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Inicio Revista Paulista de Pediatria Fatores associados à cárie: pesquisa de estudantes do sul do Brasil
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Vol. 34. Núm. 4.
Páginas 489-494 (Diciembre 2016)
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Vol. 34. Núm. 4.
Páginas 489-494 (Diciembre 2016)
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Fatores associados à cárie: pesquisa de estudantes do sul do Brasil
Factors associated with caries: a survey of students from southern Brazil
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2603
Tássia Silvana Borges, Natalí Lippert Schwanke, Cézane Priscila Reuter, Léo Kraether Neto, Miria Suzana Burgos
Autor para correspondencia
mburgos@unisc.br

Autor para correspondência.
Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Santa Cruz do Sul, RS, Brasil
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Tablas (3)
Tabela 1. Caracterização dos estudantes (n=623)
Tabela 2. Associações entre o índice CPOD≥1 e as seguintes variáveis específicas: área de residência, tipo de escola, nível educacional materno, hábitos alimentares e hábitos de higiene oral (frequências de escovação e uso de fio dental)
Tabela 3. Associações entre CPOD ≥ 1 e outras variáveis: área de residência, tipo de escola, nível de escolaridade materna e hábitos de higiene oral, ajustadas por sexo e idade
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Resumo
Objetivo

Descrever os fatores associados à cárie dentária em escolares de Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

Métodos

Um estudo transversal foi feito em uma amostra aleatória de 623 estudantes de ambos os sexos, entre 10 e 17 anos. A cárie dentária foi avaliada com o índice da Organização Mundial de Saúde (1997) CPO‐D (dentição permanente), que constitui a soma de dentes cariados, perdidos e obturados por pessoa. A escolaridade materna foi avaliada com os critérios da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. As demais variáveis foram obtidas com um questionário estruturado. A análise de regressão de Poisson foi usada para testar a associação entre as variáveis, com modelos consistentes e um modelo ajustado posteriormente. Os dados foram expressos como razão de prevalência (RP).

Resultados

A análise multivariada identificou os seguintes fatores relacionados à experiência de cárie dentária: residência em municípios rurais (RP: 1,15; IC95%: 1,0‐1,3), frequentar uma escola municipal (RP: 3,30; IC95%: 1,1‐9,4) ou estadual (RP: 3,40; IC95%: 1,1‐9,6); e ter uma mãe analfabeta ou uma mãe que só estudou até a 4ª série do Ensino Fundamental (RP: 1,67; IC95%: 1,1‐2,4) ou o ensino médio (RP: 1,54; IC95%: 1,1‐2,2).

Conclusões

A presença de cárie em alunos no sul do Brasil foi associada com residência em áreas rurais, mãe com baixo nível educacional e frequentar escola pública.

Palavras‐chave:
Cáries dentárias
Epidemiologia
Estudantes
Abstract
Objective

To describe the factors associated with dental caries among students from Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brazil.

Methods

A cross‐sectional study was conducted in a random sample of 623 students of both genders, aged 10–17 years old. Tooth decay was performed using the index of the World Health Organization (1997), DMFT (permanent dentition) that expresses the sum of decayed, missing and filled teeth per person. The maternal educational level was rated using criteria of the Brazilian Association of Market Research Companies. The remaining variables were obtained by a structured questionnaire. Poisson regression analysis was used to test the association between variables using robust models and a subsequently adjusted model. Data were expressed as prevalence ratio (PR).

Results

Multivariate analysis identified the following factors related to the experience of dental caries: residence in rural municipalities (PR: 1.15; 95%CI: 1.0–1.3), attending a city school (PR: 3.30; 95%CI: 1.1–9.4) or a state school (PR: 3.40; 95%CI: 1.1–9.6); and having an illiterate mother or a mother that only attended up to the 4th year of school (PR: 1.67; 95%CI: 1.1–2.4) or high school (PR: 1.54; 95%CI: 1.1–2.2).

Conclusions

The presence of caries in students in southern Brazil was associated with residence in rural areas, mother with little education and attendance to a public school.

Keywords:
Dental caries
Epidemiology
Students
Texto completo
Introdução

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a prevalência de cárie dentária em escolares é de 90% em alguns países.1 No Brasil, a prevalência em crianças é de 53,4% e em adolescentes, de 56,5%.2 A cárie dentária é uma das doenças orais mais pesquisadas3,4 e resulta de um processo crônico, que ocorre após um certo período de exposição a uma dieta cariogênica e da susceptibilidade dos dentes a microrganismos. A cárie é considerada uma condição multifatorial transmitida localmente e é uma das patologias mais comuns na infância.5,6

Fatores de risco para cárie dentária incluem o fluxo e a composição salivares, bactérias cariogênicas presentes, exposição inadequada ao flúor, componentes imunológicos e fatores genéticos.7–9 No entanto, outros fatores, como estilo de vida, comportamento, higiene, hábitos alimentares, nível social e fatores sociodemográficos, também contribuem para a evolução da cárie.6,10–12 Doenças orais afetam as atividades diárias; entre essas atividades, aumento do absenteísmo13 e diminuição do desempenho escolar e no trabalho têm impactos econômicos e psicológicos generalizados e podem levar a reduções significativas na qualidade de vida do indivíduo.14,15 Nesse contexto, o presente estudo teve como objetivo descrever fatores associados à cárie dentária entre os escolares da cidade de Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

Método

Um estudo transversal de 623 estudantes de ambos os sexos, entre 10‐17 anos, foi conduzido de abril a dezembro de 2012. A amostra foi composta por alunos de escolas públicas e privadas na cidade de Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

Santa Cruz do Sul tem uma população de 118.374 habitantes, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).16 Na área urbana do município existem 105.190 habitantes e na área rural, 13.184 habitantes. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,773. A cidade tem 99% dos domicílios atendidos por água potável com fluoretação adequada. O município tem 64 estabelecimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), 12 Unidades Básicas de Saúde (UBS) (quatro na área rural e oito na área urbana) e, entre eles, seis têm cirurgiões dentistas. Dez equipes são dedicadas à Estratégia de Saúde da Família (uma na área rural e nove na urbana) e quatro delas têm equipe de saúde bucal. Em 2012, 14.899 matrículas foram feitas no ensino fundamental (1.751 em escolas privadas, 6.958 em escolas públicas municipais e 6.190 em escolas públicas estaduais). No ensino médio, houve 4.010 matrículas (765 em escolas privadas e 3.245 em escolas públicas).17

A população de referência para o estudo consistiu de 20.540 alunos de escolas de ensino fundamental e secundário da rede de ensino público e privado da cidade de Santa Cruz do Sul, estratificada por área rural versus urbana e, ainda, por centro e periferia: norte, sul, leste ou oeste. A cidade tem 69 escolas: oito são privadas, todas na área urbana, 30 são da cidade e 31 municipais. Na área rural, há seis escolas estaduais e 16 municipais.17 Para calcular o tamanho da amostra, foi usado o programa Epi‐Info (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA, EUA, versão 7). A prevalência de cárie dentária usada para o cálculo foi de 56%,2 com poder de 80% e um erro padrão de 5%. Com base nesses parâmetros, o tamanho mínimo da amostra foi estimado em 362 alunos. Quando as variáveis de confusão foram adicionadas para controlar o efeito em 20% e 20% para perdas e recusas, a amostra necessária foi estimada em 522 alunos.

Os critérios de inclusão foram: formulário de consentimento livre e informado assinado por um dos pais/responsáveis pelo estudante; o adolescente estava disposto e capaz de fazer o exame da cavidade oral; estava devidamente matriculado na escola dentro da faixa etária de 10‐17 anos. Ambos os sexos foram incluídos no estudo. Os adolescentes eram excluídos do estudo se estivessem ausente da escola no momento da avaliação da saúde bucal ou se não permitissem a avaliação ou se não preenchessem os questionários corretamente. Foram feitas duas tentativas de avaliação da saúde bucal por aluno.

Para avaliar a cárie dentária, um examinador fez a calibração, inicialmente, e o teste kappa mostrou uma correlação de K=0,90. A calibração feita entre o examinador do estudo e um pesquisador com vasta experiência. A avaliação da saúde bucal foi feita no laboratório de pesquisa da universidade por um pesquisador previamente treinado. A avaliação seguiu o protocolo do Projeto SB Brasil.2 Durante o exame oral, o aluno e o pesquisador permaneceram sentados em cadeiras em frente a uma janela, a fim de obter o máximo de iluminação natural. A duração média do exame odontológico foi de 10min. O exame foi feito com uma sonda WHO (OMS) e um espelho dental número 5, todos embalados em papel cirúrgico e autoclavados. Radiografias não foram feitas, enfatizou‐se pré‐secagem e escovação ou profilaxia dos dentes foi feita antes do exame. Todos os códigos e critérios foram registrados em fichas individuais para cada aluno. O índice usado foi o CPO‐D (dentes cariados, perdidos e obturados/restaurados). O índice CPO‐D mede, em uma população específica, o número médio por pessoa de: dentes cariados permanentes que necessitam de obturação ou extração (C), dentes permanentes perdidos que foram removidos como resultado de cárie (P) e dentes permanentes obturados/restaurados (O). Às vezes, os componentes separados do índice CPO‐D são usados como uma medida de serviços (por exemplo, o componente O é uma indicação de tratamento dentário de dentes cariados) e o componente P pode sugerir que tipos de cuidados dentários foram ou não recebidos (por exemplo, um alto índice de componente P sugere que os dentes foram extraídos como resultado de cárie não tratada).

O nível de escolaridade materna foi avaliado com um questionário adaptado com os critérios da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep).18 Três categorias foram usadas: analfabetos ou alfabetizados que cursaram até o 4° ano do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior. A idade dos alunos foi definida pelos critérios da OMS19 da seguinte forma: fase inicial da adolescência (10‐13 anos), intermediária (14‐16 anos) e final (17‐19 anos).

A higiene oral foi avaliada com um questionário adaptado de Barros e Nahas,20 com questões relacionadas à frequência de uso do fio dental e escovação dos dentes. Também usamos um questionário autoadministrado sobre os hábitos alimentares proposto por Barros e Nahas,20 com questões relacionadas à frequência de consumo de alimentos doces, lanches e refrigerantes.

A análise dos dados foi feita com o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0 para Windows (IBM Corp. Lançado 2011, Armonk, NY: IBM Corp, EUA). O nível de significância usado foi de 5%. Os dados foram descritos como percentuais absolutos e relativos. O teste qui‐quadrado analisou a associação da cárie dentária com outras variáveis. A análise de regressão de Poisson foi usada para verificar a associação entre as variáveis dependentes (CPO‐D ≥1) e as independentes, com modelos substanciais; para esses modelos, níveis de significância de p‐valor<0,05 ou p‐valor<0,20 foram adotados. O modelo ajustado incluiu as variáveis que foram consideradas significantes (p‐valor<0,05).

O projeto de pesquisa foi submetido ao e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul, sob o protocolo 3.044/11, em conformidade com a Declaração de Helsinque. Todos os estudantes que participaram do estudo tiveram os formulários de consentimento informado assinado pelos pais ou responsáveis registrados.

Resultados

Foram avaliados 623 estudantes, com média de 13,5 anos; desses, 57,9% eram do sexo feminino, 50,1% residiam na área urbana, 65,3% estudavam em escolas públicas e 59,2% tinham mães que eram analfabetas ou que tinham quatro anos ou menos de escolaridade. Os estudantes relataram consumir doces e refrigerantes 2‐6 vezes por semana e na maior parte das vezes consumiam batatas chips uma vez por semana. Em relação aos hábitos de higiene oral dos estudantes, 83,1% escovavam os dentes 1‐3 vezes por dia e a frequência de uso do fio dental foi relatada como “às vezes” por 52% dos estudantes. A presença de cárie dentária mostrou associações positivas com área de residência, tipo de escola, nível de escolaridade da mãe e frequência de uso do fio dental. A média do índice CPO‐D foi de 2,5 (tabela 1), o que significa que cada criança tinha uma média de 2,5 dentes cariados, perdidos ou obturados/restaurados na boca no momento da avaliação.

Tabela 1.

Caracterização dos estudantes (n=623)

  Total
n (%) 
CPOD≥1
n (%) 
CPOD=0
n (%) 
p‐valora 
Sexo0,204 
Feminino  361 (57,9)  237 (65,7)  124 (34,3)   
Masculino  262 (42,1)  159 (60,7)  103 (39,3)   
Área de residência<0,001 
Urbana  312 (50,1)  176 (56,4)  136 (43,6)   
Rural  311 (49,9)  220 (70,7)  91 (29,3)   
Tipo de escola<0,001 
Particular  22 (3,5)  03 (13,6)  19 (86,4)   
Estadual  407 (65,3)  259 (63,6)  148 (36,4)   
Municipal  194 (31,1)  134 (69,1)  60 (30,9)   
Nível de escolaridade materna<0,001 
Ensino Superior completo  57 (9,1)  19 (33,3)  38 (66,7)   
Ensino Médio  197 (31,6)  119 (60,4)  78 (39,6)   
Analfabeta ou até o 4° ano do Ensino Fundamental  369 (59,2)  258 (69,9)  111 (30,1)   
Consumo de doces0,678 
1‐3 vezes por dia  141 (22,6)  95 (67,4)  46 (32,6)   
2‐6 vezes por semana  237 (38,0)  151 (63,7)  86 (36,3)   
1 vez por semana  213 (34,2)  131 (61,5)  82 (38,5)   
Nunca  32 (5,1)  19 (59,4)  13 (40,6)   
Consumo de salgadinhos0,092 
1‐3 vezes por dia  88 (14,1)  59 (67,0)  29 (33,0)   
2‐3 vezes por dia  210 (33,7)  144 (68,6)  66 (31,4)   
1 vez por semana  270 (43,3)  164 (60,7)  106 (39,3)   
Nunca  5 5 (8,8)  29 (52,7)  26 (47,3)   
Consumo de refrigerantes0,375 
1‐3 vezes por dia  142 (22,8)  89 (62,7)  53 (37,3)   
2‐6 vezes por semana  248 (39,8)  167 (67,3)  81 (32,7)   
1 vez por semana  211 (33,9)  128 (60,7)  83 (39,3)   
Nunca  22 (3,5)  12 (54,5)  10 (45,5)   
Frequência de escovação0,524 
1‐3 vezes por dia  518 (83,1)  325 (62,7)  193 (37,3)   
4‐5 vezes por dia  87 (14,0)  60 (69,0)  27 (31,0)   
1‐3 vezes por semana/não escova  18 (2,9)  11 (61,1)  07 (38,9)   
Uso de fio dental0,002 
Sim/diário  154 (24,7)  109 (70,8)  45 (29,2)   
Às vezes  324 (52,0)  185 (57,1)  139 (42,9)   
Nunca  145 (23,3)  102 (70,3)  43 (29,7)   

CPOD≥1, índice de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados; CPOD=0: livre de caries.

a

p‐valor, teste qui‐quadrado.

Como mostrado na tabela 2, os estudantes que viviam na área rural do município eram 25% mais propensos a desenvolver cárie dentária (CPO‐D≥1) em comparação com aqueles que viviam na área urbana. Os alunos que frequentavam escolas municipais ou estaduais tinham uma probabilidade cinco vezes maior de desenvolver cárie dentária em comparação com os de escolas privadas. Estudantes com mães cuja escolaridade ia apenas até o 4° ano do Ensino Fundamental tinham duas vezes mais probabilidade de desenvolver cárie dentária em comparação com filhos de mães que tinham mais escolaridade. No entanto, os alunos com mães que tinham concluído o Ensino Médio tinham aproximadamente 81% mais chance de desenvolver cáries em comparação com os estudantes cujas mães tinham ensino superior completo. Em relação aos hábitos de higiene bucal, o uso do fio dental “às vezes” teve um efeito protetor de 20% em comparação com a probabilidade de cárie e em comparação com o hábito de não usar o fio dental.

Tabela 2.

Associações entre o índice CPOD≥1 e as seguintes variáveis específicas: área de residência, tipo de escola, nível educacional materno, hábitos alimentares e hábitos de higiene oral (frequências de escovação e uso de fio dental)

Variável  RP bruto (IC95%)  p‐valora 
Área de residência
Urbana   
Rural  1,25 (1,1‐1,4)  <0,001 
Tipo de escola
Municipal  5,06 (1,7‐14,5)  0,003 
Estadual  4,66 (1,6‐13,3)  0,004 
Particular   
Nível de escolaridade materna
Analfabeta ou até o 4° ano do Ensino Fundamental  2,09 (1,4‐3,0)  <0,001 
Ensino Médio  1,81 (1,2‐2,6)  0,002 
Ensino Superior completo   
Frequência de escovação
1‐3 vezes por semana/não escova  0,97 (0,6‐1,4)  0,9 
4‐5 vezes por dia  1,09 (0,9‐1,2)  0,2 
1‐3 vezes por dia   
Uso de fio dental
Sim/diário  1,00 (0,8‐1,1)  0,9 
Às vezes  0,81 (0,7‐9.3)  0,004 
Nunca   
Consumo de doces
1‐3 vezes por dia  1,13 (0,8‐1,5)  0,5 
2‐6 vezes por semana  1,03 (0,7‐1,4)  0,8 
1 vez por semana  1,07 (0,7‐1,4)  0,6 
Nunca   
Consumo de salgadinhos
1‐3 vezes por dia  1,27 (0,9‐1,6)  0,1 
2‐6 vezes por semana  1,15 (0,8‐1,5)  0,4 
1 vez por semana  1,30 (0,9‐1,6)  0,5 
Nunca   
Consumo de refrigerantes
1‐3 vezes por dia  1,14 (0,7‐1,7)  0,5 
2‐6 vezes por semana  1,11 (0,7‐1,6)  0,6 
1 vez por semana  1,23 (0,8‐1,8)  0,3 
Nunca   

IC, intervalo de confiança; RP, razão de prevalência.

a

Regressão de Poisson com modelos substanciais (brutos).

A tabela 3 apresenta a análise ajustada para fatores de confusão. Viver em uma área rural, ter uma mãe com um nível de escolaridade inferior e frequentar uma escola pública municipal ou estadual foram independentemente associados com a presença de cárie dentária.

Tabela 3.

Associações entre CPOD ≥ 1 e outras variáveis: área de residência, tipo de escola, nível de escolaridade materna e hábitos de higiene oral, ajustadas por sexo e idade

Variável  RP ajustada (IC95%)  p‐valora 
Área de residência
Urbana   
Rural  1,15 (1‐1,3)  0,030 
Tipo de escola
Municipal  3,30 (1,1‐9,4)  0,026 
Estadual  3,40 (1,1‐9,6)  0,022 
Particular   
Nível de escolaridade materna
Analfabeta ou até o 4° ano do Ensino Fundamental  1,67 (1,1–2,4)  0,005 
Ensino Médio  1,54 (1,0‐2,2)  0,023 
Ensino Superior completo   
Uso de fio dental
Sim/diário  0,97 (0,8‐1,1)  0,703 
Às vezes  0,80 (0,7‐0,9)  0,003 
Nunca   

IC, intervalo de confiança; RP, razão de prevalência.

a

Regressão de Poisson com modelos substanciais ajustados.

Discussão

Este estudo demonstrou uma associação independente entre índices CPO‐D≥dos estudantes e variáveis sociodemográficas, tais como: viver em áreas rurais, estar matriculado em escolas públicas municipais ou estaduais e ser filho de mãe com menor escolaridade.

Análises descritivas da média do índice CPO‐D (2,5) indicaram uma boa saúde bucal nessa população quando comparada com o contexto brasileiro. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal feita em 2010 mostraram que o índice CPO‐D aos 12 anos era de 2,06; aos 15‐19 anos, de 4,01.2 Para a Organização Mundial de Saúde, esse resultado é considerado de baixa severidade, está dentro da variação de 1,2‐2,6.21 Isso significa que, em média, cada criança tem 1,2‐2,6 dentes cariados, perdidos ou obturados/restaurados na boca.

Os alunos que viviam em áreas rurais tinham uma maior probabilidade de desenvolver cáries dentárias em comparação com alunos de áreas urbanas. Estudos feitos na Grécia,22,23 Austrália,24 no Paquistão25 e Brasil26,27 mostraram uma maior prevalência de cáries dentárias e necessidades de tratamento em estudantes de áreas rurais. Esse resultado pode estar fortemente associado com a má condição de saúde e o acesso limitado aos serviços de saúde da população do interior, o que enfatiza a urgência de concentrar a atenção sobre essas áreas para fornecer aos seus moradores informações sobre saúde, com equipes de profissionais treinados para satisfazer as suas necessidades.26

Em relação ao tipo de escola, alunos de escolas públicas tinham aproximadamente cinco vezes mais probabilidade de desenvolver cárie dentária em comparação com alunos de escolas particulares. Da mesma forma, um estudo feito em Porto Alegre, Brasil,28 mostrou que os estudantes da rede pública de ensino vinham de famílias com níveis de escolaridade mais baixos e que os alunos da rede particular de ensino vinham de famílias com renda mais elevada. Em nosso estudo, 59,2% das mães dos estudantes eram analfabetas ou tinham, no máximo, completado apenas o 4° ano do Ensino Fundamental, em contraste com 9,1% dos estudantes cujas mães tinham ensino superior completo.

Vários estudos na literatura têm abordado a relação entre o estado da saúde oral e menor renda e, consequentemente, com pais menos escolarizados. Na maioria dos casos, o acesso limitado à informação e comportamentos negativos relacionados à saúde estão associados a esses resultados e atenção especial deve ser dada a esse grupo.12,29–32 No nosso estudo, em relação à higiene oral, a maioria das crianças em idade escolar escovava os dentes diariamente (1‐3 vezes/dia), mas 2,9% relataram escovar os dentes 1‐3 vezes por semana ou não escovar os dentes em absoluto. Em relação ao uso do fio dental, a maioria dos escolares relatou o uso de fio dental somente às vezes. As práticas de higiene oral ruins estão diretamente associadas com as condições da saúde bucal, especialmente em relação ao desenvolvimento de cáries dentárias.33

Um estudo feito na Tailândia, com 1.156 alunos com seis anos e 1.116 alunos com 12 anos demonstrou uma associação positiva entre o desenvolvimento da cárie dentária e práticas inadequadas de higiene oral.34 Uma pesquisa feita em Clementina e Gabriel Monteiro, no Brasil, mostrou que quanto mais cedo as crianças iniciavam boas práticas de higiene oral, menor era a prevalência inicial de cárie dentária.35

As limitações deste estudo são inerentes a estudos transversais, que não permitem estabelecer uma relação de causa e efeito. No entanto, deve notar‐se que a amostra foi representativa do município estudado, com seleção aleatória de todos os estudantes de escolas públicas e privadas, de áreas urbanas e áreas rurais. Os resultados deste estudo só podem ser generalizados para populações com características semelhantes às dos adolescentes estudados.

Em resumo, este estudo demonstrou que os estudantes que residem em áreas rurais, estudantes de escolas estaduais e municipais e estudantes filhos de mães com menor escolaridade apresentaram um CPO‐D≥1. Além disso, ações diretas com vistas à implantação de programas educacionais e preventivos sobre os temas de higiene e autocuidado são necessárias, especialmente para pais e comunidades escolares em áreas rurais.

Financiamento

O presente artigo recebeu financiamento através de bolsas de pesquisa das seguintes instituições: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo financiamento pelo Programa de Suporte à Pós‐Graduação de Instituições de Ensino Particulares (Prosup), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelos subsídios do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs)/Bolsa de Iniciação Científica (BIC), Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc)/Programa Unisc de Iniciação Científica (Puic).

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Agradecemos aos alunos de graduação e pós‐graduação que ajudaram a coleta de dados.

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