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Inicio Revista Paulista de Pediatria Dor dentária e fatores associados em pré‐escolares brasileiros
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Vol. 34. Núm. 3.
Páginas 336-342 (Septiembre 2016)
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2060
Vol. 34. Núm. 3.
Páginas 336-342 (Septiembre 2016)
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Dor dentária e fatores associados em pré‐escolares brasileiros
Dental pain and associated factors in Brazilian preschoolers
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2060
João Gabriel Silva Souzaa,
Autor para correspondencia
jgabriel.ssouza@yahoo.com.br

Autor para correspondência.
, Andrea Maria Eleutério de Barros Lima Martinsb
a Departamento de Ciências Fisiológicas, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas, Piracicaba, SP, Brasil
b Departamento de Odontologia, Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil
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Tabela 1. Análise descritiva da dor dentária, características sociodemográficas, serviços de saúde e desfechos de saúde entre pré‐escolares brasileiros em 2010 (n=7.280)
Tabela 2. Análise bivariada dos fatores associados à dor dentária em pré‐escolares brasileiros em 2010
Tabela 3. Análise múltipla dos fatores associados a dor dentária entre pré‐escolares brasileiros em 2010
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Resumo
Objetivo

Descrever a prevalência da dor dentária em pré‐escolares brasileiros, assim como seus fatores associados, considerando uma amostra representativa desse contingente populacional no Brasil.

Métodos

Estudo transversal, analítico, que usou os dados do Inquérito Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil) feito em 2010. Considerou‐se uma amostra representativa de pré‐escolares com 5 anos. Foram feitas entrevistas (respondidas pelos responsáveis) e exames clínicos nas crianças. Conduziram‐se análises descritivas, bivariadas e múltiplas, descritas em odds ratio e intervalo de confiança de 95% (OR/IC95%).

Resultados

Foram incluídos 7.280 pré‐escolares. Desses, 1.520 (21,1%) tiveram dor dentária nos últimos 6 meses. A chance da ocorrência de dor dentária foi maior entre aqueles que usaram serviços odontológicos (1,51/1,02‐2,23), com cárie dentária (3,08/2,08‐4,56), perceberam a necessidade de tratamento odontológico (3,96/2,48‐6,34), os que os pais relatavam insatisfação por parte das crianças com seus dentes e sua boca (1,47/1,04‐2,10) e os que relataram impacto dos problemas bucais na qualidade de vida (5,76/3,90‐8,49).

Conclusões

A prevalência da dor dentária entre pré‐escolares brasileiros foi relativamente alta e associada ao uso de serviços odontológicos e às condições normativas e subjetivas de saúde bucal.

Palavras‐chave:
Dor
Criança
Cáries dentárias
Saúde bucal
Abstract
Objective

To describe the prevalence of dental pain in Brazilian preschoolers, as well as its associated factors, considering a representative sample of that population group in Brazil.

Methods

Cross‐sectional study that used the analytical data of the national oral health survey (SB Brazil) carried out in 2010. A representative sample of Brazilian preschoolers aged 5 years was considered. Interviews were carried out (answered by parents/tutors), as well as clinical examinations in children. Descriptive, bivariate and multivariate analyzes were performed, described in odds ratios and 95% confidence interval (OR/95%CI).

Results

7,280 preschoolers were included. Of these, 1520 (21.1%) had had dental pain in the last 6 months. The chance of the occurrence of dental pain was higher among those who used dental services (1.51 / 1.02 to 2.23), with tooth decay (3.08 / 2.08 to 4.56), that realized the need for dental treatment (3.96 / 2.48 to 6.34), whose parents reported dissatisfaction by children with their teeth and mouth (1.47 / 1.04 to 2.10) and those who reported impact of oral problems on quality of life (5.76 / 3.90 to 8.49).

Conclusions

The prevalence of dental pain among Brazilian preschool children was relatively high, being associated with the use of dental services and the normative and subjective oral health status.

Keywords:
Pain
Child
Tooth decay
Oral health
Texto completo
Introdução

A dor dentária tem sido considerada o sintoma, ou consequência, mais comum da presença de agravos bucais, tais como cárie dentária e doença periodontal.1–3 A Associação Internacional para o estudo da Dor (International Association for the Study of Pain – IASP) conceitua a dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável, proveniente de lesões teciduais.4 Dentre as dores orofaciais, a de origem dentária tem sido reportada como a mais frequente,5 pode afetar a interação social e as atividades cotidianas,6 assim como ter um impacto negativo na qualidade de vida.7,8 Ressalta‐se que a percepção da dor pode ser influenciada pelo conhecimento e pela crenças das pessoas e pelo ambiente cultural e social no qual estão inseridos.9,10 Diferentes fatores têm sido associados à presença e percepção da dor dentária, tais como: piores condições socioeconômicas,9 presença de cárie dentária,11 dificuldades relacionadas à alimentação e distúrbios do sono.6 Além disso, a sua ocorrência tem sido apontada como um dos principais motivos da busca por assistência odontológica.2,9

A prevalência da dor dentária varia bastante entre os diferentes estudos e faixas etárias. Estudos internacionais abordam a prevalência de episódios de dor dentária e apontam resultados que variam de 9% no Japão12(11‐15 anos) a 40%, em distritos de Manchester (Inglaterra) (até 12 anos).13 No Brasil, essa prevalência também é variável, com taxas entre 11% e 39% (indivíduos de 5‐60 anos).1,5,11,14–16 Dentre os contingentes populacionais investigados em relação a esse acometimento destacam‐se as crianças, principalmente as de idade pré‐escolar.8,15

No Brasil, as condições de saúde bucal dos pré‐escolares são preocupantes. Apesar das melhorias modestas registradas nos dois últimos levantamentos epidemiológicos da população, feitos em 2002/200317 e 2010,18 como o aumento em cerca de 6% de crianças de cinco anos livres de cárie, tal contingente populacional ainda é acometido por uma alta prevalência de agravos bucais, tais como cárie dentária e má oclusão.18 Tal fato pode acarretar alta prevalência de dor dentária e, consequentemente, impacto negativo na sua vida diária.

No entanto, os estudos de base populacional com amostra representativa dos pré‐escolares brasileiros e que tenham como tema a dor dentária são raros. Portanto, o presente estudo teve como objetivo descrever a prevalência da dor dentária em pré‐escolares brasileiros, assim como seus fatores associados.

Método

Estudo transversal, que usou a base de dados do Inquérito Nacional das Condições de Saúde Bucal da população, denominado SB Brasil, feito pelo Ministério da Saúde em 2010.18 Seguindo os critérios propostos pela Organização Mundial de Saúde em 1997,19 uma amostra representativa da população brasileira nas faixas etárias índices foi entrevistada e examinada em seus domicílios quanto às condições de saúde bucal, demográficas e socioeconômicas, uso de serviços odontológicos e questões subjetivas de saúde bucal. No presente estudo considerou‐se a amostra de pré‐escolares, foram avaliadas no SB Brasil 2010 apenas as crianças de 5 anos.

Foram entrevistados e examinados residentes de 177 municípios, incluindo as 27 capitais, das cinco macrorregiões (Norte, Nordeste, Centro‐Oeste, Sudeste e Sul), selecionados por amostragem probabilística por conglomerados, em múltiplos estágios, com probabilidade proporcional ao tamanho e considerando um efeito de desenho (deff) igual a 2. Os 30 municípios em cada região e 30 setores censitários para capitais e Distrito Federal foram sorteados pela técnica de probabilidade proporcional ao tamanho.20

Os exames e as entrevistas foram feitos por cirurgiões‐dentistas previamente treinados e calibrados pela técnica do consenso, o valor mínimo aceitável de kappa para cada examinador, grupo etário e agravo estudado foi igual a 0,65. As entrevistas foram feitas com auxílio de computador de mão (Personal Digital Assistant).20

Na presente investigação usou‐se um recorte do banco de dados e foram incluídos nas análises os pré‐escolares que responderam a questão referente à presença de dor dentária.

A variável dependente – dor dentária – foi avaliada pela questão: “Nos últimos 6 meses o Sr (a) teve dor de dente?” (Não/Sim). Por se tratar de uma amostra de crianças de 5 anos, tal resposta foi dada pelo responsável. Dessa forma, foi caracterizada a presença de dor dentária nos pré‐escolares a partir da resposta “sim” à questão.

As variáveis independentes foram reunidas em três grupos: condições sociodemográficas, serviços de saúde e desfechos de saúde (condições normativas e subjetivas de saúde bucal). As condições sociodemográficas avaliadas foram: sexo, etnia autodeclarada, renda familiar e região do Brasil. Em relação aos serviços de saúde, considerou‐se o uso de serviço odontológico ao longo da vida. Ressalta‐se que esse uso não necessariamente está relacionado aos desfechos em saúde ou com a ocorrência de dor dentária, é caracterizado o uso do serviço pelo menos uma vez ao longo da vida. Nos desfechos em saúde, a condição normativa de saúde bucal avaliada foi a presença de dentes com cárie. Essa avaliação foi feita a partir do componente cariado do índice ceo‐D, no qual se contabiliza a quantidade de elementos dentários decíduos acometidos por cárie, com extração indicada e restaurados.18,19 Em relação às condições subjetivas de saúde bucal, avaliaram‐se a autopercepção da necessidade de tratamento, a satisfação com dentes e boca e os impactos dos problemas bucais na qualidade de vida. Devido à idade dos pacientes, esses dados foram respondidos pelos responsáveis. Tal impacto foi mensurado pelo instrumento Oral Impacts on Daily Performance (OIDP), que avalia o impacto das condições bucais na habilidade do indivíduo em desenvolver atividades diárias,21,22 são considerados com impacto no presente estudo os pré‐escolares que relataram o comprometimento em pelo menos um dos nove itens que compõe o instrumento. Portanto, foi usado o escore OIDP dicotomizado (Sim/Não).

Na análise dos dados, empregou‐se o software SPSS® Statistics 18.0 (SPSS, IBM Company, Hong Kong, China). Como o estudo envolveu amostra complexa por conglomerados, foi feita a correção pelo efeito do desenho amostral, levaram‐se em consideração o efeito dos conglomerados e a atribuição de ponderações aos elementos amostrados. Para variáveis categóricas, a análise descritiva incluiu a distribuição da amostra, frequência relativa corrigida (%) e erro padrão (EP). Para avaliação dos fatores associados ao desfecho (dor dentária) foram feitas análises bivariada e múltipla. Na análise bivariada foram estimados odds ratio brutas (ORbruta) e intervalos de confiança de 95% (IC95%), com a correção pelo efeito do desenho amostral. As variáveis independentes que apresentaram nível descritivo menor ou igual a 20% (p≤0,20), nessa etapa das análises, foram selecionadas para a análise múltipla. Na análise múltipla dos fatores associados ao desfecho, a partir de regressão logística (ORajustada/IC95%), foi adotado nível de significância de 5% (α=5%).

O levantamento epidemiológico foi conduzindo com base nos princípios éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 196/96 e foi aprovado e registrado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), sob o n° 15.498/2010.

Resultados

Foram incluídos no presente estudo 7.280 crianças de 5 anos. Dessas, 1.520 (21,1%) tiveram episódios de dor dentária nos 6 meses anteriores à coleta de dados. A maioria das crianças era do sexo masculino, já fez uso dos serviços odontológicos e era livre de cárie (tabela 1).

Tabela 1.

Análise descritiva da dor dentária, características sociodemográficas, serviços de saúde e desfechos de saúde entre pré‐escolares brasileiros em 2010 (n=7.280)

  EP 
Dor dentária nos últimos 6 meses
Não  5.760  78,9   
Sim  1.520  21,1  1,7 
Sexo
Masculino  3.643  51,9   
Feminino  3.637  48,1  1,4 
Etnia
Branco  3.259  48,5   
Amarelo/ Negro/ Pardo/ Indígena  4.021  51,5  2,1 
Renda familiar
Mais de 500 reais  5.434  78,1   
Até 500 reais  1.526  21,9  1,8 
Região do Brasil
Centro‐Oeste  1.141  8,1  1,1 
Sul  917  13,3  2,1 
Sudeste  1.283  50,3  4,3 
Nordeste  2.145  17,2  2,0 
Norte  1.794  11,1  1,4 
Uso de serviços odontológicos
Não  3.416  46,7   
Sim  3.800  53,3  1,6 
Dentes com cárie
3.624  52,6   
1 ou mais  3.535  47,4  1,8 
Autopercepção da necessidade de tratamento
Não  3.027  45,8   
Sim  3.962  54,2  2,0 
Satisfação dentes e boca
Satisfeito  4.788  71,5   
Insatisfeito  2.066  28,5  1,9 
Impacto problemas bucais na QV
Não  5.510  74,8   
Sim  1.770  25,2  2,2 

n, número de indivíduos; EP, erro padrão; QV, qualidade de vida.

A análise bivariada identificou que variáveis pertencentes a todas as categorias (sociodemográficas, uso de serviços e desfechos em saúde) mantiveram‐se associadas à dor dentária (p≤0,20) e foram consideradas na análise múltipla (tabela 2).

Tabela 2.

Análise bivariada dos fatores associados à dor dentária em pré‐escolares brasileiros em 2010

  Presença de dor dentária
  ORbruta  IC95%  p‐valor 
Sexo
Masculino  21,6  1,00     
Feminino  20,7  0,94  0,72‐1,23  0,694 
Etnia
Branco  18,5  1,00     
Amarelo/ Negro/ Pardo/ Indígena  23,6  1,36  1,06‐1,75  0,016 
Renda familiar
Mais de 500 reais  18,6  1,00     
Até 500 reais  30,0  1,87  1,39‐2,51  0,000 
Região do Brasil
Centro‐Oeste  23,4  1,00     
Sul  17,4  0,68  0,44‐1,06  0,094 
Sudeste  19,6  0,80  0,55‐1,15  0,237 
Nordeste  24,4  1,05  0,80‐1,37  0,688 
Uso de serviços odontológicos
Não  17,6  1,00     
Sim  24,4  1,51  1,16‐1,96  0,002 
Dentes com cárie
7,8  1,00     
1 ou mais  35,5  6,48  4,76‐8,83  0,000 
Autopercepção da necessidade de tratamento
Não  5,2  1,00     
Sim  35,3  10,02  6,36‐15,76  0,000 
Satisfação dentes e boca
Satisfeito  12,9  1,00     
Insatisfeito  42,0  4,90  3,76‐6,40  0,000 
Impacto problemas bucais na QV
Não  10  1,00     
Sim  54,2  10,63  7,58‐14,91  0,000 

ORbruta, odds ratio bruta; IC95%, intervalo de confiança de 95%; QV, qualidade de vida.

Na análise múltipla, identificou‐se que a dor dentária nos últimos 6 meses em crianças aos 5 anos foi associada a: não uso de serviços odontológicos (p=0,037); cárie dentária (p≤0,001); percepção por parte dos pais das crianças de necessidade de tratamento (p≤0,001); relato pelos pais de insatisfação das crianças com dentes e boca (p=0,029) e impacto dos problemas bucais na qualidade de vida segundo o instrumento aplicado (OIDIP – p≤0,001) (tabela 3).

Tabela 3.

Análise múltipla dos fatores associados a dor dentária entre pré‐escolares brasileiros em 2010

  ORajustada  IC95%  p‐valor 
Uso de serviços odontológicos
Não  1,00     
Sim  1,51  1,02‐2,23  0,037 
Dentes com cárie
1,00     
1 ou mais  3,08  2,08‐4,56  <0,001 
Autopercepção da necessidade de tratamento
Não  1,00     
Sim  3,96  2,48‐6,34  <0,001 
Satisfação dentes e boca
Satisfeito  1,00     
Insatisfeito  1,47  1,04‐2,10  0,029 
Impacto problemas bucais na qualidade de vida
Não  1,00     
Sim  5,76  3,90‐8,49  <0,001 

ORajustada, odds ratio ajustada; IC95%, intervalo de confiança de 95%.

Na distribuição da dor dentária entre pré‐escolares no Brasil, de acordo com as unidades federativas, percebe‐se uma menor prevalência desse relato naqueles residentes na Região Sul (fig. 1).

Figura 1.

Distribuição da presença (%) de dor dentária em pré‐escolares brasileiros segundo unidade federativa do Brasil.

(0,26MB).
Discussão

Identificou‐se uma prevalência de dor dentária elevada entre as crianças de 5 anos, com taxa de 21,1%. Tal prevalência foi superior à identificada em outros estudos feitos no Brasil com pré‐escolares.15,23 Apesar disso, prevalências superiores foram identificadas em estudos nacionais11,16 e internacionais12,13 que consideraram crianças mais velhas (6 a 12 anos) e evidenciaram a possibilidade de que o avançar da idade possa influenciar na ocorrência de problemas bucais e, consequentemente, na percepção da dor. A prevalência da dor dentária entre os pré‐escolares brasileiros possivelmente é decorrente da alta prevalência de alguns problemas bucais entre esses indivíduos, como, por exemplo, a cárie dentária.18 No entanto, considerando a prevalência desses problemas, esperava‐se uma maior prevalência de dor dentária, já que a cárie dentária tem sido apontada como principal responsável pela ocorrência de dor dentária em crianças.24 Ressalta‐se ainda que o relato de dor foi feito pelo responsável do pré‐escolar, que pode subestimar a ocorrência desse evento. Além das taxas de dor dentária, identificou‐se que foi associada a variáveis referentes ao uso de serviços odontológicos e desfechos em saúde bucal (condições normativas e subjetivas de saúde bucal).

Identificou‐se uma maior prevalência da ocorrência de dor dentária entre aqueles que consultaram o cirurgião‐dentista. Tal associação torna‐se preocupante ao se considerar que a consulta ao dentista deveria acarretar um maior cuidado e tratamento dos problemas bucais e resultar no alívio da dor. Dessa forma, tem‐se por hipótese a possibilidade de não resolutividade dos serviços odontológicos usados. Estudo prévio conduzido entre pré‐escolares de Montes Claros (MG) identificou uma menor chance do uso de serviços odontológicos entre aqueles que nunca tiveram experiência de cárie dentária,25 o que evidencia a possibilidade da não ocorrência de agravos ou dor e, consequentemente, não uso do serviço.

A cárie dentária tem sido apontada como principal motivo para dor dentária.24,26 A prevalência da dor dentária foi maior entre os pré‐escolares com um ou mais dentes com cárie dentária. Tal associação era esperada, já que a dor é um dos sintomas da presença de cárie dentária. Essa associação foi identificada também entre adolescentes5 e adultos.9 Estudo prévio de coorte feito com pré‐escolares de 5 anos de Pelotas (RS) identificou que indivíduos com lesões de cárie têm uma maior chance (4,8 vezes) de ter dor dentária.26 Um maior acesso a serviços odontológicos, assim como medidas preventivas e de educação em saúde, poderia impactar positivamente na redução dos índices de cárie nessa população e, consequentemente, na ocorrência de dor dentária.

Identificou‐se uma maior chance da ocorrência de dor dentária em pré‐escolares que possivelmente estavam insatisfeitos com suas condições de saúde bucal e necessitavam de tratamento odontológico, de acordo com o relato dos responsáveis. A presença de dor dentária é uma consequência da presença de agravos bucais,1–3 esses, por sua vez, podem levar a uma insatisfação com a saúde bucal e à percepção da necessidade de tratamento. Ressalta‐se que os dados referentes às questões subjetivas de saúde bucal foram relatados pelos responsáveis pelas crianças. Dessa forma, a percepção avaliada pode não representar totalmente o quanto os pré‐escolares se sentem afetados pelos seus problemas bucais. Porém, ao considerar a pouca idade da amostra e a dificuldade de julgamento de suas condições bucais, o relato por parte daqueles que convivem com essas crianças (responsáveis) representa uma medida confiável de avaliação. Nesse sentido, a dor dentária representa um importante preditor na busca pela assistência odontológica.

Considerando o fato de a dor dentária impactar negativamente na vida diária das pessoas6 e comprometer a qualidade de vida,7,8 a maior chance da dor dentária entre aqueles com impacto dos problemas bucais na qualidade de vida identificada no presente estudo era esperada. Ressalta‐se aqui o caráter subjetivo do relato de dor, assim como dos impactos na qualidade de vida capturados, principalmente entre crianças. Assim como para a autopercepção da saúde bucal e a necessidade de tratamento odontológico, a avaliação do impacto na qualidade de vida foi respondida pelos responsáveis pelas crianças e pode diferir do quanto as crianças realmente se sentem afetadas pelos problemas bucais.

A dor é um fenômeno multidimensional, pode ser influenciada por diferentes fatores, sua avaliação objetiva em pré‐escolares é um desafio para profissionais de saúde. Portanto, a identificação da prevalência de dor dentária, assim como seus fatores associados, pode permitir a melhoria e aplicação de políticas públicas que visem à melhoria das condições de saúde bucal e da vida diária desse contingente populacional. Dentre as limitações do presente estudo, destaca‐se sua característica transversal, que não permite a identificação de causas e efeitos, e o fato de os dados serem provenientes de 2010 e modificações nesse perfil de acometimento da dor podem ter ocorrido ao longo dos anos. Além disso, o relato de dor, assim como as demais questões subjetivas de saúde bucal, foi feito pelos responsáveis, é uma medida subjetiva e dinâmica. Apesar disso, o presente estudo possibilitou a caracterização da ocorrência de dor dentária entre pré‐escolares brasileiros considerando uma amostra representativa dessa faixa etária. Tal caracterização permitiu também identificar a distribuição da ocorrência de episódio de dor dentária em pré‐escolares brasileiros entre as regiões do Brasil e suas capitais. Ressalta‐se uma variabilidade na prevalência de dor entre as capitais de uma mesma região, identificou‐se uma menor prevalência em geral na Região Sul do país.

Dos pré‐escolares incluídos no presente estudo, 21,1% tiveram dor dentária nos últimos seis meses anteriores à coleta de dados. Ressalta‐se ainda que a presença desse fenômeno se manteve associada ao uso de serviços odontológicos, ocorrência de cárie dentária, necessidade de tratamento, insatisfação com dentes e boca e impacto dos problemas bucais na qualidade de vida. Portanto, tais associações devem ser consideradas no planejamento em saúde por parte de profissionais e gestores que visem à redução da ocorrência da dor dentária entre pré‐escolares brasileiros.

Financiamento

O estudo não recebeu financiamento.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse

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