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Vol. 10. Issue 4.
Pages 173-179 (December 2014)
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Vol. 10. Issue 4.
Pages 173-179 (December 2014)
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Síndrome pós‐trombótica e qualidade de vida em doentes com trombose venosa ilio‐femoral
Pos‐thrombotic syndrome and quality of life in patients with ilio‐femoral venous thrombosis
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Miguel Maia
Corresponding author
miguelopmm@hotmail.com

Autor para correspondência.
, André Cruz, José Vidoedo, João Almeida Pinto
Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., Penafiel, Portugal
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Tables (4)
Tabela 1. Características dos doentes
Tabela 2. Resultados do eco‐Doppler venoso dos membros inferiores
Tabela 3. Síndrome pós‐trombótica pela escala de Villalta
Tabela 4. Resultados do questionário SF‐36
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Resumo
Objetivo

Caraterizar o síndrome pós‐trombótico e a qualidade de vida em doentes com antecedentes de trombose venosa profunda (TVP) ilio‐femoral, possíveis candidatos a trombólise dirigida por cateter na altura do diagnóstico.

Material e métodos

Revisão retrospetiva dos processos clínicos dos doentes com o diagnóstico de TVP ilio‐femoral de 1 de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2013. Seleção dos doentes de acordo com os critérios consensualmente aceites para trombólise dirigida por cateter na altura do diagnóstico. Entrevista clínica, realização de eco‐Doppler venoso dos membros inferiores com preenchimento da escala Villalta e dos questionários SF‐36 e VEINES‐QOL/Sym.

Resultados

Durante este período foram observados, no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, 369 doentes com TVP dos membros inferiores. Destas, 39 envolviam o sector ilio‐femoral em doentes potencialmente candidatos a trombólise dirigida por cateter. Compareceram à convocatória 28 doentes, sendo 85,7% do sexo feminino. Sessenta e quatro por cento dos doentes usava regularmente meia elástica de contenção. Quarenta por cento dos doentes apresentavam um fator de trombofilia. Mais de 80% evidenciava alterações ao eco‐Doppler, sendo que 46% mantinha oclusão venosa e 36% refluxo ilio‐femoral. Do total dos doentes avaliados, 21% apresentava insuficiência femoro‐poplítea. Cerca de 90% dos doentes evidenciava síndrome pós‐trombótica, sendo grave em 18%. A qualidade de vida global, representada pelo estado geral de saúde, foi classificada como má em 43% dos doentes. A vitalidade e a saúde mental foram os domínios mais negativamente influenciados. Na análise estatística, os doentes com piores pontuações nos questionários de qualidade de vida foram os com síndrome pós‐trombótica, as mulheres, os doentes com trombose no membro inferior direito, com refluxo ≥2 segundos, com insuficiência distal ao segmento envolvido pela TVP e quando a mesma foi diagnosticada no primeiro mês após um procedimento cirúrgico.

Conclusão

Neste estudo verificamos uma elevada frequência de síndrome pós‐trombótica e a uma diminuição significativa da qualidade de vida. Um subgrupo de doentes apresentou resultados particularmente preocupantes. Estes resultados sugerem que deverá ser considerado um tratamento invasivo alternativo à opção conservadora habitual. Contudo, serão necessários dados suplementares para definir a influência da trombólise dirigida por cateter na qualidade de vida destes doentes.

Palavras‐chave:
Trombose venosa ilio‐femoral
Trombólise dirigida por cateter
Qualidade de vida
Abstract
Aim

Define post‐thrombotic syndrome and quality of life in patients with a history of ilio‐femoral venous thrombosis, possible candidates for catheter‐directed thrombolysis at time of diagnosis.

Material and methods

Retrospective review of clinical records of patients diagnosed with ilio‐femoral venous thrombosis from January 1, 2009 to December 31, 2013. Selection of patients according to consensually accepted criteria for catheter‐directed thrombolysis, at time of diagnosis. Patients were summoned for clinical interview, venous ultrasound examination of the lower limbs and filling of the Villalta, the SF‐36 and the VEINES‐QOL/Sym questionnaires.

Results

In Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, from January 1, 2009 to December 31, 2013, 369 patients with deep venous thrombosis of the lower limbs were observed. Of these, 39 involved the ilio‐femoral veins, in patients potentially candidates for catheter‐directed thrombolysis. 28 patients were evaluated, 85.7% female. 64% of patients regularly wore elastic stockings. 40% of patients had a thrombophilia. Over 80% showed changes in the ultrasound examination, 46% had venous occlusion and 36% ilio‐femoral reflux. 21% of patients had femoral‐popliteal reflux. About 90% of patients showed post‐thrombotic syndrome, being severe in 18%. The overall quality of life, represented by the general state of health, was classified as poor in 43% of patients. The vitality and mental health were the most adversely affected domains. In the statistical analysis, patients with worse outcomes in the questionnaires of quality of life were the ones with post‐thrombotic syndrome, the women, patients with DVT in the right leg, with reflux ≥2seconds, with distal reflux to the segment involved by the thrombosis and when the DVT was diagnosed in the first month after a surgical procedure.

Conclusion

The patients of this study, with ilio‐femoral venous thrombosis, had a high frequency of post‐thrombotic syndrome and a significant reduction in the quality of life. A subset of patients experienced worse outcomes. These results suggest that an invasive alternative should be considered in the initial treatment of proximal DVT. However, additional data are needed to precisely define the influence of catheter‐directed thrombolysis in the quality of life of these patients.

Keywords:
Ilio‐femoral venous thrombosis
Catheter‐directed thrombolysis
Quality of life
Full Text
Introdução

A trombose venosa profunda (TVP) é uma patologia grave, com complicações potencialmente fatais, cujo diagnóstico e tratamento deverão ser expeditos.

O tratamento conservador centra‐se na delimitação da extensão da trombose venosa e na prevenção de eventos trombo‐embólicos imediatos1–3.

Apesar de eficaz nos seus objetivos, a terapêutica conservadora é praticamente inútil no restabelecimento precoce da permeabilidade venosa e na conservação da sua competência valvular2.

Após esse tratamento conservador, as TVP ilio‐femorais, pelo seu carácter mais proximal, associam‐se a uma elevada frequência de síndrome pós‐trombótica, com diminuição significativa da qualidade de vida e importantes implicações socioeconómicas1,4.

Por estes motivos, diversos autores propõem alternativas invasivas no tratamento agudo das TVP proximais1.

Consequentemente, pareceu‐nos pertinente, antes de implementar um programa de tratamento invasivo, caracterizar a qualidade de vida e o possível impacto que esta alternativa teria nos doentes com TVP ilio‐femoral.

O objetivo deste estudo é caracterizar a síndrome pós‐trombótica e a qualidade de vida em doentes com antecedentes de trombose venosa ilio‐femoral, possíveis candidatos a trombólise dirigida por cateter na altura do diagnóstico.

Material e métodosSeleção dos doentes

Foram revistos os processos clínicos dos doentes com TVP diagnosticada no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, de 1 de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2013. Destes, foram selecionados os doentes com TVP ilio‐femoral, sem envolvimento (ao eco‐Doppler) da veia poplítea, e que cumpriam, na altura do diagnóstico, os critérios internacionalmente aceites para trombólise dirigida por cateter4. Os critérios de inclusão utilizados foram: idade inferior a 65 anos; primeiro episódio de TVP; diagnóstico inferior a 14 dias desde o início dos sintomas; boa capacidade funcional e sem envolvimento da veia poplítea. Os critérios de exclusão foram: antecedentes de TVP; cirurgia major nos 7 dias que antecederam o diagnóstico da trombose venosa; gravidez na altura da trombose venosa; parto nos 7 dias que antecederam o diagnóstico de TVP; diagnóstico de neoplasia; hipertensão severa; hemorragia gastrointestinal recente; hemorragia intracerebral recente.

Todos os doentes consentiram na utilização das informações recolhidas.

Entrevista clínica e escalas utilizadas

Todos os doentes foram convocados, por telefone ou por carta, para participação voluntária neste estudo. A entrevista clínica inicial tinha como objetivo confirmar informações e completar os dados omissos nos processos clínicos dos doentes. Foram registados os seguintes dados: idade e género; lateralidade, antecedentes pessoais médico‐cirúrgicos; estados de trombofilia pessoais e familiares; medicação na altura do diagnóstico da trombose venosa; tempo desde o início dos sintomas até ao diagnóstico da TVP; tempo de follow‐up (desde diagnóstico até entrevista clínica); registo do segmento venoso envolvido; ocorrência de tromboembolismo pulmonar concomitante; tratamento e duração da hipocoagulação; frequência de utilização da meia elástica de contenção.

Após a entrevista clínica os doentes completaram a escala de Villalta para diagnóstico da síndrome pós‐trombótica5, a escala genérica de qualidade de vida SF 366 e a escala de qualidade específica VEINES QOL/Sym7,8, traduzidas para português9. Os questionários foram, preferencialmente, preenchidos pelos próprios doentes. Em caso de dificuldade, os mesmos foram respondidos na modalidade de entrevista.

A escala de Villalta classifica 5 sintomas (dor, câimbras, sensação de peso, parestesias e prurido) e 6 sinais (edema pré‐tibial, induração cutânea, hiperpigmentação, eritema, ectasia venosa e dor à compressão gemelar). Cada item é pontuado como nenhum (0), ligeiro (1), moderado (2), grave (3). Também é registada a presença de úlcera venosa. Considera‐se síndrome pós‐trombótica quando a pontuação da escala de Villalta é ≥5 ou na presença de úlcera venosa. Classifica‐se como ligeiro em pontuações de 5‐9, moderado de 10‐14 e grave quando ≥15 ou na presença de úlcera venosa5.

O Medical Outcomes Study Short‐Form 36 (SF‐36) é um questionário genérico de avaliação da qualidade de vida, composto por 36 itens formando 8 domínios: capacidade funcional, limitação por aspetos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspetos sociais, limitação por aspetos emocionais e saúde mental. Os resultados obtidos variam de 0‐100, correspondendo melhor qualidade de vida a valores maiores6.

O questionário Venous Insufficiency Epidemiological and Economic Study – Quality of life/Symptom (VEINES QOL/Sym) é um questionário específico de avaliação da qualidade de vida na doença venosa crónica. É composto por 26 questões que avaliam sintomas, desempenho nas atividades diárias, altura de maior intensidade das queixas, evolução no último ano e impacto psicológico7,8. O VEINES QOL/Sym produz 2 resultados, o VEINES‐QOL que reflete o impacto na qualidade de vida e o VEINES‐Sym a gravidade dos sintomas decorrentes da doença venosa. Pontuações maiores indicam melhor qualidade de vida7,8.

Eco‐Doppler venoso dos membros inferiores

Após entrevista clínica e preenchimentos das respetivas escalas, todos os doentes foram submetidos a eco‐Doppler venoso bilateral, do sistema venoso profundo e superficial. A nomenclatura anatómica utilizada foi a recomendada por um documento de consenso interdisciplinar10.

Todos os exames foram realizados com os doentes na posição ortostática, numa sala climatizada a 22 graus Celsius. Foram avaliadas as veias superficiais e profundas dos membros inferiores, incluindo a veia cava inferior e as veias ilíacas. Foi utilizada a compressão manual distal para provocar refluxo venoso. Foi considerado refluxo patológico quando ≥1 segundo no sistema venoso profundo e ≥0,5 segundos no sistema venoso superficial.

Durante a realização do eco‐Doppler foram registados os seguintes dados: presença e localização de refluxo venoso; duração do refluxo venoso profundo; localização e grau de estenose endoluminal e sinais de repermeabilização.

O grau de estenose endoluminal foi estimado em processamento da imagem após aquisição em modo B.

Recolha e análise dos dados

Os dados recolhidos foram registados em base de dados de Excel® 2007 (Microsoft, Redmond, WA, EUA). A análise estatística foi realizada através do programa SPSS 18.0® (Chicago, IL, EUA), recorrendo‐se ao teste de Qui quadrado para análise das varáveis categóricas e ao teste de T de Student para as variáveis contínuas. Considerou‐se com significado estatístico quando p<0,05.

Resultados

De 1 de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2013 foram diagnosticadas 369 TVP dos membros inferiores sendo 39 ilio‐femorais, em doentes potencialmente candidatos a trombólise por cateter.

Compareceram à convocatória 28 doentes. Dos 11 doentes que não foram avaliados, 5 tinham falecido (3 por neoplasia do trato gastrointestinal, 2 de causa desconhecida), 3 encontravam‐se acamados e 3 faltaram sem justificação.

Dos 28 doentes avaliados, 24 (85,7%) eram do sexo feminino e 4 (14,3%) do sexo masculino. A média de idades foi 40 anos (tabela 1).

Tabela 1.

Características dos doentes

Número  28 doentes avaliados 
Idade média  40 anos (19‐62 anos) 
Género  85,7% mulheres/14,3% homens 
Tempo de follow‐up  41 meses (6‐61 meses) 
Lateralidade  71,4% esquerda/28,6% direita 
Envolvimento da  10,7% apenas ilíaca 
trombose venosa  60,7% ilio‐femoral 
profunda  28,6% apenas femoral 
Trombofilia  39,3% sim, 60,7% não 
  17,9% fator V de Leiden 
  10,7% diminuição da proteína C 
  7,1% mutação protrombina G20210A 
  3,6% diminuição da antitrombina 
Tromboembolismo pulmonar  17,9% sim/82,1% não 
Obesidade  25% sim/75% não 
Imobilização  28,6% sim/71,4% não 
Cirurgia  21,4% sim/78,6% não 
Antecedentes familiares  25% sim/75% não 

O tempo médio entre o diagnóstico da trombose venosa ilio‐femoral e a entrevista clínica com eco‐Doppler foi de 41 meses (6‐61 meses).

O lado predominantemente envolvido pela trombose foi o lado esquerdo, em 20 tromboses (71,4%). Em 3 doentes (10,7%) apenas existia envolvimento, na altura do diagnóstico, das veias ilíacas, em 17 (60,7%) constatou‐se envolvimento ilio‐femoral e em 8 doentes (28,6%) apenas envolvimento femoral.

Dos 28 doentes, 11 (39,3%) apresentavam alguma trombofilia, sendo em quase metade dos doentes (5) identificável resistência à proteína C ativada, com a mutação de Leiden no Fator V. Das restantes trombofilias reveladas enumeram‐se o défice da proteína C, o défice da antitrombina e a mutação G20210A no gene da protrombina.

Sete doentes (25%) foram considerados obesos, com índice de massa corporal superior a 30.

Oito doentes (28,6%) referiram imobilização prolongada, superior a 72 horas, nos dias que antecederam o diagnóstico da trombose venosa. Seis doentes (21,4%) foram submetidos a procedimentos cirúrgicos, frequentemente ortopédicos, durante o mês que antecedeu o diagnóstico de trombose venosa ilio‐femoral.

Das 24 mulheres avaliadas, 17 (70,8%) estavam medicadas com anticoncetivos orais.

Sete doentes (25%) referiram antecedentes familiares de TVP.

Cinco doentes (17,9%) apresentaram tromboembolismo pulmonar na altura do diagnóstico da TVP.

A totalidade dos doentes foi medicada com um regime de hipocoagulação oral durante pelo menos 3‐6 meses. Vinte e quatro doentes (85,7%) iniciaram heparina de baixo peso molecular em regime de internamento, com alta clínica após orientação pelo serviço de imuno‐hemoterapia. Os restantes foram medicados com heparina de baixo peso molecular em regime de ambulatório sendo posteriormente orientados para o serviço de imuno‐hemoterapia. Todos os doentes procederam à transição para hipocoagulação oral. Nove doentes (32,1%) cumpriram 3‐6 meses de hipocoagulação oral, 10 doentes (35,7%) 6‐12 meses e 9 doentes (32,1%) mais de 12 meses (sendo crónica em 5 doentes).

No que diz respeito à utilização da meia elástica, 14 doentes (50%) referiram utilizar diariamente. Quatro doentes (14,3%) indicaram utilizar a meia elástica na maior parte dos dias, 7 (25%) em menos de metade dos dias e 3 doentes (10,7%) afirmaram nunca utilizar meia elástica de contenção.

Todos os doentes entrevistados consentiram na realização do eco‐Doppler venoso dos membros inferiores, segundo os critérios anteriormente descritos (tabela 2).

Tabela 2.

Resultados do eco‐Doppler venoso dos membros inferiores

Número realizado  28 doentes 
Normal/anormal  17,9%/82,1% 
Refluxo venoso profundo  35,7% sim/64,3% não 
  14,3%<2 segundos 
  17,9% 2‐5 segundos 
  3,6%>5 segundos 
Insuficiência distal  21,4% sim/78,6% não 
Estenose/oclusão ilio‐femoral  46,4% oclusão 
  14,3% estenose<50% 
  14,3% estenose>50% 
  25% nenhuma 
Repermeabilização  53,6% sim/46,4% não 

O estudo ecográfico revelou‐se anormal em 23 doentes (82,1%). Dez doentes (35,7%) apresentaram refluxo do sistema venoso profundo no local da TVP prévia. Destes doentes, 4 (14,3% do total dos doentes avaliados) apresentaram um refluxo inferior a 2 segundos, 5 (17,9%) de 2‐5 segundos e um doente (3,6%) refluxo superior a 5 segundos. Seis doentes (21,4% do total dos doentes avaliados) demonstraram insuficiência venosa profunda distal (femoro‐poplítea) ao local da trombose venosa prévia.

Treze doentes (46,4%) mantinham oclusão venosa ilio‐femoral. Quatro doentes (14,3% do total dos doentes avaliados) apresentavam estenose inferior a 50% e 4 doentes (14,3%) estenose superior a 50%. Quinze doentes (53,6%) demonstravam sinais de repermeabilização venosa ao eco‐Doppler.

Todos os 28 doentes incluídos neste estudo completaram o questionário Villalta para caracterização da síndrome pós‐trombótica (tabela 3).

Tabela 3.

Síndrome pós‐trombótica pela escala de Villalta

Síndrome pós‐trombótica  89,3% sim/10,7% não 
Ausente  10,7% (3) 
Ligeiro  42,8% (12) 
Moderado  28,6% (8) 
Grave  17,9% (5) 
Úlcera  7,1% (2) 

Do total dos doentes avaliados, 25 (89,3%) apresentavam critérios para o diagnóstico de síndrome pós‐trombótica, sendo em 12 (42,8% do total dos doentes avaliados) ligeiro, em 8 (28,6%) moderado e em 5 doentes (17,9%) grave. Dois doentes (3,6%) realçaram antecedentes de úlcera venosa dos membros inferiores.

O sumário dos resultados do questionário SF‐36 está representado na tabela 4. Dos resultados realça‐se que os domínios da vitalidade e da saúde mental foram os mais negativamente pontuados. Os domínios com melhores pontuações foram os relacionados com a capacidade funcional, com os aspetos sociais e com as limitações por aspetos emocionais. Nas respostas ao questionário verificamos que a maior parte dos doentes referia não sentir que a trombose venosa influenciasse, de modo significativo, as suas atividades sociais habituais ou condicionasse alguma limitação emocional.

Tabela 4.

Resultados do questionário SF‐36

Domínio  Resultado 
Capacidade funcional  70,9 (40‐90, SD 14,8) 
Limitação por aspetos físicos  65,7 (25‐100, SD 27,7) 
Dor  59,1 (32‐100, SD 16,5) 
Estado geral de saúde  50,4 (25‐87, SD 17,5) 
Vitalidade  47,9 (30‐80, SD 12,8) 
Aspetos sociais  73,7 (25‐100, SD 20,1) 
Limitação por aspetos emocionais  67,9 (33‐100, SD 26,1) 
Saúde mental  49,9 (32‐80, SD 12,7) 

A perceção do estado geral de saúde revelou uma pontuação média de 50,4 (25‐87, SD 17,5), mas com cerca de 43% dos doentes classificando como globalmente mau o seu estado geral de saúde.

Na análise estatística, constatamos que a capacidade funcional era significativamente pior em doentes com trombose venosa ilio‐femoral diagnosticada no primeiro mês após um procedimento cirúrgico (p=0,04). Os doentes com oclusão venosa e sem sinais de repermeabilização ao eco‐Doppler demonstraram uma tendência para a uma pior capacidade funcional (p=0,08).

Uma limitação da qualidade de vida por aspetos físicos foi mais evidente em doentes com refluxo venoso ≥2 segundos (p=0,013) e em doentes com insuficiência femoro‐poplítea (distal ao segmento envolvido pela TVP) (p=0,04), ao eco‐Doppler. Estes doentes apresentaram também limitação na qualidade de vida por queixas álgicas incapacitantes (respetivamente p=0,005 e p=0,02), quando comparados com os outros doentes.

Os doentes com um tempo de refluxo ≥2 segundos (p=0,04) demonstraram também uma perceção negativa do seu estado geral de saúde.

A ocorrência de síndrome pós‐trombótica moderada ou grave correlacionou‐se, com significado estatístico, com uma diminuição da qualidade de vida, essencialmente no domínio da dor (p=0,01). Adicionalmente, os doentes com síndrome pós‐trombótica classificado como grave apresentaram uma diminuição significativa da qualidade de vida por aspetos emocionais (p=0,01). Verificamos também uma tendência de associação entre a presença de síndrome pós‐trombótica, de qualquer gravidade, e uma perceção negativa do estado geral de saúde (p=0,09). A ocorrência de síndrome pós‐trombótica associou‐se, positivamente, à identificação de alterações ao eco‐Doppler (p=0,01).

O género feminino correlacionou‐se com uma perceção negativa do estado geral de saúde (p=0,04).

Não identificamos qualquer relação, com significado estatístico, entre os fatores analisados e os domínios da vitalidade e saúde mental.

Curiosamente, a ocorrência de TVP no membro inferior direito associou‐se, de forma significativa, a uma limitação da qualidade de vida no domínio dos aspetos sociais (p=0,02) e emocionais (p=0,01).

Na análise estatística do questionário VEINES verificamos que o diagnóstico de síndrome pós‐trombótico, com a escala de Villalta, associou‐se a uma pior qualidade de vida (p=0,04) e a uma maior gravidade dos sintomas (p=0,02).

E também, usando o questionário VEINES, os doentes com TVP ilio‐femoral à direita apresentaram uma diminuição significativa da qualidade de vida (p=0,05) e uma maior gravidade dos sintomas (p=0,02), quando comparados com os doentes com TVP à esquerda.

Discussão

Estima‐se que a TVP dos membros inferiores apresente uma incidência de um para 1.000 doentes/ano, associando‐se a uma elevada morbimortalidade2.

Os principais fatores de risco, relacionados com hipercoagulabilidade, trauma venoso e estase, são os estados de trombofilia (congénitos e adquiridos), as cirurgias, os traumatismos e os longos períodos de imobilidade. Frequentemente, as tromboses venosas são idiopáticas2.

O tratamento consensual, e habitualmente preconizado, consiste num período inicial de heparina, fracionada ou não fracionada, com transição gradual, se possível, para hipocoagulação oral durante 3‐6 meses1. Simultaneamente o doente deve manter períodos de drenagem postural e uso regular de meia elástica de contenção1,2.

Esta modalidade terapêutica, extremamente eficaz no tratamento das complicações tromboembólicas imediatas, pouco ou nada influencia as complicações tardias da trombose venosa, tais como a trombose recorrente e a síndrome pós‐trombótica2,11,12.

A trombose venosa ilio‐femoral representa cerca de 20‐25% do total das tromboses venosas dos membros inferiores e define um subgrupo de doentes com elevado risco de desenvolver síndrome pós‐trombótica com diminuição significativa da qualidade de vida4,11.

As manifestações da síndrome pós‐trombótica resultam de uma associação entre oclusão venosa e insuficiência valvular12.

Calcula‐se que a síndrome pós‐trombótica ocorra em 20‐40% dos pacientes com TVP, nos primeiros 2 anos após o diagnóstico1–3. Em 5‐10% dos doentes a síndrome pós‐trombótica é classificada como grave, sendo que, em alguns estudos, a frequência é superior a 20%2.

O seu diagnóstico é essencialmente clínico, baseando‐se em sinais e sintomas. Na tentativa de uniformizar os diversos critérios utilizados, aliado à facilidade de utilização, a escala de Villalta foi utilizada com sucesso em vários estudos clínicos5.

Neste estudo constatamos uma frequência muito elevada de doentes com critérios para o diagnóstico de síndrome pós‐trombótica (89,3%), sendo grave em quase 18% do total dos doentes avaliados.

Em diversos estudos publicados a presença de TVP envolvendo as veias ilíacas e a veia femoral comum é um fator independente para o desenvolvimento de síndrome pós‐trombótica3,14,15.

A TVP, especialmente se associada ao aparecimento de síndrome pós‐trombótica, condiciona uma diminuição importante da qualidade de vida, elevados custos socioeconómicos, stress e ausência de dias de trabalho3,5,7,13,14.

Na avaliação da qualidade de vida utilizamos um questionário genérico, SF‐36, e um questionário específico de doença venosa, VEINES QOL/Sym validado para doentes com TVP7. Para além de validado, o questionário VEINES QOL/Sym é objetivo e simples de classificar. Neste estudo utilizamos questionários traduzidos para português6,9.

Kahn et al.3, num estudo prospetivo de avaliação da qualidade de vida em doentes com TVP, verificou que a qualidade de vida, medida pelos questionários SF‐36 e VEINES QOL/Sym, era significativamente menor nas mulheres, nos obesos, em doentes com tromboses proximais e com síndrome pós‐trombótica. Os doentes com síndrome pós‐trombótica apresentaram resultados de qualidade de vida semelhante aos observados em doentes com angina, insuficiência cardíaca congestiva e neoplasia3. Adicionalmente, os doentes com TVP sem síndrome pós‐trombótica apresentaram uma qualidade de vida, 2 anos após o diagnóstico, semelhante a controlos da população geral3.

Neste estudo, os doentes que demonstraram piores pontuações nos questionários de qualidade de vida foram aqueles doentes com síndrome pós‐trombótica associada, as mulheres, os doentes com tromboses no membro inferior direito, com refluxo ≥2 segundos, com insuficiência distal ao segmento envolvido pela TVP e quando a TVP era diagnosticada no primeiro mês após um procedimento cirúrgico.

Recentemente, alguns estudos sugeriram que medidas mais interventivas, com vista a remoção precoce do trombo endoluminal e restabelecimento da permeabilidade venosa, poderiam diminuir a incidência de síndrome pós‐trombótica e influenciar, positivamente, a qualidade de vida destes doentes4,11–13. Nem todos os autores concordam1. Um documento de consenso do American Venous Forum sugere essa opção apenas em doentes com boa capacidade funcional, nos primeiros 14 dias após o diagnóstico, ou em doentes com risco de perda de membro13.

Estão descritas diversas técnicas de remoção do trombo venoso, tais como a trombectomia, a trombólise dirigida por cateter e a trombólise fármaco‐mecânica dirigida por cateter11.

Apesar de tudo, diversos estudos confirmam que, nos doentes submetidos a trombólise dirigida por cateter, ocorre mais frequente e precocemente o restabelecimento da permeabilidade venosa, com lise do cóagulo16. São escassos, contudo, os dados sobre a possível influência dessa lise precoce na qualidade de vida dos doentes17.

Para esclarecer as questões que rodeiam a trombólise dirigida por cateter em doentes com TVP ilio‐femoral aguarda‐se a publicação de estudos multicêntricos randomizados em curso13,18.

Assim, a trombólise dirigida por cateter deverá, à luz do conhecimento atual, ser ponderada doente a doente, de acordo com o risco/benefício expetável12.

Conclusão

Neste estudo verificamos que a frequência de síndrome pós‐trombótica foi elevada, quase 90% dos doentes avaliados, sendo grave em cerca de 18%.

Na análise estatística constatamos que os doentes que demonstraram piores pontuações nos questionários de qualidade de vida foram aqueles com síndrome pós‐trombótica: as mulheres, os doentes com trombose no membro inferior direito, com refluxo ≥2 segundos, com insuficiência distal ao segmento envolvimento pela TVP e quando a TVP era diagnosticada no primeiro mês após um procedimento cirúrgico.

Parece, com base nos dados deste estudo e da literatura publicada, que a qualidade de vida dos doentes com TVP ilio‐femoral tratados com medidas conservadoras fica aquém da desejável. Por outro lado, a utilidade das medidas invasivas e sua influência na qualidade de vida ainda requer dados mais robustos.

Serão necessários dados adicionais, provenientes de estudos randomizados, para definir, com clareza, a utilidade da trombólise dirigida por cateter nos doentes com TVP ilio‐femoral.

Responsabilidades éticasProteção dos seres humanos e animais

Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
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Apresentado no XIV Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular, Braga 2014, como comunicação oral.

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