Buscar en
Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva
Toda la web
Inicio Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva Diferenças de gênero nos resultados da intervenção coronariana percutânea p...
Journal Information
Vol. 23. Issue 2.
Pages 96-101 (April - June 2015)
Visits
2706
Vol. 23. Issue 2.
Pages 96-101 (April - June 2015)
Artigo Original
Open Access
Diferenças de gênero nos resultados da intervenção coronariana percutânea primária em pacientes com infarto do miocárdio com elevação de ST
Gender differences in primary percutaneous coronary intervention outcomes in patients with ST‐elevation myocardial infarction
Visits
2706
Roberto Ramos Barbosaa,b,1,
Corresponding author
roberto.rb@cardiol.br

Autor para correspondência: Rua Vênus, s/n, Alecrim, CEP: 29118‐060, Vila Velha, ES, Brasil.
, Valmin Ramos da Silvab, Renato Giestas Serpaa, Felipe Bortot Cesara, Vinicius Fraga Mauroa, Denis Moulin dos Reis Bayerla, Walkimar Ururay Gloria Velosoa, Roberto de Almeida Cesara, Pedro Abilio Ribeiro Resecka
a Hospital Evangélico de Vila Velha, Vila Velha, ES, Brasil
b Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia, Vitória, ES, Brasil
This item has received

Under a Creative Commons license
Article information
Abstract
Full Text
Bibliography
Download PDF
Statistics
Tables (4)
Tabela 1. Características clínicas
Tabela 2. Características angiográficas
Tabela 3. Desfechos clínicos hospitalares
Tabela 4. Preditores de óbito hospitalar após intervenção coronária percutânea primária
Show moreShow less
Resumo
Introdução

Relata‐se maior mortalidade no sexo feminino no infarto do miocárdio com supradesnivelamento de ST (IAMCST). Este estudo teve como objetivo avaliar os perfis clínico e angiográfico, e os resultados de pacientes submetidos à intervenção coronária percutânea primária (ICPp), de acordo com o sexo.

Métodos

Estudo retrospectivo que incluiu pacientes com IAMCST submetidos à ICPp entre março de 2012 e maio de 2013, em um serviço de referência regional, acompanhados desde a admissão até a alta hospitalar ou o óbito.

Resultados

Foram submetidos à ICPp 208 pacientes, sendo 51 (24,5%) mulheres e 157 (75,5%) homens. Observou‐se diferença significativa para idade (65,5 ± 14,0 vs. 58,8 ± 11,0 anos; p = 0,001), diabetes (43,1% vs. 24,8%; p = 0,02), classificação de Killip‐Kimbal III/IV (17,6% vs. 7,0%; p = 0,02), tempo dor‐porta (181 ± 154 minutos vs. 125 ± 103 minutos; p = 0,004) e tempo porta‐balão (181 ± 133 minutos vs. 87 ± 67 minutos; p = 0,001). O sucesso do procedimento foi semelhante (92,1% vs. 91,1%; p = 0,22). A mortalidade hospitalar foi maior para o sexo feminino (23,5% vs. 8,9%; p = 0,006). Análise multivariada identificou como preditores independentes de mortalidade a idade ≥ 70 anos (odds ratio OR = 2,75; intervalo de confiança de 95% IC 95% 1,81‐3,64; p = 0,029) e a classe Killip‐Kimbal III/IV (OR = 2,45; IC 95% 1,49‐4,02; p = 0,002).

Conclusões

Mulheres com IAMCST apresentaram perfil clínico mais grave e tempos dor‐porta e porta‐balão mais prolongados que homens. O sexo feminino apresentou maior mortalidade hospitalar após ICPp, porém o sexo feminino não foi identificado como preditor independente de óbito.

Palavras‐chave:
Infarto do miocárdio
Intervenção coronária percutânea
Sexo
Mortalidade
Abstract
Background

Higher mortality is reported among women with ST‐elevation myocardial infarction (STEMI). This study aimed to evaluate the clinical and angiographic profiles, as well as outcomes of patients submitted to primary percutaneous coronary intervention (pPCI), according to gender.

Methods

Retrospective study that included patients with STEMI undergoing pPCI between March 2012 and May 2013 at a regional referral center, followed from admission until hospital discharge or death.

Results

208 patients underwent pPCI, of whom 51 (24.5%) were women and 157 (75.5%) men. A significant difference was observed for age (65.5 ± 14.0 vs. 58.8 ± 11.0 years; p = 0.001), diabetes (43.1% vs. 24.8%; p = 0.02), Killip‐Kimball class III/IV (7.0% vs. 17.6%; p = 0.02), pain‐to‐door time (181 ± 154minutes vs. 125 ± 103minutes; p = 0.004), and door‐to‐balloon time (181 ± 87 vs. 133minutes ± 67minutes; p = 0.001). The success of the procedure was similar (92.1% vs. 91.1%; p = 0.22). In‐hospital mortality was higher for females (23.5% vs. 8.9%; p = 0.006). Multivariate analysis identified age ≥ 70 years (odds ratio ‐ OR = 2.75; 95% confidence interval ‐ 95% CI: 1.81–3.64; p = 0.029) and Killip‐Kimball class III/IV (OR = 2.45; 95% CI: 1.49–4.02; p = 0.002) as independent predictors of mortality.

Conclusions

Women with STEMI had a more severe clinical profile and longer pain‐to‐door and door‐to‐balloon times than men. Females had higher in‐hospital mortality after pPCI, but the female gender was not identified as an independent predictor of death.

Keywords:
Myocardial infarction
Percutaneous coronary intervention
Gender
Mortality
Full Text
Introdução

O infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma das principais causas de morte no Brasil e requer protocolos bem estabelecidos para seu manuseio, além de capacitação humana e tecnológica, o que demanda recursos financeiros cada vez mais elevados.1

Há evidências robustas, a partir de ensaios clínicos randomizados, de que a intervenção coronária percutânea primária (ICPp) está associada a menor mortalidade, menores taxas de IAM recorrente e hemorragia intracraniana, comparada à terapia fibrinolítica.2 Sendo possível a realização de ICPp, esta é recomendada para todos os pacientes com IAM com supradesnivelamento de ST (IAMCST) que possam ser submetidos ao procedimento dentro de 90 minutos do primeiro contato médico, por profissionais habilitados, desde que o quadro tenha se iniciado dentro das últimas 12 horas.

O IAMCST exige reconhecimento imediato da equipe médica e atendimento ágil, envolvendo transferência inter‐hospitalar em parte dos casos e acionamento de serviços específicos.3 Em diversos pontos da assistência, existem barreiras de acessibilidade, que podem ser de múltiplas naturezas, tendo, geralmente, causas clínicas, ambientais, sociais, cognitivas e/ou emocionais, e que podem estar intimamente relacionadas ao gênero. O conjunto desses fatores pode interferir no processo de julgamento e na decisão médica, bem como na chegada a um serviço ou local de atendimento.4

Diversos estudos identificaram comportamentos diferentes do IAMCST em homens e mulheres. Com frequência, observa‐se, nas mulheres, mortalidade mais elevada, além de características clínicas adversas em maior frequência do que os homens, como idade mais avançada, maior prevalência de fatores de risco cardiovascular e quadro clínico mais grave.5–9 Ainda, maiores tempos de retardo na assistência a mulheres com IAMCST têm sido relatados, o que pode influenciar nos resultados, inclusive dos pacientes submetidos à ICPp.9

Este estudo teve como objetivo avaliar o perfil clínico‐angiográfico e os resultados de pacientes submetidos à ICPp, de acordo com o gênero, e obter os fatores preditores independentes da mortalidade hospitalar.

MétodosDesenho e população do estudo

Estudo retrospectivo, observacional, unicêntrico, de caráter descritivo e comparativo (por gênero), realizado a partir de dados coletados em prontuários médicos e de informações obtidas e registradas no Laboratório de Cardiologia Intervencionista.

A amostra foi composta por pacientes consecutivos admitidos com IAMCST e submetidos à ICPp entre março de 2012 e maio de 2013, num serviço de referência regional, acompanhados desde a admissão até a alta hospitalar ou o óbito. Foram incluídos os pacientes com mais de 18 anos submetidos à ICPp em caráter de urgência dentro das primeiras 12 horas dos sintomas, atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com supradesnivelamento persistente do segmento ST em duas ou mais derivações contíguas ou um novo bloqueio de ramo esquerdo no eletrocardiograma. Pacientes submetidos à ICP com início dos sintomas há mais de 12 horas foram excluídos, bem como aqueles sem critérios diagnósticos de IAMCST na avaliação conjunta das equipes de cardiologia clínica e intervencionista.

Procedimentos

Todos os casos de IAMCST assistidos na instituição de referência tiveram demanda espontânea ou foram transferidos após atendimento inicial e reconhecimento do quadro em outro serviço. Os casos que necessitaram de transferência inter‐hospitalar foram conduzidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), conforme preconizado pelo fluxo regulatório da Rede de Urgência e Emergência no Estado do Espírito Santo. Nesses casos, o SAMU, contactado pela equipe médica do primeiro serviço após o acolhimento do paciente, realizou a regulação, o contato com o serviço de referência e a posterior transferência do paciente em unidade móvel apropriada.

Em todos os pacientes, obedeceu‐se o caráter emergencial da realização do procedimento de ICPp, sendo o paciente conduzido à sala de hemodinâmica o mais brevemente possível após comunicação pela equipe do pronto‐socorro. Os pacientes receberam dose de ataque de 200 a 300mg de ácido acetilsalicílico e 300 a 600mg de clopidogrel, ou 180mg de ticagrelor. O uso de morfina, nitrato sublingual/endovenoso ou betabloqueador ficava a critério do médico plantonista. Todos receberam heparina não fracionada na sala de hemodinâmica (70 a 100 U/kg). Após o procedimento, a terapia antiplaquetária dupla era mantida sistematicamente em todos os pacientes.

A ICPp foi realizada conforme preconizado pela diretriz brasileira de IAMCST,10 sendo a via de acesso definida pelo cardiologista intervencionista. Pré e pós‐dilatação foram realizadas de acordo com o julgamento do operador, bem como a administração de inibidores de glicoproteína IIb/IIIa.

Os tempos de isquemia miocárdica foram registrados de forma rotineira no serviço, bem como os períodos das diversas etapas da assistência médica. Analisamos o tempo dor‐balão (intervalo entre o início dos sintomas e a primeira insuflação do balão); tempo dor‐porta (intervalo entre o início dos sintomas até a chegada ao primeiro serviço de saúde); tempo de transferência inter‐hospitalar (tempo decorrido desde a chegada ao primeiro serviço de saúde até o serviço de referência); e o tempo porta‐balão (intervalo entre a chegada do paciente no hospital de referência e a primeira insuflação do balão).

Definições e desfechos

O tempo de internação hospitalar foi contabilizado a partir do dia de admissão, considerando‐se esse o “dia zero”. Na análise do tempo de internação, foram considerados somente os pacientes que receberam alta para domicílio, excluindo‐se aqueles que foram a óbito durante o período de hospitalização.

O desfecho primário do estudo foi a ocorrência de óbito por qualquer causa no período hospitalar. Os desfechos secundários foram a ocorrência de trombose de stent provável ou definitiva pelos critérios do Academic Research Consortium,11 sangramentos moderados ou graves de acordo com os critérios Global Utilization of Streptokinase and Tissue Plasminogen Activator for Occluded Coronary Arteries (GUSTO),12 ou insuficiência renal aguda (caracterizada por aumento da creatinina sérica acima de 50% do valor basal ou necessidade de iniciar terapia dialítica).

Análise estatística

As variáveis categóricas foram expressas como frequências absolutas e porcentuais, e comparadas por meio do teste do qui quadrado de Pearson, ou o teste exato de Fisher, quando apropriado. As variáveis contínuas foram descritas como média e desvio padrão, e comparadas por meio do teste t de Student. Os dados obtidos foram armazenados em planilha do programa Microsoft Office. A análise foi realizada com uso do software Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 20.0 para Windows, sendo considerados estatisticamente significativos valores de p < 0,05.

Os preditores independentes de mortalidade hospitalar foram obtidos pela análise multivariada por regressão logística binária. No modelo, as variáveis contínuas foram dicotomizadas, sendo utilizados como covariáveis o sexo feminino, a idade ≥ 70 anos, hipertensão arterial, diabetes melito, tabagismo, insuficiência renal crônica, classe Killip‐Kimbal III ou IV à admissão e tempo dor‐balão > 360 minutos, enquanto a variável dependente foi a ocorrência de óbito na fase hospitalar.

Resultados

O sexo feminino mostrou maior prevalência de diabetes melito (43,1% vs. 24,8%; p = 0,02) e maior proporção de pacientes com a classificação Killip‐Kimbal III/IV (tabela 1).

Tabela 1.

Características clínicas

Variáveis  GêneroValor de p 
  Feminino (n = 51)  Masculino (n = 157)   
Idade, anos  65,5 ± 14,0  58,8 ± 11,0  0,001 
Faixa etária (anos), n (%)      0,02 
≤ 49  9 (17,6)  30 (19,1)   
50‐59  8 (15,7)  58 (36,9)   
60‐69  13 (25,5)  41 (26,1)   
≥ 70  21 (41,2)  28 (17,8)   
Hipertensão arterial, n (%)  40 (78,4)  110 (70,1)  0,24 
Diabetes melito, n (%)  22 (43,1)  39 (24,8)  0,02 
Dislipidemia, n (%)  20 (39,2)  51 (32,5)  0,37 
Tabagismo, n (%)  16 (31,4)  61 (38,8)  0,33 
Insuficiência renal crônica, n (%)  8 (15,7)  18 (11,5)  0,42 
ICP prévia, n (%)  1 (2,0)  14 (8,9)  0,12 
CRM prévia, n (%)  5 (3,2)  0,24 
Classe Killip‐Kimbal, n (%)      0,03 
36 (70,6)  134 (85,3)   
II  6 (11,8)  12 (7,6)   
III  3 (5,9)  1 (0,6)   
IV  6 (11,8)  10 (6,4)   
Tempos de retardo, minutos       
Dor‐porta  181 ± 154  125 ± 103  0,004 
Transferência inter‐hospitalar  284 ± 206  272 ± 217  0,73 
Porta‐balão  181 ± 133  87 ± 67  0,001 
Dor‐balão  550 ± 498  438 ± 340  0,07 

ICP: intervenção coronária percutânea; CRM: cirurgia de revascularização miocárdica.

Dos 208 pacientes analisados, 155 (74,5%) foram atendidos inicialmente em outro serviço, sendo transferidos para a realização da ICPp. Houve maior proporção de transferências inter‐hospitalares entre os pacientes do sexo masculino (60,8% vs. 79,0%; p = 0,02). No entanto, observamos maior atraso para pacientes do sexo feminino nos tempos dor‐porta (181 ± 154 minutos vs. 125 ± 103 minutos; p = 0,004) e porta‐balão (181 ± 133 minuto vs. 87 ± 67 minuto; p = 0,001).

Na amostra total, a via de acesso utilizada para a ICPp foi a femoral em 195 procedimentos (93,7%), enquanto a via radial foi utilizada nos demais. Foram implantados 249 stents coronários, sendo todos stents não farmacológicos, com média de 1,2 ± 0,5 stent por paciente. A artéria descendente anterior foi o vaso mais tratado em ambos os grupos, e as características de complexidade das lesões tratadas não foram diferentes entre os gêneros (tabela 2). Pré (84,3% vs. 78,3%; p = 0,35) e pós‐dilatação (19,6% vs. 26,%; p = 0,64) foram utilizadas igualmente entre os grupos, e um agente inibidor de glicoproteína IIb/IIIa foi administrado mais frequentemente nas mulheres (47,0% vs. 19,1%; p = 0,04). Ocorreu distúrbio de fluxo (slow‐flow ou no‐reflow) em 27,5% das mulheres e em 20,4% dos homens (p = 0,24). A taxa de sucesso do procedimento não apresentou diferença na comparação entre os gêneros (92,1% vs. 91,1%; p = 0,22).

Tabela 2.

Características angiográficas

Variáveis  GêneroValor de p 
  Feminino (n = 51)  Masculino (n = 157)   
Vasos tratados, n (%)      0,42 
Descendente anterior  25 (49,0)  64 (40,8)   
Circunflexa  9 (17,6)  31 (19,7)   
Coronária direita  17 (33,3)  59 (37,6)   
Tronco de coronária esquerda  1 (2,0)  2 (1,3)   
Doença multiarterial, n (%)  16 (31,4)  40 (25,5)  0,41 
Lesão em bifurcação, n (%)  7 (13,7)  19 (12,1)  0,76 
Lesão em enxertos de safena, n (%)  1 (2,0)  1 (0,6)  0,37 
Uso de IGP IIb/IIIa, n (%)  24 (47,0)  49 (19,1)  0,04 
Pré‐dilatação, n (%)  43 (84,3)  123 (78,3)  0,35 
Pós‐dilatação, n (%)  15 (19,6)  41 (26,1)  0,64 
Diâmetro nominal dos stents, mm  2,99 ± 0,41  3,07 ± 0,44  0,88 
Comprimento nominal dos stents, mm  21,3 ± 6,7  22,5 ± 6,5  0,86 
Slow/no‐reflow, n (%)  14 (27,5)  32 (20,4)  0,24 
Sucesso do procedimento, n (%)  47 (92,2)  143 (91,1)  0,29 

IGP: inibidor de glicoproteína.

A mortalidade hospitalar da amostra total foi de 12,5%, e o tempo médio de hospitalização foi de 9,1 ± 8,2 dias. Observou‐se mortalidade mais elevada nos pacientes do sexo feminino (23,5% vs. 8,9%; p = 0,02). Nenhum caso de acidente vascular encefálico foi diagnosticado entre os pacientes. A trombose de stent definitiva/provável (2,0% vs. 2,0%; p > 0,99) e os sangramentos moderados/graves (9,8% vs. 5,1%; p = 0,22) não foram diferentes entre os grupos (tabela 3). Na análise multivariada, foram identificados como fatores independentemente associados à mortalidade a idade e as classes Killip‐Kimbal III/IV. O sexo feminino não se mostrou um preditor independente de óbito hospitalar (tabela 4).

Tabela 3.

Desfechos clínicos hospitalares

Variáveis  GêneroValor de p 
  Feminino (n = 51)  Masculino (n = 157)   
Mortalidade hospitalar, n (%)  12 (23,5)  14 (8,9)  0,02 
Trombose de stent definitiva/provável, n (%)  1 (2,0)  3 (2,0)  > 0,99 
Sangramento moderado ou grave, n (%)  5 (9,8)  8 (5,1)  0,22 
Insuficiência renal aguda, n (%)  8 (15,7)  16 (10,2)  0,28 
Tempo de internação, dias  10,6 ± 9  8,6 ± 7  0,15 
Tabela 4.

Preditores de óbito hospitalar após intervenção coronária percutânea primária

Variável  Odds Ratio  Intervalo de confiança 95%  Valor de p 
Sexo feminino  1,84  0,88‐2,16  0,09 
Idade ≥70 anos  2,75  1,81‐3,64  0,03 
Hipertensão arterial  1,75  0,12‐1,85  0,28 
Diabetes melito  2,25  0,30‐3,52  0,92 
Tabagismo  0,82  0,18‐1,08  0,77 
Insuficiência renal crônica  1,65  0,47‐5,72  0,24 
Classe Killip‐Kimbal III ou IV  2,45  1,49‐4,02  0,002 
Tempo dor‐balão >360 minutos  1,26  0,99‐1,62  0,31 
Discussão

Na década de 1990, o projeto Multinational MONItoring of Trends and Determinants in CArdiovascular Disease (MONICA), da Organização Mundial da Saúde, realizou importantes alertas à comunidade médica para o diferente comportamento e a condução das doenças cardiovasculares nas mulheres. No estudo, foram demonstradas diferenças entre os gêneros na apresentação e condução do IAM. Mulheres apresentaram quadro clínico mais grave que os homens (classe Killip‐Kimbal III/IV: 11,7% vs. 7,3%; p = 0,003); levaram mais tempo para chegar ao hospital (< 6 horas: 47% vs. 52%; 6 a 12 horas: 11% vs. 11%; 12 a 24 horas: 7% vs. 7%; > 24 horas: 35% vs. 30%; p < 0,001); e receberam menos intervenções terapêuticas (administração de agentes trombolíticos: 42% vs. 58%; p < 0,001). A proporção de pacientes com idade ≥ 75 anos foi maior nas mulheres em relação aos homens (35,1% vs. 17,2%; p < 0,001). Foram admitidos em unidade coronária < 24 horas 56% dos homens e 41% das mulheres com IAM (odds ratio OR ajustado: 1,40; intervalo de confiança de 95% IC 95% 1,26‐1,56). A mortalidade hospitalar foi de 16% no sexo masculino e 27% no feminino (OR: 0,83; IC 95% 0,71‐0,97).13

Um grande estudo internacional sobre as diferenças entre os gêneros nas síndromes coronarianas agudas, com a inclusão de mais de 12 mil pacientes, demonstrou que mulheres eram mais velhas que homens na ocasião do IAMCST (69 vs. 61 anos; p < 0,001) e apresentavam taxas significativamente mais altas de hipertensão arterial, diabetes e insuficiência cardíaca prévia. Apresentavam também menores taxas de IAM prévio e menor probabilidade de serem tabagistas. As mulheres tiveram mais complicações durante a hospitalização e maior mortalidade em 30 dias (6,0% vs. 4,0%; p < 0,001). Após ajuste para as características basais, a taxa de morte ou reinfarto aos 30 dias foi similar para mulheres e homens (p = 0,47).14

Dados de 4.347 pacientes internados por IAM na França demonstraram maior mortalidade hospitalar em mulheres de 30 a 67 anos, quando comparadas a homens da mesma faixa etária (11% vs. 5%; OR: 2,4; IC 95% 1,4‐4,3; p = 0,003), enquanto não se observou diferença entre homens e mulheres no grupo de idade mais avançada, ou seja, 68 a 89 anos (18% vs. 16%; OR: 1,2; IC 95% 0,9‐1,7; p = 0,3). Além do gênero, outro preditor significante de mortalidade hospitalar foi a classificação de Killip‐Kimbal à admissão.7

Sabe‐se que a redução do tempo total de isquemia miocárdica até a reperfusão coronária no IAMCST associa‐se à redução dos desfechos adversos, incluindo a mortalidade.3,15 No entanto, a realidade brasileira na assistência ao IAM comumente se apresenta com retardos desnecessários e aplicação infrequente de terapias comprovadamente eficazes em tempo hábil.16 Isso gera um grande aumento da morbimortalidade por doenças cardiovasculares, comprometendo grande parte da população economicamente ativa e sobrecarregando os recursos financeiros já escassos para a saúde.1

Atualmente, as cidades brasileiras, em geral, não contam com sistemas efetivos e ágeis para o tratamento do IAM, o que ocasiona retardos significativos para o acesso aos serviços de referência. Nas metrópoles, grande parte dos pacientes primeiramente buscam atendimento em Unidades Básicas de Saúde, para então serem transferidos para um serviço de referência e receberem o tratamento adequado, inclusive terapia de reperfusão coronária, o que ocasiona aumento substancial do tempo de evolução do IAM. Além disso, automedicação e dificuldade de reconhecimento da doença prejudicam o acesso ao serviço de saúde em tempo hábil.13

Sistemas regionais de otimização de fluxos e assistência ao IAM são fortemente recomendados, devendo ser desenvolvidos e aplicados para promover redução dos tempos de retardo e melhora dos resultados em todas as subpopulações com IAMCST. Os pacientes com maior atraso até o tratamento são, em geral, mais idosos e apresentam mais comorbidades. Um retardo > 6 horas do início do quadro até a ICPp pode representar um aumento de mortalidade de quase duas vezes em relação àquela observada quando o retardo é < 6 horas.17

Muitas das barreiras de acessibilidade, de fato pouco estudadas no contexto do IAMCST, acentuam‐se no sexo feminino. Características clínicas e culturais, como quadro clínico atípico, atribuição dos sintomas a outros agravos e retardo na busca por assistência médica, levam à associação entre sexo feminino e retardo no tratamento do IAM.4 O tempo porta‐balão no IAMCST com frequência se mostra significativamente maior em mulheres, quando comparadas aos homens, como demonstrado por Correia et al. (190 ± 86 minutos vs. 136 ± 49 minutos; p = 0,01).18

Na população brasileira, o sexo feminino foi reconhecido como uma variável independente relacionada à mortalidade hospitalar (sexo masculino com 9,9% vs. sexo feminino com 23%; OR: 0,35; IC 95% 0,19‐0,67; p = 0,001). A idade e a classe Killip‐Kimbal também se confirmaram como variáveis independentemente associadas ao aumento do risco de óbito no IAMCST.6

Observou‐se uma alta complexidade clínica dos pacientes incluídos no presente estudo, com elevada prevalência de fatores de risco cardiovascular. Em adição a esse perfil de risco, houve grande retardo nas diversas etapas da assistência médica, até a reperfusão coronária pela ICPp. Com isso, ocorreu elevada mortalidade na fase hospitalar do IAMCST, o que reflete as carências de todo o sistema de atenção ao IAMCST no SUS, desde a prevenção primária nos cuidados básicos até os procedimentos cardiológicos de alta complexidade.

Apesar de o grupo feminino ter apresentado mortalidade hospitalar expressivamente superior à do grupo masculino, o sexo feminino não se mostrou um preditor independente de óbito neste estudo. A pequena amostra incluída pode justificar essa ausência de associação independente. Portanto, a alta mortalidade nas mulheres se deveu, majoritariamente, à gravidade clínica significativamente maior, à idade mais avançada e ao maior retardo para o tratamento neste grupo, e não se deu em função do sexo isoladamente.

Além da condição de gênero, outros fatores foram avaliados para a predição de óbito hospitalar após ICPp na população estudada. Dentre eles, observou‐se que a classe Killip‐Kimbal III ou IV à admissão hospitalar e a idade ≥ 70 anos se associaram de forma independente ao evento. Resultado semelhante foi encontrado para essas variáveis em estudos internacionais, demonstrando o elevado risco de óbito no IAMCST em casos de idade avançada e alta gravidade clínica em diferentes populações ao redor do mundo.7,8

Logo, o sexo feminino deve ser lembrado quanto às suas peculiaridades na presença de IAM ou outras doenças cardiovasculares, devendo, inclusive, ser destacado nas políticas públicas de saúde e diretrizes societárias, assim como outras populações que se encontram sob elevado risco cardiovascular e que apresentam importante crescimento, como os idosos, os portadores de doença renal crônica e de diabetes melito.

Limitações do estudo

Os pacientes avaliados no presente estudo corresponderam somente aos que receberam a ICPp como terapia de reperfusão coronária. Um contingente de pacientes que não receberam ICPp ou terapia trombolítica não foi contabilizado e foi, portanto, excluído deste estudo, o que demonstra que o problema encontrado ilustra somente uma parcela de pacientes de fato tratada, e que a defasagem do sistema é, certamente, ainda maior.

O tamanho amostral restrito limita os resultados encontrados, e a amostragem por conveniência representa apenas a população de pacientes assistidos no serviço onde se deu a pesquisa no período de tempo determinado, não podendo representar outras populações.

Podem ter ocorrido vieses de informação relacionados aos tempos avaliados, por imprecisões sobre o horário de início dos sintomas por parte de pacientes e familiares. Tais desvios são inerentes à informação coletada e foram aventados previamente em uma ampla análise de resultados de ICPp e de tempo dor‐balão.19 No entanto, isso reflete a veracidade das dificuldades encontradas no mundo real da assistência ao IAM. A aferição do tempo dor‐balão utilizada no estudo, apesar de sujeita a esses vieses, deve ser valorizada, pois reflete o resultado de ações conjuntas em diversos pontos críticos da assistência ao IAMCST, incluindo o reconhecimento de sintomas por parte do paciente, a acessibilidade aos serviços de saúde e a qualidade do atendimento pré‐hospitalar de urgência.

Conclusões

Pacientes do sexo feminino com infarto com supradesnivelamento do segmento ST apresentaram perfil clínico mais grave e tempos dor‐porta e porta‐balão mais prolongados que os pacientes do sexo masculino. As mulheres apresentaram maior mortalidade hospitalar após intervenção coronária percutânea primária, porém o sexo feminino não foi identificado como preditor independente de óbito.

Fonte de financiamento

Não há.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
V. Teich, D.V. Araujo.
Estimativa de custo da síndrome coronariana aguda no Brasil.
Rev Bras Cardiol., 24 (2011), pp. 85-94
[2]
E.C. Keeley, J.A. Boura, C.L. Grines.
Primary angioplasty versus intravenous thrombolytic therapy for acute myocardial infarction: a quantitative review of 23 randomised trials.
[3]
American College of Emergency Physicians; Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, O’Gara PT, Kushner FG, Ascheim DD, Casey DE Jr. et al., 2013 ACCF/AHA guideline for the management of ST‐elevation myocardial infarction: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Am Coll Cardiol. 2013;61(4):e78‐e140.
[4]
C.A. Damasceno, F.C. Mussi.
Fatores de retardo pré‐hospitalar no infarto do miocárdio: uma revisão de literatura.
Cienc Cuid Saude., 9 (2010), pp. 815-821
[5]
K.W. Clarke, D. Gray, N.A. Keating, J.R. Hampton.
Do women with acute myocardial infarction receive the same treatment as men?.
BMJ., 309 (1994), pp. 563-566
[6]
L. Pimenta, R. Bassan, A. Potsch, J.F. Soares, F.M. Albanesi Filho.
É o sexo feminino um preditor independente de mortalidade hospitalar no infarto agudo do miocárdio?.
Arq Bras Cardiol., 77 (2001), pp. 37-43
[7]
T. Simon, M. Mary-Krause, J.P. Cambou, G. Hanania, P. Guéret, J.M. Lablanche, et al.
USIC Investigators. Impact of age and gender on in‐hospital and late mortality after acute myocardial infarction: increased early risk in younger women.
Eur Heart J, 27 (2006), pp. 1282-1288
[8]
V.V. Bonarjee, A. Rosengren, S.M. Snapinn, M.K. James, K. Dickstein.
OPTIMAAL study group. Sex‐based short‐ and long‐term survival in patients following complicated myocardial infarction.
Eur Heart J., 27 (2006), pp. 2177-2183
[9]
H. Jneid, G.C. Fonarow, C.P. Cannon, A.F. Hernandez, I.F. Palacios, A.O. Maree, et al.
Get With the Guidelines Steering Committee and Investigators. Sex differences in medical care and early death after acute myocardial infarction.
Circulation., 118 (2008), pp. 2803-2810
[10]
Sociedade Brasileira de Cardiologia. [IV Guidelines of Sociedade Brasileira de Cardiologia for Treatment of Acute Myocardial Infarction with ST‐segment elevation]. Arq Bras Cardiol. 2009; 93(6 supl.2): e179‐264. Portuguese.
[11]
D.E. Cutlip, S. Windecker, R. Mehran, A. Boam, D.J. Cohen, G.A. van Es, et al.
Academic Research Consortium. Clinical end points in coronary stent trials: a case for standardized definitions.
Circulation., 115 (2007), pp. 2344-2351
[12]
The effects of tissue plasminogen activator, streptokinase, or both on coronary‐artery patency, ventricular function, and survival after acute myocardial infarction. The GUSTO Angiographic Investigators. N Engl J Med. 1993;329(22):1615‐22. Erratum in: N Engl J Med. 1994;330(7):516.
[13]
A.S. Bastos, L.M. Beccaria, L.M. Contrin, C.B. Cesarino.
Tempo de chegada do paciente com infarto agudo do miocárdio em unidade de emergência.
Rev Bras Cir Cardiovasc., 27 (2012), pp. 411-418
[14]
J.S. Hochman, J.E. Tamis, T.D. Thompson, W.D. Weaver, H.D. White, F. Van de Werf, et al.
Sex, clinical presentation, and outcome in patients with acute coronary syndromes. Global Use of Strategies to Open Occluded Coronary Arteries in Acute Coronary Syndromes IIb Investigators.
N Engl J Med., 341 (1999), pp. 226-232
[15]
Antman EM, Anbe DT, Armstrong PW, Bates ER, Green LA, Hand M, et al. ; American College of Cardiology; American Heart Association; Canadian Cardiovascular Society. ACC/AHA guidelines for the management of patients with ST‐elevation myocardial infarction – executive summary. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to revise the 1999 guidelines for the management of patients with acute myocardial infarction). J Am Coll Cardiol. 2004;44(3):671‐719. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2005;45(8):1376.
[16]
L.A.P. Mattos, O. Berwanger, E.S. dos Santos, H.J.L. Reis, E.R. Romano, J.L.F. Petriz, et al.
Clinical outcomes at 30 days in the Brazilian Registry of Acute Coronary Syndromes (ACCEPT).
Arq Bras Cardiol., 100 (2013), pp. 6-13
[17]
R.R. Barbosa, F.B. Cesar, R.G. Serpa, D.M. Bayerl, V.F. Mauro, W.U. Veloso, et al.
Resultados da intervenção coronária percutânea primária de acordo com o tempo total de isquemia.
Rev Bras Cardiol Invasiva., 22 (2014), pp. 137-142
[18]
L.C. Correia, M. Brito, F. Kalil, M. Sabino, G. Garcia, F. Ferreira, et al.
Efetividade de um protocolo assistencial para redução do tempo porta‐balão da angioplastia primária.
Arq Bras Cardiol., 101 (2013), pp. 26-34
[19]
H. Shiomi, Y. Nakagawa, T. Morimoto, Y. Furukawa, A. Nakano, S. Shirai, et al.
CREDO‐Kyoto AMI investigators. Association of onset to balloon and door to balloon time with long term clinical outcome in patients with ST elevation acute myocardial infarction having primary percutaneous coronary intervention: observational study.
BMJ, 344 (2012), pp. e3257

A revisão por pares é da responsabilidade Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista.

Copyright © 2015. Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista. Publicado por Elsevier Editora Ltda.
Article options
Tools