna-se por isso, importante para permitir a formulação de programas preventivos específicos1.

Nos países industrializados tem-se constatado um aumento significativo do tempo de permanência da dentição natural e uma diminuição na prevalência de patologias orais, sobretudo de cáries dentárias3,4,9,12. A diminuição da mortalidade dentária parece ser justificada pela melhoria nas condições de vida, bem como pela maior procura dos serviços médico-dentários, nomeadamente de tratamentos preventivos de rotina e restauradores3,10,16,17. Adicionalmente, as próprias atitudes perante a saúde oral foram-se modificando, sendo no momento presente a perda dentária menos aceitável socialmente o que contribuiu para a tendência verificada3. Atualmente, o idoso recorre aos cuidados de saúde oral com maior assiduidade do que fazia anteriormente e com mais frequência que os indivíduos jovens18.

Apesar da evolução marcante verificada, a patologia oral continua a constituir um dos problemas relevantes de saúde pública nos países desenvolvidos, e com crescimento significativo nos países em desenvolvimento9. Embora, a informação sobre o estado de saúde oral nestes últimos países seja escassa, os dados demonstram existirem desigualdades entre os países e dentro de cada país, devido às diferentes condições de vida e acesso aos serviços de saúde bem como, às diferenças entre as áreas urbanas e as rurais1,7.

O elevado número de indivíduos idosos, a particularidade da sua situação dentária, acrescida do impacto no tratamento dentário quer das doenças crónicas quer das medicações, e as relações propostas entre a saúde oral e a saúde geral tornam a abordagem médico-dentária no idoso um desafio atual, não só profissional como académico, exigindo uma ação multidisciplinar10,11,15.

O presente estudo tem como objetivo refletir sobre o estado de saúde oral no idoso, abordando as patologias orais mais comuns e as respetivas necessidades de tratamento e ainda a importância da relação entre saúde oral, saúde geral e qualidade de vida.

Métodos

A metodologia adotada consistiu numa pesquisa bibliográfica de artigos científicos indexados na PUBMED® com as palavras-chave Elderly, Geriatric, Dental Medicine, Oral Diseases, Periodontal Disease, Oral Pathology, e na análise da lista dos artigos relacionados. Os critérios de inclusão consistiram na limitação à língua portuguesa e inglesa e aos últimos 10 anos. A seleção dos artigos da pesquisa para revisão integral baseou-se na relevância do título e resumo. Foram identificados 62 artigos como potencialmente relevantes, mas apenas se consultou o texto integral de 32 artigos. Após leitura dos artigos foram excluídos aqueles que abordavam aspetos demasiado específicos de certas patologias orais na população idosa, incluindo-se 25 artigos. Foram ainda incluídos estudos de saúde oral em populações geriátricas portuguesas referidas em teses de doutoramento, disponíveis no repositório aberto da Universidade do Porto, e em Estudos Estatísticos Nacionais na população Idosa disponibilizados em formato eletrónico.

Alterações orais relacionadas com o envelhecimento

A maioria das alterações orais, tecidulares e funcionais, relacionadas com a idade são secundárias a fatores extrínsecos que atuam ao longo da vida, tendo a idade, por si só, um efeito reduzido7,19. Desde que exista preservação do estado de saúde oral, as alterações nas funções orais devidas à idade são mínimas7. A debilitação da saúde oral em idosos ocorre principalmente quando há uma frequência diminuída aos cuidados médico-dentários e negligência da higiene oral19.

No idoso as patologias orais mais frequentes são a doença periodontal e a cárie dentária, constituindo estas duas situações as principais causas de perda dentária1,20. As lesões da mucosa oral e a xerostomia são, também, condições orais muito frequentes em idosos1,19.

Perda dentária

A perda dentária condiciona diversos problemas de âmbito funcional, psicológico e social, podendo-se refletir em termos de dieta e de bem-estar geral4.

Esta condição oral é, ainda, prevalente entre os idosos1,4. Diferentes estudos em várias sociedades indicam uma prevalência variada na desdentação entre idosos, oscilando entre 6% e 78%19. Em Portugal, especificamente numa população de idosos institucionalizados do distrito do Porto, Sampaio Fernandes21 referiu uma percentagem de desdentados totais de 30,13%, com predominância no sexo feminino.

Além das principais causas atribuídas à perda dentária, já referidas, o consumo de tabaco1,16, a utilização insuficiente dos serviços médico-sanitários, o baixo nível socioeconómico1,4,12 e um período de institucionalização elevada4, têm sido relacionados com a mortalidade dentária.

Vários estudos associam a desdentação total a indivíduos de idade avançada4,5,12,16, podendo a perda dentária, com o envelhecimento, representar o efeito cumulativo das doenças orais.

Doença periodontal

Numa população idosa é espetável a perda de alguma inserção periodontal e de osso alveolar. Contudo, a atribuição da causa das alterações periodontais apenas ao envelhecimento não é suficiente para condicionar uma perda óssea significativa que leve a perda dentária, sobretudo em adultos saudáveis8,11.

Por outro lado, na presença de periodontite, um aumento da perda óssea pode ser influenciada por alterações nas células dos tecidos periodontais induzidas pelo envelhecimento8. Os efeitos do envelhecimento a este nível podem associar-se a vários mecanismos, como a intensificação da resposta periodontal a estímulos mecânicos e bacterianos, com a produção de citoquinas inflamatórias envolvidas na reabsorção óssea, bem como à redução significativa da formação óssea ou a problemas endócrinos associados ao metabolismo ósseo, comuns na população idosa, particularmente a deficiência em vitamina D, a osteoporose e a osteopenia8. A osteoporose e a osteopenia foram consideradas fatores de risco da perda óssea alveolar significativos na presença de doença periodontal7,8.

A elevada prevalência e a gravidade da doença periodontal em idosos foi correlacionada com maus hábitos de higiene oral que condicionam a acumulação de placa bacteriana e consequentemente o desenvolvimento da doença periodontal, nomeadamente de inflamação gengival e de perda da inserção periodontal1,7,17,22. Esta situação é comum em idosos, principalmente naqueles em que há perda de mobilidade e de independência7.

Outros fatores como um baixo nível educacional, a ausência de monitorização médico-dentária, a presença de um número reduzido de dentes, doenças sistémicas e o consumo de tabaco e álcool contribuem, de forma independente, para a progressão da doença periodontal em idosos1,20,22.

As doenças periodontais têm repercussões na saúde oral e sistémica, conduzindo à halitose, perda dentária, diminuição da capacidade mastigatória, dificuldades na deglutição, alterações gustativas e por último, à subnutrição11.

Cárie dentária

Nos idosos a prevalência de cáries coronais, embora elevada, é semelhante à de outros grupos etários, porém, a prevalência de cáries radiculares é muito superior1,11,23. No que se refere à incidência de cáries dentárias, quer a nível coronário quer a nível radicular, esta é mais elevada no idoso do que em populações jovens23. Concretamente, numa população de idosos institucionalizados do distrito do Porto, Fernandes da Silva24 registou uma prevalência elevada de cáries radiculares (63,9%).

O maior risco cariogénico nestes pacientes é resultante do aumento da recessão gengival (principalmente para as cáries radiculares), da disfunção das glândulas salivares, de uma higiene oral menos eficaz e de uma diminuída função motora oral11,17,23. Tem sido referida a existência da associação com fatores sociais e comportamentais1,12, bem como com fatores de risco locais, uma diminuída capacidade cognitiva12,25, a institucionalização12,26 e a residência em áreas geográficas rurais27.

O mecanismo de desenvolvimento de cáries coronais e radiculares parece ser semelhante nas diferentes faixas etárias. Contudo, na população idosa existe um maior número de fatores de risco associados, determinantes de uma maior suscetibilidade23.

Lesões da mucosa oral

De uma forma geral, o aspeto clínico da mucosa oral num idoso não é distinto do observado num jovem. Segundo Rossi et al.11, podem surgir alterações da mucosa oral em consequência de situações de trauma, de patologias, de hábitos orais ou ainda de disfunção das glândulas salivares. Para outros autores28–30, o desenvolvimento de certas condições da mucosa oral também pode ser afetado por medicações, nível socioeconómico, radiação ultra-violeta, consumo de álcool e tabaco e condição de higiene oral e protética. O uso de prótese, bem como a sua qualidade, é repetidamente associado à presença de lesões da mucosa oral28.

Existe uma grande variedade de condições da mucosa oral descritas na população idosa com necessidades de tratamentos distintos consoante a lesão, o país, a região geográfica ou mesmo o grau de funcionalidade dos indivíduos28,29. Entre estas, umas são mais prevalentes em portadores de prótese e outras apresentam-se associadas a outras causas.

Geralmente, as condições da mucosa oral descritas em idosos são adquiridas, podendo ser prevenidas30. Embora a maioria seja benigna, algumas destas podem-se tornar malignas caso existam fatores predisponentes locais ou sistémicos29.

Lesões da mucosa oral associadas à prótese

A estomatite protética é uma lesão da mucosa oral clinicamente relevante em populações idosas, sendo a condição oral mais prevalente entre portadores de prótese e a mais descrita em idosos1,28–30. A prevalência de estomatite protética varia de 11 a 67%, em portadores de prótese removível total1. Em Portugal, um estudo desenvolvido numa população adulta, com indivíduos portadores de prótese acrílica maxilar com um recobrimento de pelo menos 50% do palato duro, constatou uma prevalência de estomatite protética de 43% em indivíduos com mais de 65 anos de idade31.

Na maioria dos casos existe colonização da mucosa de suporte protético por Candida albicans, mas também pode surgir devido a reações alérgicas ao material protético, como manifestação de doenças sistémicas ou como manifestação de trauma1. A higiene oral e protética, assim como o uso contínuo de prótese, o uso de próteses desadaptadas, o tempo de uso de prótese, a idade da prótese, a oclusão e a dimensão vertical e ainda o consumo de álcool e tabaco são apontados como fatores de risco associados a esta patologia1,31,32. Apenas 10% dos pacientes com estomatite protética referem algum grau de desconforto28.

Outro tipo de lesões que podem surgir associadas ao uso de prótese, são hiperplasias fibroepiteliais, úlceras traumáticas e queilite angular1,29. Geralmente são mais frequentes entre portadores de próteses totais sem retenção, desadaptadas e/ou com diminuição da dimensão vertical1,29.

Lesões da mucosa oral pré-malignas e malignas

As lesões pré-malignas são relativamente frequentes entre idosos e estão associadas a baixos níveis socioeconómicos e educacionais1,7. A leucoplasia é a lesão pré-maligna mais referida30.

A população idosa apresenta um maior risco de desenvolvimento de lesões pré-malignas e malignas, surgindo aproximadamente 95% dos casos de cancro oral em indivíduos com mais de 40 anos, sendo a idade média de diagnóstico superior a 60 anos1,7,10,12.

O tabaco e o álcool são os principais fatores de risco das lesões pré-malignas e malignas7,12,30. Contrariamente, o consumo de frutas e vegetais têm uma ação protetora, em consequência do elevado conteúdo em carotenoides e vitamina C1,30.

As lesões pré-malignas e malignas da cavidade oral são de especial interesse na população idosa, uma vez que a sua taxa de incidência é superior à verificada em indivíduos jovens, aumentando com a idade29.

Xerostomia

A xerostomia, ou sensação de boca seca, tem uma prevalência crescente com a idade, afetando cerca de 30% de idosos1,7,33. Contudo, em adultos saudáveis, as alterações na composição e quantidade do fluxo salivar associadas com a idade são mínimas7,11,33.

A hipofunção das glândulas salivares, que se traduz na alteração qualitativa e/ou quantitativa da saliva, pode ser o resultado de terapêuticas farmacológicas, bem como, de doenças sistémicas – como a diabetes, síndrome de Sjögren, SIDA – ou do seu tratamento, e ainda de radioterapia à cabeça e pescoço. Por outro lado, também os fármacos mais frequentemente prescritos têm efeitos xerostomizantes (cerca de 80%) e são de administração usual em idosos. Entre estes, os mais comuns são os anti-depressivos, anti-psicóticos, anti-colinérgicos, sedativos, anti-hipertensivos, citotóxicos e anti-histamínicos1,7,11,19,33. A administração deste tipo de fármacos constitui a principal causa de xerostomia entre idosos33.

Um outro fator de risco importante para a xerostomia é o tabagismo1.

Na presença de disfunção das glândulas salivares podem-se desenvolver diversos problemas orofaríngeos, nomeadamente aumento da incidência de gengivite, de cáries, do risco de candidose oral e a presença de dor. Ainda há referência a dificuldades na mastigação, deglutição, gustação, fala, diminuição na capacidade de retenção de próteses removíveis e desconforto protético1,11,33.

Saúde oral – Saúde geral – Qualidade de vida

A saúde oral é importante por ser parte integrante e essencial da saúde geral e por constituir um fator determinante da qualidade de vida7,9,10,19,28. Por isso, a relação entre médico generalista e médico dentista é fundamental pois, tanto uma má saúde oral pode influenciar a saúde geral, como doenças sistémicas e/ou efeitos adversos dos seus tratamentos podem aumentar o risco de doenças orais, de xerostomia e de provocar alterações das sensações de gosto e de olfato1,3,16,19. A elevada prevalência de idosos polimedicados pode complicar ainda mais o impacto quer na saúde oral quer nos respetivos cuidados1. A associação entre a saúde oral e a saúde geral, sobretudo relevante em idosos, pode ser devida, em certas situações, à partilha de fatores de risco comuns1,7.

As repercussões de uma má saúde oral no quotidiano são especialmente importantes nos desdentados1,4,12,16. Os estados dentário e/ou protético, que limitem a capacidade mastigatória, são considerados importantes fatores nas escolhas alimentares1,7,12,16,20,21. Geralmente, há tendência a evitar as dietas fibrosas, o consumo de vegetais e de frutas, havendo preferência por dietas ricas em gorduras saturadas e colesterol1,19,23,29. Concretamente na população idosa, o consumo de leite e derivados e de certas vitaminas e minerais deve ser aconselhado pela ação protetora na saúde oral. A propriedade anti-cariogénica do leite, especificamente da caseína, ao permitir a remineralização e reduzindo a adesão bacteriana, pode fundamentar a diminuição das cáries radiculares entre os idosos23. Também a associação entre certas deficiências em vitaminas (B, C e D) e minerais (cálcio e magnésio) e a perda dentária parece sustentar um possível papel protetor destes nutrientes22. Por isso, na presença de perda dentária é importante o aconselhamento nutricional para permitir melhores opções dietéticas19.

A perda dentária atua também, isoladamente, como fator de risco para a perda de peso e, conjuntamente com as dificuldades mastigatórias, pode até contribuir para problemas de integração social1,7,19. Segundo um estudo longitudinal, a doença periodontal também parece contribuir para a perda de peso em idosos, tendo sido demonstrada a existência de uma associação significativa entre bolsas periodontais com uma profundidade de no mínimo 6mm e a perda de peso34.

A própria higiene oral pode ter repercussões na saúde geral. Assim, a incapacidade na realização de uma correta higiene oral entre idosos pode ter efeitos ainda mais graves, especialmente em idosos hospitalizados, devido à menor resistência a infeções e por constituir um reservatório de patogénios respiratórios, que ao serem aspirados podem causar pneumonia3,33. A higiene oral pode tornar-se mais complicada em idosos, especialmente pelo aparecimento de alterações associadas ao envelhecimento, que incluem a abrasão dentária, a recessão gengival, disfunções salivares e diminuição nas capacidades de destreza e cognitiva12.

Por outro lado, certas condições na saúde geral dos idosos podem influenciar a saúde oral. A diminuição da capacidade visual parece ser uma dessas condições crónicas que se associa a uma má saúde oral. Embora exista uma idêntica suscetibilidade à patologia oral, tanto a capacidade de manutenção da saúde oral, como o reconhecimento de sinais patológicos, como cáries dentárias ou hemorragia gengival, podem estar afetados7.

Entre os idosos são frequentes diversas doenças que têm manifestações na saúde oral, como é o caso da demência e da doença de Alzheimer, nas quais a diminuição na destreza manual interfere com o estado de saúde oral7. No caso da doença de Parkinson são características as dificuldades tanto na higiene oral, como mastigatórias e na capacidade de retenção protética. A própria terapêutica farmacológica (anti-colinérgicos e inibidores da monoamino oxidase) parece relacionar-se com um maior risco de mortalidade dentária, tal como com uma pior saúde oral devido à xerostomia presente. A disfagia típica em doentes com Parkinson torna muito importante a motivação para a higiene oral, para evitar situações de pneumonia por aspiração de microrganismos da placa bacteriana7.

Certas doenças crónicas, bem como efeitos adversos de alguns fármacos, quando condicionam falta de apetite ou uma dieta inadequada, podem afetar a saúde oral por deprimirem o sistema imunológico, relacionando-se com casos de cancro oral e doenças orais7,23.

Várias associações entre saúde oral e saúde geral têm sido propostas, nomeadamente entre a doença periodontal e certas doenças crónicas, como a doença cardiovascular, a diabetes e a doença respiratória crónica1,15. Adicionalmente foram sugeridas associações entre a perda dentária e o aumento do risco de acidente vascular cerebral e uma saúde mental debilitada1. No entanto, apenas a associação entre a diabetes e a doença periodontal é sustentada com evidência, enquanto que as restantes são mais circunstanciais7. Concretamente, as associações entre a doença periodontal e outras doenças sistémicas (como as doenças cardiovasculares e as respiratórias) são mais coincidentes que causais. Neste contexto a evidência é limitada pela ausência de consistência das relações, pelo tipo de estudo (na maioria transversais) ou por terem controlos inadequados para os fatores de risco comuns. Com base nestas associações há estudos que consideram que as doenças orais são possíveis indicadoras de risco para as doenças cardiovasculares e para eventos de enfarte de miocárdio, sugerindo mesmo serem mais importantes que os fatores de risco clássicos, como a diabetes, a hipertensão, o tabaco e os níveis de colesterol35,36.

Conclusões

Embora a doença periodontal e as cáries dentárias (principais responsáveis pela perda dentária), as lesões da mucosa oral e a xerostomia sejam frequentes em idosos, a sua maior prevalência não deve ser atribuída unicamente ao efeito direto da idade. A presença de doenças sistémicas e de medicações frequentes entre idosos, além da possível co-existência de vários fatores de risco, contribuem de forma significativa para o desenvolvimento das patologias orais. Assim, e de forma a permitir um envelhecimento saudável, o médico dentista tem uma importância acrescida na prevenção, no diagnóstico e no tratamento de doenças orais em idosos que possam aumentar a morbilidade e a mortalidade.

Em consequência da heterogeneidade da população idosa, a melhoria da saúde oral deve ser prestada de acordo com a diversidade das necessidades exigidas.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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