Buscar en
Revista Paulista de Pediatria
Toda la web
Inicio Revista Paulista de Pediatria Tendência secular da mortalidade infantil, componentes etários e evitabilidade...
Información de la revista
Vol. 34. Núm. 3.
Páginas 263-270 (Septiembre 2016)
Visitas
2379
Vol. 34. Núm. 3.
Páginas 263-270 (Septiembre 2016)
Artigo original
Open Access
Tendência secular da mortalidade infantil, componentes etários e evitabilidade no Estado de São Paulo – 1996 a 2012
Secular trends in infant mortality by age‐group and avoidable components in the State of São Paulo, 1996‐2012
Visitas
2379
Kelsy Catherina Nema Areco
Autor para correspondencia
kelsy.areco@gmail.com

Autor para correspondência.
, Tulio Konstantyner, José Augusto de Aguiar Carrazedo Taddei
Departamento de Pediatria, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM‐Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
Este artículo ha recibido

Under a Creative Commons license
Información del artículo
Resumen
Texto completo
Bibliografía
Descargar PDF
Estadísticas
Figuras (3)
Mostrar másMostrar menos
Tablas (1)
Tabela 1. Análise de tendência da TMI segundo o tempo de vida e grupo de causas de óbito. Estado de São Paulo, 1996 a 2012
Resumo
Objetivo

Conhecer a tendência e a composição da taxa de mortalidade infantil no Estado de São Paulo de 1996 a 2012.

Métodos

Estudo ecológico, baseado em dados secundários oficiais de nascimentos e óbitos infantis de residentes no Estado de São Paulo, de 1996 a 2012. A taxa de mortalidade infantil, calculada pelo método direto, foi analisada por meio de gráficos e modelos de regressão polinomial para os grupos etários (neonatal precoce, tardio e pós‐neonatal) e para grupos de causas evitáveis de óbito.

Resultados

A taxa de mortalidade infantil no Estado de São Paulo apresentou tendência de queda, variou de 22,5 a 11,5 por mil nascidos vivos. Metade dos óbitos infantis ocorreu no grupo etário neonatal precoce. A proporção de óbitos infantis evitáveis variou de 76,0% a 68,7%. As causas reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação e parto e ao recém‐nascido representaram 54% dos óbitos infantis em todo o período.

Conclusões

Os níveis da taxa de mortalidade infantil ainda estão distantes dos observados em países desenvolvidos, o que evidencia a necessidade de priorizar o acesso e a qualidade dos serviços assistenciais durante a gravidez, o parto e o período neonatal, principalmente na primeira semana de vida, para atingir padrões de mortalidade infantil próximos aos de sociedades desenvolvidas.

Palavras‐chave:
Mortalidade infantil
Atenção à saúde
Estudos ecológicos
Estudos de séries temporais
Abstract
Objective

To describe trends and composition of infant mortality rate in the State of São Paulo, from 1996 to 2012.

Methods

An ecological study was conducted, based on official secondary data of births and infant deaths of residents in São Paulo, from 1996 to 2012. The infant mortality rate was calculated by the direct method and was analyzed by graphs and polynomial regression models for age groups (early neonatal, late neonatal and post‐neonatal) and for groups of avoidable causes of death.

Results

The mortality rate in the State of São Paulo tended to fall, ranging from 22.5 to 11.5 per thousand live births. Half of the infant deaths occurred in the early neonatal group. The proportion of avoidable infant deaths varied from 76.0 to 68.7%. The deaths which were avoidable by adequate attention to women during pregnancy and childbirth and newborn care accounted for 54% of infant deaths throughout the period.

Conclusions

The mortality rate levels are still far from those in developed countries, which highlight the need to prioritize access and quality of healthcare services during pregnancy, childbirth and newborn care, especially in the first week of life, aiming at achieving standards of infant mortality similar to those of developed societies.

Keywords:
Infant mortality
Health care (public health)
Ecological studies
Time series studies
Texto completo
Introdução

A taxa de mortalidade infantil (TMI) reflete as condições de vida e de saúde das populações, estima o risco de morte entre menores de um ano e expressa as iniquidades em diferentes partes do globo, tal como pode ser observado na África e Europa, que apresentaram, em 2013, valores da TMI de 60 e 11 por 1000 nascidos vivos (‰ NV) respectivamente.1–4

A redução da mortalidade infantil é uma das metas dos “8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)” estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pactuados pelo Brasil, juntamente com 190 nações, em 2000. A meta brasileira (TMI de 15,7‰ NV) até 2015 já foi cumprida em 2011 (TMI de 15,3‰ NV).3,5 Entretanto, o país apresenta grande variabilidade da TMI na sua extensão territorial e dificuldade de produzir estimativas precisas desse indicador.6,7 As maiores TMI encontram‐se nas regiões Norte e Nordeste e as menores, nas regiões Sul e Sudeste.5,7 Por exemplo, no triênio 2008‐2010, a TMI corrigida por busca ativa das estatísticas vitais foi de 11,2‰ NV em Santa Catarina e 28,7‰ NV, no Amapá.7

O Estado de São Paulo, principal região socioeconômica do país, com 18,2% dos óbitos infantis brasileiros, apresentou uma TMI de 11,6‰ NV em 2011 e ocupa a terceira posição estadual. Quando comparado com os países da América Latina, o Estado paulista só figura com taxas superiores às de Cuba e Chile, que apresentaram TMI menores do que 10‰ NV. Ainda que dentro da meta pactuada, a TMI paulista está distante daquelas encontradas em países desenvolvidos, que não são maiores do que 5‰ NV, o que evidencia haver ainda considerável margem para melhoria.3,5,8,9

No Brasil, na década de 1980, as causas que mais contribuíram para a redução da mortalidade infantil pertenciam ao grupo de doenças evitáveis por saneamento adequado e metade dos óbitos era pós‐neonatal.9,10 A maior parte dos óbitos infantis ocorre no período neonatal, estão associados tanto à qualidade quanto ao acesso a serviços de saúde que prestam assistência à gestante, ao parto e ao recém‐nascido.1–3,11 Apesar dessa modificação no cenário dos óbitos infantis ao longo do tempo, predominam as condições evitáveis como determinantes da mortalidade infantil.

Em 1977, foi proposta a análise dos óbitos evitáveis como indicador de qualidade dos serviços de saúde, e definidos como aqueles que não deveriam ocorrer se os serviços de saúde fossem efetivos.2,12 A partir desse conceito, pesquisadores em diferentes países têm desenvolvido critérios de evitabilidade para identificar esses óbitos passíveis de prevenção. A primeira lista brasileira para classificação de causas evitáveis de óbitos infantis foi proposta em 2000, pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados do Governo do Estado de São Paulo (Seade), segundo a qual são evitáveis aqueles óbitos que podem ser prevenidos, independentemente da disponibilidade local de recursos, tecnologias, procedimentos ou tratamentos já existentes. Em 2007, foi desenvolvida a atual lista brasileira aplicável a crianças menores de cinco anos, baseada nas classificações existentes, nos conceitos das mortes evitáveis relacionados a ações dos serviços de saúde e na tecnologia disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).1,2,13

O conhecimento da tendência da mortalidade infantil no Estado de São Paulo contribui para o mapeamento da evolução e estado atual da situação de saúde dessa população e fornece informações importantes para os gestores locais que elaboram estratégias de redução e prevenção da mortalidade infantil. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é descrever a tendência secular da taxa de mortalidade infantil no Estado de São Paulo por grupo etário e grupo de causas evitáveis por ações dos serviços de saúde.

Método

O presente estudo é ecológico, baseado em dados secundários de nascimentos e óbitos, coletados pelo Ministério da Saúde (MS) por meio dos Sistemas de Informações de Nascidos Vivos (Sinasc) e de Mortalidade (SIM) e à disposição em formato digital estruturado.14

Foram incluídos todos os eventos de nascimento (nascidos vivos) e óbitos infantis (menores de um ano) referentes aos filhos de mães residentes no Estado de São Paulo, ocorridos de 01/01/1996 a 31/12/2012. Esses óbitos foram classificados quanto ao tempo de vida (grupo etário), evitabilidade e grupo de causas evitáveis.

A TMI, expressa em número de óbitos por mil nascidos vivos (‰ NV), foi calculada pelo método direto,15 ano a ano, para as categorias das dimensões em estudo (tempo de vida, evitabilidade do óbito e grupo de causas evitáveis).

Em relação ao tempo de vida, os óbitos foram agrupados em três categorias: neonatal precoce (0 a seis dias), neonatal tardio (sete a 27 dias) ou pós‐neonatal (28 a 364 dias).16

Os óbitos foram classificados quanto à evitabilidade a partir da causa básica da morte, de acordo com a lista brasileira de causas de mortes evitáveis em menores de cinco anos.2,17

A tendência da TMI foi analisada por meio de gráficos e por modelos de regressão polinomial, ajustados para cada categoria de interesse (geral, grupo etário e grupo/subgrupo de causas). Teve a TMI como variável dependente (Y) e os anos do estudo como única variável independente (X). O ano de 1996 foi considerado como o “ano zero” e assumiu‐se nível de significância α=0,05 para todos os testes feitos. Primeiramente, testou‐se o modelo linear quanto à significância, observou‐se o coeficiente de determinação (R2) e a violação dos pressupostos de aderência da variável dependente (Y) e dos resíduos à distribuição normal, homocedasticidade e ausência de correlação serial dos resíduos. Esse processo foi repetido com o pacote estatístico STATA/IC12.1 e aumentou‐se a ordem do polinômio (2a, 3a, 4a, 5a ordem) até se chegar a um modelo sem violação dos pressupostos. O coeficiente de determinação (R2) de cada modelo foi usado como medida de adequação do ajuste, considerando como melhores ajustes aqueles mais próximos da unidade.18,19

Foram calculadas as variações totais e médias, em unidades da TMI (‰ NV) e respectivos percentuais (%), tanto para os valores observados como para os estimados. As variações percentuais foram apresentadas com aproximação de 0,1 (1 casa decimal), porém foram calculadas com seis casas decimais.

O número médio de óbitos correspondente à variação de 0,1‰ NV na TMI foi calculado com base na média do número de nascidos vivos.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, sob o número de parecer 664.976.

Resultados

De 1996 a 2012 foram registrados 10.827.106 nascidos vivos e 168.187 óbitos infantis (menores de um ano), filhos de mães residentes no Estado de São Paulo, e 99,8% desse óbitos ocorreram dentro do próprio estado (fig. 1).

Figura 1.

Taxa de mortalidade infantil segundo o tempo de vida. Estado de São Paulo, 1996 a 2012.

(0,29MB).

A taxa de mortalidade infantil observada variou de 22,5 a 11,5 mortes por mil nascidos vivos (‰ NV), com queda percentual de 48,7% e redução média estimada de 0,65‰ NV ao ano. Em média, a variação em um décimo (0,1) na TMI correspondeu à magnitude de efeito de 63,7 mortes infantis para cada mil nascidos vivos. Considerando a média anual do número de nascidos vivos no período do estudo (1996 a 2012), que foi 636.888, a queda anual estimada de 0,65‰ NV na TMI correspondeu à redução anual média de 414 óbitos (fig. 1, tabela 1).

Tabela 1.

Análise de tendência da TMI segundo o tempo de vida e grupo de causas de óbito. Estado de São Paulo, 1996 a 2012

  Variação observada TMIVariação estimada TMIa 
  Total  Média anual  Total  Média anual  R2 
TMI  ↓10,93‰  ↓0,68‰  ↓10,46‰  ↓0,65‰  0,99 
  (48,7%)  (3,1%)  (46,9%)  (2,9%)   
TMI por tempo de vida
Neonatal Precoce  ↓6,00‰  ↓0,38‰  ↓6,17‰  ↓0,39‰  0,99 
  (51,3%)  (3,2%)  (51,9%)  (3,2%)   
Neonatal Tardia  ↓0,86‰  ↓0,05‰  ↓0,85‰  ↓0,05‰  0,92 
  (28,2%)  (1,8%)  (27,3%)  (1,7%)   
Pós‐neonatal  ↓4,07‰  ↓0,25‰  ↓3,58‰  ↓0,22‰  0,97 
  (52,9%)  (3,3%)  (48,6%)  (3,4%)   
TMI por grupo de causas de óbito
Causas mal definidas  ↓0,71‰  ↓0,04‰  ↓0,72‰  ↓0,04‰  0,96 
  (65,8%)  (4,1%)  (67,1%)  (4,2%)   
Demais causas (não claramente evitáveis)  ↓1,03‰  ↓0,06‰  ↓1,10‰  ↓0,07‰  0,88 
  (24,0%)  (1,5%)  (26,0%)  (1,6%)   
Causas evitáveis  ↓9,19‰  ↓0,57‰  ↓9,26‰  ↓0,58‰  0,99 
  (53,7%)  (3,4%)  (53,7%)  (3,4%)   
Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação e parto e ao recém‐nascido  ↓5,63‰  ↓0,35‰  ↓6,08‰  ↓0,38‰  0,99 
  (46,5%)  (2,9%)  (49,2%)  (3,1%)   
Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação  ↓1,71‰  ↓0,11‰  ↓1,54‰  ↓0,10‰  0,92 
  (36,0%)  (2,3%)  (32,2%)  (2,0%)   
Reduzíveis por adequada atenção à mulher no parto  ↓1,40‰  ↓0,09‰  ↓1,50‰  ↓0,09‰  0,97 
  (57,8%)  (3,6%)  (60,0%)  (3,8%)   
Reduzíveis por adequada atenção ao recém‐nascido  ↓2,52‰  ↓0,16‰  ↓2,67‰  ↓0,17‰  0,98 
  (50,9%)  (3,2%)  (52,2%)  (3,2%)   
Reduzíveis por ações de diagnóstico e tratamento adequado, promoção à saúde vinculada a ações de atenção e imunização  ↓3,57‰  ↓0,22‰  ↓3,55‰  ↓0,22‰  0,99 
  (71,2%)  (4,4%)  (71,8%)  (4,5%)   
Reduzíveis por ações de diagnóstico e tratamento adequado  ↓2,32‰  ↓0,15‰  ↓2,28‰  ↓0,14‰  0,99 
  (72,7%)  (4,5%)  (72,6%)  (4,6%)   
Reduzíveis por ações promoção à saúde vinculada a ações de atenção  ↓1,25‰  ↓0,08‰  ↓1,17‰  ↓0,07‰  0,97 
  (70,2%)  (4,4%)  (68,2%)  (4,3%)   
Reduzíveis pelas ações de imunização  ↑0,01‰  0,00‰  ↓0,01‰  0,00‰  0,71 
  (60,1%)  –  (28,3%)  –   
a

Todas as estimativas foram geradas a partir de modelos de regressão polinomial estatisticamente significantes (p<0,001); R2, coeficiente de determinação.

A TMI neonatal precoce variou de 11,7‰ NV a 5,7‰ NV, com queda de 51,3%; a neonatal tardia variou de 3,1‰ a 2,2‰, com queda de 28,2%; e a pós‐neonatal variou de 7,7‰ NV a 3,6‰ NV, com queda de 52,9%. Em relação ao total de óbitos analisados, os óbitos neonatais precoces representaram 50,5% dos óbitos infantis, os neonatais tardios 17,4% e os pós‐neonatais 32,1%. A contribuição dos óbitos neonatais precoces para a TMI variou de 52% (11,7‰ NV /22,5‰ NV) em 1996 a 49,6% (5,7‰ NV /11,5‰ NV) em 2012 (fig. 1).

Em todos os grupos etários analisados, os valores observados e estimados mostram que a tendência da TMI foi de queda no período, com redução anual estimada em 0,39‰ NV para os óbitos neonatais precoces; 0,22‰ NV para pós‐neonatais e 0,05‰ NV para os neonatais tardios (fig. 1, tabela 1).

Em relação à evitabilidade do óbito, a TMI observada por causas evitáveis variou de 17,1‰ NV a 7,9‰ NV, com queda de 53,7%; a TMI por causas não claramente evitáveis variou de 4,3‰ NV a 3,2‰ NV, com queda de 24%; e a TMI por causas mal definidas variou de 1,1‰ NV a 0,4‰ NV, com queda de 65,8%. Os óbitos por causas evitáveis corresponderam à maior parcela dos óbitos infantis em todo o período, variaram de 76% (1996) para 69% (2012). Nos três grupos analisados, houve redução anual estimada em 0,04‰ NV para as causas mal definidas, 0,07‰ NV para as não claramente evitáveis e 0,58‰ NV para as evitáveis (fig. 2, tabela 1).

Figura 2.

Taxa de mortalidade infantil segundo a evitabilidade do óbito. Estado de São Paulo, 1996 a 2012.

(0,24MB).

As causas “Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação, à mulher no parto e ao recém‐nascido” apresentaram queda de 46,5%, variaram de 12,1‰ NV a 6,5‰ NV, com redução anual estimada de 0,38‰ NV. Os óbitos infantis por essas causas corresponderam a 54,3% do total do período. A tendência de queda também foi observada nos subgrupos, com reduções estimadas em 0,10‰ NV para as causas relacionadas à mulher na gestação, 0,09‰ NV para as relacionadas à mulher no parto e 0,17‰ NV para as relacionadas ao recém‐nascido (fig. 3, tabela 1).

Figura 3.

Taxa de mortalidade infantil por grupo de causas. Estado de São Paulo, 1996 a 2012.

(0,31MB).

A redução da TMI observada no conjunto das causas “Reduzíveis por ações de diagnóstico e tratamento adequado, promoção à saúde vinculada a ações de atenção e imunização” foi de 71,2%, variou de 5‰ NV em 1996 a 1,4‰ NV em 2012, com redução anual estimada em 0,22‰ NV. A redução anual média foi estimada em 0,14‰ NV para as causas “Reduzíveis por ações de diagnóstico e tratamento adequado” e em 0,07‰ NV para as causas “Reduzíveis por ações de promoção à saúde vinculada a ações de atenção” (fig. 3, tabela 1).

A TMI por causas “Reduzíveis pelas ações de imunização” apresentou média observada de 0,02‰ NV e variação média anual, observada e estimada, próxima a zero (0,00‰ NV).

Discussão

Entre 1996 e 2012, a TMI paulista apresentou redução de aproximadamente 50% e tendência de queda, notavelmente mais acentuada na primeira metade desse período, com evasão de apenas 0,2% dos óbitos. De 1997 a 2006, a TMI paulista teve redução de 38%, maior do que a brasileira, que foi de 35,2%.1 Essa redução da TMI nacional parece decorrer de melhoria nos serviços de saúde, uma vez que outros indicadores sociais da época não tiveram bom desempenho.1

Com o desafio de atingir as metas de pactuações nacionais e internacionais dos níveis da TMI propostas para 2015, tornou‐se necessário monitorar esse indicador nas diferentes esferas administrativas para avaliar o impacto das ações de saúde descentralizadas, porém nacionalmente articuladas.6 Consequentemente, aumentou a demanda por estimativas mais precisas da TMI, que dependem de boa cobertura de registros vitais e regularidade no envio de informações aos sistemas Sinasc e SIM.6,7,15

O presente trabalho calculou a TMI anual pelo método direto para o Estado de São Paulo, sem necessidade de usar outros procedimentos ou fator de correção em todo período, pois as informações vitais foram consideradas completas neste estado, de acordo com os critérios da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA), assim como no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e em Mato Grosso do Sul.5,6,15

A composição etária dos óbitos infantis analisados no Estado de São Paulo foi semelhante à brasileira, com predominância do grupo neonatal.1,3,20 Em 2011, a TMI neonatal paulista foi menor do que a brasileira (11,1‰ NV) e semelhante à da região Sudeste (8,0‰ NV).3 A mortalidade neonatal é consequência da qualidade das consultas pré‐natais e do atendimento à gestante no parto e ao recém‐nascido.3,21,22 Muitos óbitos neonatais podem ser evitados, até mesmo em prematuros de muito baixo peso.22

Contribuindo com cerca de metade dos óbitos infantis, o grupo neonatal precoce também se destacou por apresentar a maior redução anual média na taxa de mortalidade nos 17 anos estudados. Portanto, as variações da mortalidade nesse grupo etário têm grande impacto na mortalidade infantil. Apesar da tendência de queda, a taxa de mortalidade neonatal precoce em 2012 (5,7‰ NV) foi o triplo da observada em 2010, no conjunto dos 28 países da União Europeia.23

Entre as causas evitáveis de óbitos neonatais, destaca‐se a asfixia perinatal. Tal causa representou 27,1% dos óbitos neonatais paulistas em 1996 e 17,4% em 2012. Essa redução tem sido atribuída à organização da assistência perinatal nos diversos níveis de atuação, que inclui ações direcionadas à gestante, ao parto e ao recém‐nascido. Merecem destaque o programa de reanimação neonatal, implantado em 1996 pela Sociedade Brasileira de Pediatria, que visa a reduzir as mortes infantis evitáveis e as sequelas neurológicas consequentes à asfixia perinatal, e as estratégias regionalizadas, como o programa Mãe Paulistana do Município de São Paulo.24–26

De 1996 a 2012, a proporção de óbitos infantis evitáveis variou de 76% para 69% no Estado de São Paulo. No Brasil, tal proporção variou de 71,4% em 1997 a 69,4% em 2006.1 Embora os intervalos de tempo e a qualidade da informação6,7,17 sobre a causa do óbito não nos permitam uma comparação direta dos valores, esses dados evidenciam que, desde 1996, a maior parte dos óbitos infantis foram evitáveis tanto no Estado de São Paulo como em todo o Brasil.

O grupo de causas “Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação e parto e ao recém‐nascido” correspondeu a mais da metade dos óbitos infantis analisados. A redução da TMI nesse grupo deve estar associada à ampliação do acesso aos serviços de saúde e ao aumento da qualidade da atenção à saúde prestada às gestantes e aos recém‐nascidos.21

A estabilidade em níveis baixos de mortalidade no grupo de causas evitáveis por ações de imunização refletiu os altos índices de cobertura vacinal do Programa Nacional de Imunização.27 A cobertura vacinal média em menores de um ano no Estado de São Paulo, entre 2000 e 2012, foi maior do que 97%, incluindo a meningocócica conjugada C, introduzida em 2011. As vacinas rotavírus humano e Pneumo 10 valente, introduzidas em 2006 e 2010, respectivamente, são as de menor cobertura, atingiram mais de 86% em 2011.28

O período em estudo, com a TMI calculada ano a ano, foi suficiente para fazer as análises inferenciais da tendência desse indicador em todas as categorias estudadas. Embora a tendência pudesse ser observada por inspeção visual dos valores populacionais, optamos por seguir o método preconizado para estudo de tendência em séries temporais, que consistiu na análise ajustada por modelo polinomial para cada categoria. Ao usar os valores estimados pelos modelos, evitamos que as possíveis oscilações dos valores observados, que ocorrem devido ao acaso, pois dependem do total de óbitos e nascimentos informados, interferissem na análise da tendência das séries temporais.18 Os coeficientes de determinação (R2) próximos da unidade, assim como os valores observados próximos aos valores estimados, indicaram boa qualidade do ajuste dos dados. Contudo, a tendência de queda não deve ser extrapolada para períodos futuros de forma rígida, pois, conceitualmente, quanto menores são as taxas de qualquer evento biológico, menores são as possibilidades de reduzi‐la.

Para classificar a evitabilidade dos óbitos, o presente estudo usou a causa básica informada nos registros de óbito, entendendo‐se que essa é a doença que iniciou a cadeia de eventos que levou à morte.15 É, portanto, o diagnóstico mais importante para fins epidemiológicos, no qual se baseia a maioria dos estudos sobre causas de morte no Brasil. Quanto maior a proporção de óbitos por causas mal definidas, pior é a qualidade da informação sobre a causa básica do óbito. No presente estudo, encontramos uma baixa proporção de óbitos por causas mal definidas, variaram de 4,8% a 3,2%, o que viabilizou esta análise.17,29

As diferenças regionais dentro do Estado de São Paulo, tanto no acesso aos serviços de saúde como nas tecnologias à disposição, não foram consideradas neste estudo. Assumiu‐se que as causas de morte infantil seriam igualmente evitáveis nos 675 municípios do Estado, pois a lista usada apresenta o pressuposto da existência do SUS em todas as regiões com a mesma disponibilidade de recursos e tecnologias de assistência à saúde.2

Ao classificar os óbitos infantis para o estudo de tendência da TMI por causas evitáveis, consideramos que os diferentes momentos históricos não diferem quanto às tecnologias e práticas em saúde. Neste estudo, as TMI por mortes evitáveis nos 17 anos analisados podem estar superestimadas nos anos anteriores à sua criação (2007) e subestimadas nos posteriores, pressupõe‐se que mais causas de mortes se tornem evitáveis com as melhorias progressivas nas tecnologias usadas no sistema de saúde.2,13

A lista adotada no presente estudo considera causas evitáveis de óbito as morbidades relacionadas aos extremos de tempo de gestação (curto ou longo) e de peso ao nascer (baixo ou elevado), que são condições de nascimento comumente associadas ao risco de morte.2,22

Os óbitos analisados referem‐se aos usuários do sistema de saúde público (SUS) e suplementar do Estado de São Paulo, porém não foi possível quantificar a contribuição de cada sistema na mortalidade infantil, já que essa informação não é contemplada no SIM. Pode‐se ter uma ideia da participação dos serviços de saúde suplementares aos serviços do SUS a partir da taxa de cobertura de tais serviços, que variou de 38,2% em 2000 a 45,3% em 2014. Sob a hipótese de que as mesmas causas de mortes evitáveis no SUS seriam também evitáveis no sistema de saúde suplementar, deve‐se considerar que a análise da TMI por causas evitáveis “por intervenções do SUS” no presente estudo contribui para avaliação de desempenho do sistema de saúde do Estado de São Paulo como um todo e destaca o tipo de atenção à saúde que merece ser priorizada para redução da mortalidade infantil, tanto no SUS como na saúde suplementar.1,2,30

Neste contexto, concluímos que, entre 1996 e 2012, a taxa de mortalidade infantil no Estado de São Paulo manteve‐se em queda, teve como principais componentes os óbitos neonatais precoces e as causas evitáveis, principalmente as relacionadas com a gestação, o parto e a assistência neonatal. Entretanto, as taxas do fim do período analisado ainda estão distantes das observadas em países desenvolvidos. Tais evidências apontam uma melhoria do sistema de saúde, mas também para a necessidade de aprimorar e expandir os serviços assistenciais para promoção da saúde e prevenção das mortes no primeiro ano de vida, para atingir padrões ou perfis de mortalidade próximos aos de sociedades desenvolvidas.

Financiamento

O estudo não recebeu financiamento.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
D.C. Malta, E.C. Duarte, J.J. Escalante, M.F. Almeida, L.M. Sardinha, E.M. Macário, et al.
Avoidable causes of infant mortality in Brazil, 1997‐2006: contributions to performance evaluation of the Unified National Health System.
Cad Saude Publica, 26 (2010), pp. 481-491
[2]
D.C. Malta, E.C. Duarte, M.F. Almeida, M.A. Dias, O.L. Morais Neto, L. Moura, et al.
List of avoidable causes of deaths due to interventions of the Brazilian health system.
Epidemiol Serv Saude, 16 (2007), pp. 233-244
[3]
S. Lansky, A.A. Friche, A.A. Silva, D. Campos, S.D. Bittencourt, M.L. Carvalho, et al.
Pesquisa nascer no Brasil: perfil da mortalidade neonatal e avaliação da assistência à gestante e ao recém‐nascido.
Cad Saude Publica, 30 (2014), pp. S192-S207
[4]
World Health Organization [homepage on the Internet]. Infant and neonatal mortality [cited 03.12.2015]. Available from: http://www.who.int/gho/child_health/mortality/en/
[5]
Brasil ‐ Ministério da Saúde ‐ DATASUS [homepage on the Internet]. Número de óbitos infantis (menores de 1 ano) por 1.000 nascidos vivos (Brasil, 2000‐2011) [cited 30.11.2015]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2012/c01b.htm
[6]
P.G. Frias, C.L. Szwarcwald, P.C. Lira.
Estimação da mortalidade infantil no contexto de descentralização do sistema único de saúde (SUS).
Rev Bras Saude Mater Infant., 11 (2011), pp. 463-470
[7]
P.G. Frias, C.L. Szwarcwald, P.R. Souza Jr., W.S. Almeida, P.I. Lira.
Correção de informações vitais: estimação da mortalidade infantil, Brasil, 2000‐2009.
Rev Saude Publica, 47 (2013), pp. 1048-1058
[8]
The World Bank [homepage on the Internet]. Mortality rate, infant (per 1,000 live births) [cited 03.12.2015]. Available from: http://data.worldbank.org/indicator/SP.DYN.IMRT.IN
[9]
L.P. Ortiz, D.A. Oushiro.
Perfil da mortalidade neonatal no Estado de São Paulo.
Sao Paulo Perspec., 22 (2008), pp. 19-29
[10]
L.P. Ortiz.
Contrastes regionais da mortalidade infantil.
Sao Paulo Perspec., 5 (1991), pp. 107-115
[11]
R. Rocha, C. Oliveira, D.K. Silva, C. Bonfim.
Mortalidade neonatal e evitabilidade: uma análise do perfil epidemiológico.
Rev Enferm Uerj, 19 (2011), pp. 114-120
[12]
Laurenti R, Mello Jorge MH, Gotlieb SL. Estatísticas de mortalidade e seus usos. Rev Eletr de Com Inf Inov Saude [página na Internet]. 2013; 7(2) [cited 03.12.2015]. Available from: http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/500
[13]
D.C. Malta, E.C. Duarte.
Causas de mortes evitáveis por ações efetivas dos serviços de saúde: uma revisão da literatura.
Cienc Saude Colet., 12 (2007), pp. 765-776
[14]
Brasil ‐ Ministério da Saúde ‐ DATASUS [homepage on the Internet]. Serviços [cited 30.07.2015]. Available from: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0901⁢em=1
[15]
W.S. Almeida, C.L. Szwarcwald.
Mortalidade infantil nos municípios brasileiros: uma proposta de método de estimação.
Rev Bras Saude Mater Infant., 14 (2014), pp. 331-342
[16]
B.A. Freitas, M.R. Gonçalves, R.C. Ribeiro.
Mortalidade infantil, segundo critérios de evitabilidade e componentes ‐ Viçosa ‐ MG, 1998‐2010.
Pediatr Mod, 48 (2012), pp. 237-245
[17]
R. Laurenti, M.H. Mello-Jorge, S.L. Gotlieb.
Mortalidade segundo causas: considerações sobre a fidedignidade dos dados.
Rev Panam Salud Publica, 23 (2008), pp. 349-356
[18]
M.R. Latorre, M.R. Cardoso.
Análise de séries temporais em epidemiologia: uma introdução sobre os aspectos metodológicos.
Rev Bras Epidemiol., 4 (2001), pp. 145-152
[19]
StataCorp.
Stata Statistical Software: Release 12. College.
StataCorp LP, (2011),
[20]
Brasil ‐ Ministério da Saúde ‐ DATASUS [homepage on the Internet]. Informações de Saúde ‐ estatísticas vitais [cited 30.07.2015]. Available from: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205
[21]
L.F. Nascimento, M.C. Almeida, C.M. Gomes.
Causas evitáveis e mortalidade neonatal nas microrregiões do Estado de São Paulo.
Rev Bras Ginecol Obstet., 36 (2014), pp. 303-309
[22]
M.F. Almeida, R. Guinsburg, F.E. Martinez, R.S. Procianoy, C.R. Leone, S.T. Marba, et al.
Fatores perinatais associados ao óbito precoce em prematuros nascidos nos centros da Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais.
J Pediatr (Rio J)., 84 (2008), pp. 300-307
[23]
Base de Dados Portugal Contemporâneo – PORDATA [homepage on the Internet]. Neonatal mortality rates and late foetal mortality rate in Europe [cited 30.07.2015]. Available from: http://www.pordata.pt/en/Europe/Neonatal+mortality+rates+and+late+foetal+mortality+rate‐1258
[24]
M.F. Almeida, R. Guinsburg.
Reanimação neonatal em sala de parto: documento científico do programa de reanimação neonatal da sociedade brasileira de pediatria.
SBP, (2013),
[25]
P.C. Santos, Z.P. Silva, F. Chiaravalloti Neto, M.F. Almeida.
Spatial analysis of live birth clusters in Unified Health System (SUS) and private hospitals in the municipality of São Paulo, Brazil.
Cienc Saude Colet., 19 (2014), pp. 235-244
[26]
M.F. de Almeida, L.M. Moreira, R.M. Vaz Dos Santos, M.D. Kawakami, L.M. Anchieta, R. Guinsburg.
Early neonatal deaths with perinatal asphyxia in very low birth weight Brazilian infants.
J Perinatol., 35 (2015), pp. 954-957
[27]
C.M. Domingues.
Teixeira AM. Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982‐2012: avanços e desafios do Programa Nacional de Imunizações.
Epidemiol Serv Saude, 22 (2013), pp. 9-27
[28]
Centro de vigilância epidemiológica Prof Alexandre Vranjac. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo [página na Internet]. Imunização ‐ Série Histórica – Doses aplicadas e cobertura vacinal em menores de 1 ano – Estado de São Paulo [cited 30.07.2015]. Available from: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/imuni/imu_shmenor1.htm
[29]
M.H. Mello Jorge, R. Laurenti, S.L. Gotlieb.
Análise da qualidade das estatísticas vitais brasileiras: a experiência de implantação do SIM e do SINASC.
Cienc Saude Colet., 12 (2007), pp. 643-654
[30]
Brasil ‐ Agência Nacional de Saúde Suplementar [página na Internet]. Dados e Indicadores do setor [cited 30.07.2015]. Available from: http://www.ans.gov.br/perfil‐do‐setor/dados‐e‐indicadores‐do‐setor
Copyright © 2016. Sociedade de Pediatria de São Paulo
Opciones de artículo
Herramientas